Documento com resultados da Missão que investigou impactos das atividades de mineração no corredor de Carajás está disponível para download.
Por Plataforma de Direitos Humanos, com colaboração da Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente e da Rede Justiça nos Trilhos
“Eu sabia do problema da nossa comunidade. Já com esta Missão eu vim conhecer mais sobre a mineração, de onde e como tudo começa. Vi o enorme buraco que começa lá na Floresta de Carajás, no Pará. Vi outras comunidades impactadas e vi também que a minha luta é árdua e sofrida, mas a gente ver que tem outras pessoas que estão em situação muito pior. Além da linha de ferro, tem a questão das carvoarias e a plantação de eucalipto em Açailândia e a grande poluição no caso de Piquiá de Baixo, como também a comunidade de pescadores do Boqueirão em São Luís que foi retirada de lá por causa do porto.”
O depoimento acima foi dado por Rose, do povoado Sítio do Meio II, de Santa Rita, no Maranhão, durante o lançamento do relatório “Mineração e violações de direitos: o Projeto Ferro Carajás S11D da Vale S.A.”, que aconteceu nos dias 15 e 17 de outubro.
O documento é resultado da Missão realizada em março de 2013 no Maranhão pela Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma de Direitos Humanos (Dhesca Brasil), em conjunto com as comunidades da região, redes e organizações de direitos humanos. A missão investigou denúncias de violações de direitos humanos decorrentes do complexo de extração, beneficiamento e escoamento de minério de ferro sob responsabilidade da Vale e outras empresas relacionadas ao complexo siderúrgico na região do corredor de Carajás (Pará e Maranhão).
O Projeto Ferro Carajás S11D da Vale S.A.
Para incrementar a produtividade da empresa, o projeto articula uma nova mina e planta de beneficiamento na Floresta Nacional (Flona) de Carajás, um ramal ferroviário no sudeste do Pará, a duplicação da Estrada de Ferro Carajás (EFC), e a expansão do terminal portuário de Ponta da Madeira, em São Luís, no Maranhão.
Trata-se do maior investimento da empresa, que vem gerando graves impactos e violações de direitos para as comunidades da região. “Os impactos e riscos socioambientais da mineração em Carajás refletem um descolamento entre as conquistas dos direitos humanos, estabelecidas institucionalmente, e as políticas estruturantes da economia brasileira, uma vez que esta última demanda altos níveis de apropriação e intervenção ambiental e social negativa nos territórios, que não podem se dar sem a naturalização e recrudescimento de desigualdades históricas como o racismo, o etnocentrismo, o sexismo e as condições geracionais. No que se refere à mineração e siderurgia, um dos desafios para o poder público e a sociedade é como efetivar os direitos humanos, se o fazer dessas atividades, tem sido, explicitamente, viabilizado pela violação desses direitos”, afirma Cristiane Faustino, Relatora do Direito ao Meio Ambiente.
Relatório da missão
Dentre os impactos do Projeto o relatório aponta: agravos de problemas socioambientais preexistentes por conta da mineração, tais como poluição atmosférica, de solos e águas; conflitos territoriais, migração desordenada; agravamento dos impactos da EFC, como atropelamentos de pessoas e animais, poluição sonora e comprometimento de moradias das populações do entorno; riscos de agravo nas condições de vida de crianças, jovens, adolescentes e idosos, e nas desigualdades de gênero que impactam a vida das mulheres, como aumento da sobrecarga de trabalho, prejuízos sobre a saúde pública, precarização do serviço público, vulnerabilidade à exploração sexual e outras formas de violência; e inibição forçada da organização política comunitária. O documento chama a atenção ainda para a fragmentação e outros problemas nos processos de licenciamento ambiental.
O relatório traz uma série de recomendações ao poder público, como a realização de consultas prévias, com poder de veto, a todas as populações tradicionais e povos indígenas impactados pela cadeia de mineração e siderurgia no Corredor Carajás, e a regularização imediata dos territórios das mesmas.
Quilombo Santa Rosa dos Pretos
A comunidade quilombola Santa Rosa dos Pretos, de Itapecuru-Mirim, no Maranhão, recebeu o primeiro lançamento do relatório, realizado no dia 15 de outubro. Logo no início das atividades os convidados foram recebidos por caixeiras que entoaram cantos e toques de caixa. O momento, cercado de simbolismo, também serviu para um resgate da luta da comunidade para garantir seus direitos e para que o território seja regularizado.
“O lançamento do relatório encoraja as comunidades a continuarem na luta. A forma de atuação da Vale somente dá prazos referentes a sua produção; quando se refere à gente, à reparação dos impactos nas nossas comunidades, não há prazo. Parece que a gente não é gente que deva ser considerada como cidadão negro, como gente”, afirmou Justus Evangelista, da União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Município de Itapecuru-Mirim.
Para Sislene Costa da Silva, da Rede Justiça nos Trilhos, o relatório é mais um instrumento para dar maior legitimidade e visibilidade às denúncias de violações de direitos humanos decorrentes da cadeia de mineração. “Visibilizar os impactos da mineração em todas as etapas de sua produção (extração, transformação e escoação) mostra o quanto essa atividade pode ser danosa ao ambiente e aos grupos sociais, a ponto de inviabilizar os modos de vida onde se implanta. Por isso, essa atividade não pode ser planejada considerando apenas os setores governamentais e ligados à mineração, como propõe o novo marco regulatório”, disse.
Além da participação da comunidade do Quilombo Santa Rosa dos Pretos, o lançamento contou com a presença de representantes das comunidades Monge Belo, Entroncamento, Barreira Funda, Oiteiro dos Pires (município de Santa Rita), Boqueirão (São Luís) e Taim (São Luís). Também estiveram no evento representantes da Congregação das Irmãs de Notre Dame, das Missionárias do Sagrado Coração de Jesus, da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (ACONERUQ), do Centro de Cultura Negra do Maranhão e das organizações Justiça nos Trilhos e Justiça Global.
Para finalizar o dia, os participantes tiveram a oportunidade de comemorar a força da cultura quilombola participando do tradicional tambor de criola, momento de festa, de pagamento de promessa e de expressão da cultura, luta e força do povo quilombola.
“Carajás 30 anos”
O segundo lançamento aconteceu no dia 17, em Imperatriz (MA), durante o “Seminário Carajás 30 anos: Um olhar sobre os grandes projetos da região tocantina”. Na mesa que discutiu o tema “Sociedade, economia e meio ambiente: violações dedireitos decorrentes do Programa Grande Carajás”, a Relatora Cristiane Faustino apresentou os resultados da missão e refletiu sobre o papel do poder público e seus deveres sobre os direitos das comunidades e grupos prejudicados.
“O relatório diz realmente tudo que vemos, do jeito que a gente vem dizendo e que outras pessoas falaram. Posso dizer isso porque acompanhei tudo. Gostei muito de não ter corte nem mudança nas falas das comunidades, pois mostra que não foi feito para o grande capitalismo e foi feito para nós mesmos”, afirma Rose, do povoado Sítio do Meio II.
O Seminário contou com uma rica diversidade de participantes da academia (UFMA e UEMA, por exemplo), de organizações e movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Conselho Missionário Indigenista (Cimi), o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia, o Fórum de Políticas Públicas do Maranhão e o Sindicato de Trabalhadores Rurais de Açailândia, diversos povos indígenas (Krikiti e Gavião), de quilombolas (Monge Belo e Santa Rosa no Maranhão e Moju no Pará) e comunidades de Buriticupu (Centro dos Farias), Santa Rita (Sítio do Meio) e Açailândia (Piquiá de Baixo, Francisco Romão, João do Vale e Nova Oriente).
O lançamento teve ainda a presença de representantes de instituições públicas como Ministério Público Estadual e Defensoria Pública Estadual. Os grupos de pessoas vieram de várias comunidades ao longo do corredor de Carajás no estado do Maranhão, além de representantes do Pará. O Seminário Carajás 30 anos contou com um público de aproximadamente 300 pessoas.
A atividade terminou com a estreia do espetáculo “O Buraco”, do grupo Jupaz (Juventude pela Paz), que fala sobre a origem da mineração em Carajás, o domínio das empresas sobre a Floresta Nacional, seu papel econômico e o projeto de expansão da Vale.
Durante todo este processo de lançamento do Relatório da Missão, a Relatoria identificou através das falas das comunidades de que nada ou muito pouco avançou em termos das demandas das comunidades em torno da atuação da Vale e dos órgãos estatais desde a realização da Missão.
O relatório completo está disponível aqui e o resumo das recomendações feitas ao poder públicoaqui. O documento também pode ser lido aqui.