Washington Novaes* – O Estado de S.Paulo
São boas notícias. Em reunião na Namíbia, há poucos dias, a Convenção da ONU para combate à Desertificação, que debatia o uso de tecnologias para uso sustentável da terra, decidiu adotar práticas do Departamento de Combate à Desertificação do nosso Ministério do Meio Ambiente, que põem ênfase na convivência sustentável com ambientes naturalmente áridos – e não tentativas de “combate à seca”, como fizeram durante décadas nossas políticas governamentais. A ponto de o escritor Ariano Suassuna haver dito ao autor destas linhas, há alguns anos, que “tentar combater a seca no Nordeste brasileiro é o mesmo que tentar combater a neve na Sibéria”. Fez lembrar o competente ministro Celso Furtado, que demonstrava haver sido praticamente toda a área fértil mais próxima do mar na região ocupada pela cana-de-açúcar, o que obrigou famílias pobres a migrar para as áreas secas; e ali foram realizadas as tentativas de transplantar culturas inadequadas para o solo e clima da região – agravando a escassez.
Também no recente encontro de ministros da Agricultura das Américas na Argentina o tema da desertificação ocupou parte das discussões sobre “uso sustentável da água”. E ali o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) apresentou alguns dos trabalhos que vem executando em áreas como a de Gilbués, no Piauí, uma das mais problemáticas. Ali, em 55 mil quilômetros quadrados, está um dos cenários mais dramáticos da seca e da desertificação no Brasil, que atingem 1,3 milhão de quilômetros quadrados em 1.488 municípios do Nordeste, de Minas Gerais e do Espírito Santo.
Embora não lhes destine os recursos necessários, o Ministério do Meio Ambiente de fato tem órgãos e profissionais competentes que se empenham há anos na implantação de políticas e programas de convivência com o clima e o ambiente. Além de sistema de alerta precoce para a seca e a desertificação, esses profissionais trabalham com os programas de sustentabilidade da matriz energética – e aí merece destaque o “fogão ecológico”, que permite reduzir em 30% o consumo de lenha predominante em grande parte da região. Outro programa é o do manejo florestal integrado para uso múltiplo comunitário da lenha em áreas plantadas – e que permite reduzir o consumo de vegetação natural em locais como o “polo gesseiro” de Pernambuco, onde não se encontrou alternativa mais barata. Um terceiro caminho é o da instalação de “barragens subterrâneas” (que acumulam água da chuva no subsolo e possibilitam o uso posterior para plantio). Todos no caminho da “convivência”.
É preciso insistir: a ONU inclui a desertificação e a fome entre os problemas mais graves do mundo, com 14% da população mundial sofrendo; e a desertificação avança 60 mil quilômetros quadrados por ano. A ponto de o papa Francisco haver dito (FAO, 21/6) que o mundo já produz alimentos suficientes, mas “há milhões de pessoas que continuam a morrer de inanição; é um verdadeiro escândalo”. De fato, a própria Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) afirma que a produção de alimentos hoje seria suficiente para alimentar os 7 bilhões de habitantes do planeta, mas o desperdício e a concentração de renda impedem. Pode piorar, com os problemas de mudanças climáticas, inclusive no Brasil, onde se prevê uma redução de até 30% nas chuvas no Semiárido – sem falar que tudo pode ser ainda mais grave com a diminuição do fluxo de águas que nascem no Cerrado e correm para o Nordeste. E com o problema – analisado em trabalho de 26 pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – da expansão de culturas de soja e cana, do Maranhão à Bahia, agravando as condições sociais da região.
O presidente do Comitê de Ciência e Tecnologia da convenção da ONU sobre desertificação, Antônio M. Magalhães, enfatiza que as terras secas já significam 40% do território do planeta, onde vivem 33% da população. E onde se concentram 50% da pobreza. No Brasil, uma das situações mais graves está em Gilbués (Piauí), onde até chove entre 800 e 1.200 milímetros por ano, mas as condições do solo apressam a infiltração de água e dificultam o plantio de alimentos. Irauçuba (Ceará), Cabrobó (Pernambuco) e a região do Seridó (Rio Grande do Norte e Paraíba) são outros pontos críticos. Ao todo, 399 mil pessoas envolvidas. E a questão mais delicada é a da Paraíba, com 54,88% do território em processo de desertificação (O Globo, 9/7).
Não estranha, assim, que o Semiárido seja o principal polo de origem de migrações para o Centro-Oeste, principalmente para Brasília. As informações das últimas semanas sobre renda no Brasil mostram o Maranhão e o Piauí, por exemplo, com os mais baixos padrões de renda do País. No geral, a situação até tem melhorado, com um crescimento real da renda em 2012, mas ainda com alto nível de concentração: enquanto na faixa dos 10% mais pobres a renda está em R$ 215, na faixas dos 1% mais ricos chega a R$ 18.889, ou 87 vezes mais. E a média no Nordeste é de R$ 1.044,00, ante R$ 1.507 da média nacional.
Em parceria com o Ministério do Meio Ambiente, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) já está testando em Sergipe projeto que deverá ser replicado em todo o Semiárido, com ênfase no combate à erosão do solo e seu esgotamento. Juntamente com o os conhecimentos do IICA em Gilbués e outros do Departamento de Combate à Desertificação do Ministério do Meio Ambiente, além dos programas da Articulação do Semiárido – principalmente o de cisternas de placa (custo médio de R$ 2,4 mil) para prover de água captada nos telhados uma família durante toda a estiagem -, talvez seja possível conseguir avanços importantes para toda a população do Semiárido.
Como respondeu ao autor destas linhas, com as mãos voltadas para o céu, uma beneficiária de cisterna de placa, com quase 80 anos, ao ser perguntada sobre o que mudara em sua vida: “Vixe Maria!”.
*Washington Novaes é jornalista. E-mail: [email protected]
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.