Yanomami avaliam em conferência que atendimento à saúde continua insatisfatório

Mesa de abertura da etapa distrital da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, em Boa Vista (Lidia Montanha de Castro-ISA)
Mesa de abertura da etapa distrital da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, em Boa Vista (Lidia Montanha de Castro-ISA)

Em dois eventos consecutivos realizados em Boa Vista (RR) – a etapa distrital da Conferência Nacional de Saúde Indígena e a reunião do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana – a queixa é recorrente: os problemas continuam e o atendimento é insatisfatório

Lidia Montanha de Castro, ISA

A etapa distrital da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, de 28 a 30 de setembro, em Boa Vista, contou com a participação de 150 delegados – 115 deles representando os Yanomami, Sanuma, Ninam, Yanomae e Ye’kuana.

O tema da conferência foi “Subsistema de Atenção a Saúde Indígena e SUS: Direito, Acesso, Diversidade e Atenção Diferenciada”, e teve como eixos temáticos (i) os avanços e desafios de garantir a atenção básica para os povos indígenas nas três esferas do governo, incluindo também os atendimentos de média e alta complexidade; (ii) o controle social e a gestão participativa na saúde indígena; (iii) etnodesenvolvimento e segurança alimentar e nutricional, além de (iv) saneamento e edificações.

Durante as apresentações dos gestores do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami, a ênfase recaiu sobre o atendimento de média e alta complexidade, onde os Yanomami estão cada vez mais inseridos. As falas dos gestores não contemplaram questões relacionadas à democratização e descentralização das decisões no distrito sanitário. Sobre o controle social e a gestão participativa, a apresentação foi inadequada, deixando subentendido que esse exercício deve ser feito pelos funcionários e não pelos usuários do sistema especial de saúde.

Proposta é criar programa permanente de capacitação

Sobre a formação dos profissionais indígenas foi explicado que a ausência de capacitação deve-se ao fato da falta de escolarização entre eles. Uma das propostas aprovadas visa a criação e implementação de um programa permanente de formação e capacitação para Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (Aisan), Agentes Indígenas de Saúde Bucal, microscopistas e intérpretes indígenas, que seja amparado por um termo técnico entre o Ministério da Saúde e Ministério da Educação, que garanta a escolarização e as certificações desses profissionais.

O distrito sanitário Yanomami conta atualmente com mais de mil funcionários. Cada pólo-base tem dois infermeiros e seis médicos cubanos foram contratados para atuar na TIY. Espera-se com isso que a qualidade do atendimento básico na Terra Indígena Yanomami melhore e que a quantidade de remoções para Boa Vista possa diminuir. As informações foram prestadas pelo assessor de planejamento do distrito sanitário, Antônio Gonçalves.

Usuários e funcionários afirmaram que a atenção básica prestada hoje pelo distrito sanitário Yanomami nas comunidades indígenas é insatisfatória. Representantes indígenas de diferentes regiões da TI Yanomami relataram problemas parecidos como a falta de medicamentos, a ausência dos funcionários no atendimento básico e periódico que deve ser realizado nas comunidades e falta de alimentação para os pacientes em tratamento nos pólos-base.

O delegado Daniel Yanomami da região do Hakoma resumiu os problemas de saúde na Terra Indígena: “Nada foi resolvido, estamos aqui cobrando porque as equipes não ficam nas comunidades, passa pouco tempo nas malocas, dessa forma não é assistência. Nós estamos procurando respostas para melhorar a saúde. O pólo-base tem trabalho mas nas comunidades não têm nada, os profissionais precisam entender que o modo de vida dos Yanomami é diferente dos brancos, vocês precisam conhecer, se adaptar para fazer uma boa assistência. Falta comunicação, falta radiofonia para comunicação, para passar demanda da saúde. Nós ainda não alcançamos os nossos pedidos, ainda não temos resultados, faltam equipamentos, remédios, estrutura física, falta as equipes ficarem nas malocas. Na época das chuvas o helicóptero se torna muito perigoso para os funcionários, para o piloto e para os Yanomami, por isso as equipes devem permanecer mais tempo nas comunidades”.

Remoções para Boa Vista são constantes

Em função da pouca qualidade na assistência básica desenvolvida na Terra Indígena, cada vez mais os Yanomami e Ye’kuana são removidos para a Casa do Índio (Casai) em Boa Vista para realizar tratamentos. Entre os meses de junho a agosto, a Casai de Boa Vista atendeu aproximadamente 600 yanomami. As delegadas Simone e Dançarina Yanomami da região de Surucucu disseram sentir vergonha da sujeira que tem na Casai. “Por isso não queremos trazer nossos filhos para este lugar sujo e cheio de doenças! Vocês que são responsáveis pela Casai devem cuidar melhor desse espaço e dos Yanomami!”

A gestão do distrito Yanomami apresentou o orçamento para o ano de 2013 no valor de R$ 87.608.000, divididos entre a Missão Evangélica Caiuá – que conta com R$ 38.623.000 destinados especificamente para recursos humanos – e o distrito sanitário Yanomami, com R$ 48.985.000.

Além disso estão previstos R$ 4.742.000 para obras de saneamento, que segundo a assessoria de planejamento se destina à construção de 17 postos de captação de água na TIY. Também foram investidos R$ 1.250.000 em construção e reformas na Casai de Boa Vista. A previsão é que haja um aumento dos recursos em 2014, para R$ 51.444.000, e em 2015, para R$ 54.017.000. Esses valores dizem respeito somente ao distrito sanitário e não aos recursos humanos.

O representante da Missão Evangélica Caiuá, Daniel Fogaça, relatou que a organização tem 17 convênios com o Ministério da Saúde, que atendem aproximadamente 555 mil indígenas em todo o Brasil. Para isso contam com um quadro de mais de oito mil funcionários, dos quais 53% são indígenas. Fogaça informou ainda que além da saúde a Caiuá atua na área de educação e evangelização.

Ao final da conferência foram escolhidos 20 delegados Yanomami e Ye’kuana para participar da Conferência Nacional , que será realizada em Brasília, de 26 a 30 de novembro. Entre os escolhidos estão duas mulheres – uma Yanomami e uma Xiriana – que participarão da conferência pela primeira vez.

Reunião do Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Ye’kuana

Depois da conferência, nos dias 1º e 2º de outubro, aconteceu a XIX reunião do Conselho Distrital de Saúde Yanomami e Ye’kuana – Condisi. O primeiro dia foi dedicado às falas dos conselheiros indígenas e no segundo dia foi apresentada uma gravação em áudio, de uma suposta reunião promovida por políticos locais que contou com a participação de gestores e funcionários do distrito sanitário Yanomami.

A gravação aponta influências de um deputado na escolha e permanência da empresa terceirizada – a Missão Evangélia Cauá – para a contratação de recursos humanos, assim como troca de favores para eternizar os funcionários nos cargos desconsiderando completamente o controle social por parte dos usuários do sistema de saúde.

Davi Kopenawa, presidente da Hutukara Associação Yanomami, comentou a denúncia. “Esse é um problema antigo, que já aconteceu antes. Em 2010, 2011, 2012 e 2013 nós colocamos a senhora Claudete. Hoje nós queremos tirar o Antônio porque ele não está trabalhando bem. Vocês estão se aproximando do deputado, ele quer desviar o dinheiro da saúde indígena. Por isso eu estou aqui abrindo a minha alma e falando que a senhora Joana Claudete, a senhora tomou o chá do deputado, do político. Eu quero que o ministro Alexandre Padilha venha aqui em Boa Vista para resolver esse problema. Eu desconfiava mas agora apareceu, a cobra grande quer comer os yanomami … Nós Yanomami colocamos a senhora para cuidar de nós, mas agora esse político colocou minhoca na sua cabeça. Agora que nós descobrimos, estamos revoltados! Tem muitos Yanomami morrendo na cidade e nas comunidades por isso fizemos documento e vamos mandar para Brasília, para acordar o governo. Eu queria dizer para todo o mundo que essa é a nossa luta, que a nossa luta é ficar em pé, nós vamos botar pra frente. Vocês parentes não podem ter medo, nós vamos botar esse trabalho para frente, esses vão sair, vão para casa deles e nós vamos cuidar da nossa saúde”.

Em ofício, a Hutukara Associação Yanomami escreveu: “Hoje existe mais remoção do que prevenção dentro da TI Yanomami. Chama a atenção o fato de que em 2012 foi gasto R$ 16.500, 00 destinado a pagamento de funerária e no período de janeiro a setembro de 2013 esse gasto aumentou para R$ 81.880,00”.

Os delegados e conselheiros indígenas com apoio da Hutukara, cobram do secretário especial de Saúde Indígena, Antonio Alves e do Ministério Público Federal a saída de gestores e funcionários que mantêm envolvimento com políticos locais, assim como exigiram uma melhor aplicação dos recursos destinados à saúde indígena. Os recursos aumentaram mas não melhorou a saúde e a qualidade de vida dos Yanomami e Ye’kuana.

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