As Fumigações Colombianas e seu Impacto no Equador

Fonte: Fumigación em Google Imagens. Acesso em 15 set. 2013
Fonte: Fumigación em Google Imagens. Acesso em 15 set. 2013

Por Lívia Liria Avelhan e Renato Xavier – Observatório de Negociações Internacionais da América Latina

Desde o início do Plano Colômbia, o governo colombiano vem realizando a fumigação das áreas produtoras de coca, planta da qual é extraída a cocaína. No entanto, estudos apontam para diversos efeitos negativos que os componentes químicos presentes no processo de fumigação causam tanto nas demais plantas quanto em animais e seres humanos. A região fronteiriça entre Colômbia e Equador faz parte das áreas onde a coca é produzida e, portanto, onde são realizadas as aspersões. Sendo Assim, o Equador, alegando os impactos nocivos causados pela pulverização, fez diversas tentativas de negociação com o governo colombiano e chegou a demandar contra a Colômbia na Corte Internacional de Justiça, em Haia.

ANTECEDENTES E HISTÓRICO DO CASO

Uma das ações realizadas pelo governo colombiano para o combate ao narcotráfico, de acordo com Plano Colômbia, criado e financiado pelos EUA, é a fumigação das áreas de cultivo de drogas ilícitas na região andina. Desde 2000, ano da criação do Plano, a Colômbia tem posto em marcha a utilização de uma grande quantidade de produtos químicos – com o uso de aviões – para a fumigação em plena selva amazônica, região que faz fronteira com o Equador. O herbicida utilizado é o Roundup (produzido e patenteado pela Monsanto)composto principalmente pelo glifosato, capaz de matar qualquer tipo de planta. Todavia, se de um lado a fumigação deste produto visou a destruir a plantação e o cultivo de ilícitos, por outro lado, causou graves danos à saúde e ao bem estar das populações locais, uma vez que naquela região fronteiriça vivem quase 6 milhões de habitantes.

O resultado das fumigações aéreas foi a destruição não só das plantações de coca, mas também os cultivos legais da região. Do ponto de vista da população indígena local, passou-se a verificar um aumento exponencial de doenças causadas pelos produtos altamente tóxicos, utilizados na fumigação pelo governo colombiano, constatou-se, também, a morte de diversos animais de granja, além da contaminação de rios e lagos. Autoridades equatorianas passaram a receber diversas queixas de líderes indígenas das comunidades amazônicas e ambientalistas denunciando os perigos à saúde das comunidades e ao equilíbrio ecológico da selva amazônica. As províncias equatorianas afetadas pelas fumigações são Cauca, Nariño, Putumayo y Caquetá.

Fonte: colombiadrogas.wordpress. Acesso em 15. Set. 2013
Fonte: colombiadrogas.wordpress. Acesso em 15. Set. 2013

Desde 2005, durante a presidência de Alfredo Palacio no Equador e a de Álvaro Uribe na Colômbia, há queixas equatorianas sobre os efeitos das fumigações na área compreendida entre os dez quilómetros ao norte da linha fronteiriça. Em 2006, pesquisas realizadas em populações de Sucumbíos, a 5 km do limite colombiano, dão conta do falecimento de dezesseis pessoas, entre 2001 e 2003, vítimas de intoxicação química relacionada às fumigações. Dezenas de casos de intoxicação química foram detectados em pessoas cujas análises de sangue apontaram altas concentrações de glifosato e outros pesticidas, substâncias utilizadas nas fumigações, além de contaminação de cultivos e criações de gado doméstico. A pedido do governo equatoriano, as fumigações aéreas foram suspensas nas áreas colombianas limítrofes com o Equador em janeiro de 2006. Porém, em dezembro do mesmo ano, os dois países entraram em rota de colisão devido à retomada das fumigações nas aéreas de fronteira entre Colômbia e Equador. Em resposta à iniciativa colombiana, o presidente equatoriano recém-eleito Rafael Correa fez retornar o embaixador equatoriano em Bogotá e entrou com uma demanda contra a Colômbia na Corte Interamericana de Direitos Humanos, devido aos malefícios causados pelos herbicidas à população e à produção agrícola da fronteira equatoriana.

Em abril de 2007, a Comisión Científica Ecuatoriana finalizou o relatório El Sistema de Aspersiónes Aéreas del Plan Colombia y Sus Impactos sobre el Ecosistema y la Salud en la Frontera Ecuatoriana, sob encomenda do governo de Rafael Correa. O objetivo do estudo era contrapor-se à argumentação do governo colombiano, baseada em relatórios da CICAD (Comissión Interamericana para el Control del Abuso de Drogas)que subestimavam a periculosidade no uso do herbicida Glifosato pelo programa de erradicação dos cultivos ilícitos na Colômbia. A recomendação final do relatório solicitava ao governo colombiano que as aspersões aéreas preservassem uma faixa de 10 km a partir do limite internacional entre Equador e Colômbia, de modo a não afetar a população equatoriana nas fronteiras. Portanto, visto que ambas as comissões não chegaram a um acordo sobre os efeitos do glifosato e sobre as ações a serem tomadas, o Equador informou a Colômbia, através de uma notificação, que havia feito todos os esforços diplomáticos para resolver a situação e devido à ausência de medidas efetivas por parte da Colômbia, o Equador buscaria outros caminhos para resolver pacificamente a contenda com base no direito internacional. A Colômbia não respondeu a notificação.

É importante destacar que houve processos judiciais internos no Equador que apontavam a responsabilidade do governo equatoriano e sua negligência em assegurar o bem–estar de sua população. Dito isso, é possível observar havia pressões internas para que o Equador resolvesse a situação causada pelas fumigações, sendo inclusive o próprio Estado equatoriano alvo de demandas judiciais.

Segundo um documento do governo equatoriano, datado de 2008, “A Colômbia tem, sistematicamente, rechaçado todos os requerimentos do Equador durante os últimos sete anos, e tem se recusado, categoricamente, a deter a realização das fumigações”. Sendo assim, em 31 de março de 2008, o Equador apresentou uma demanda contra a Colômbia na Corte Internacional de Justiça (CIJ), em Haia. A intenção equatoriana era: (1) obter uma declaração da Corte dizendo que a Colômbia havia violado a soberania e integridade territorial do Equador, em desrespeito ao Direito Internacional, devido à prática de fumigações, que têm causado dano ao Equador, sua população e seu meio ambiente; (2) uma ordem para que a Colômbia se abstenha, no futuro, de realizar fumigações a uma distância de menos de 10 quilômetros da fronteira com o Equador; e (3) uma ordem para que a Colômbia pague indenizações ao Equador devido ao prejuízo causado pelas fumigações ilegais.

O início do contencioso na CIJ coincidiu com a invasão pela Colômbia do território equatoriano, onde se localizava um acampamento das FARC. A invasão e o bombardeio do local culminaram na morte de um dos líderes das FARC, Raul Reyes. Esse episódio resultou no rompimento das relações diplomáticas entre Equador e Colômbia em março de 2008. No entanto, o governo equatoriano ressalta que a proximidade dos dois eventos (a demanda no CIJ devido às fumigações e o rompimento de relações diplomáticas devido à invasão) é uma coincidência, visto que o Equador iniciou as pesquisas internas para dar início ao processo de demanda no CIJ ainda em 2007.

Em junho de 2010, estando o governo colombiano sob a presidência de Juan Manuel Santos, foi realizado um novo estudo, o qual afirmou que 10 por cento das pessoas afetadas pela fumigação colombiana com glifosato na fronteira sofreram danos genético, que poderiam ser irreversíveis. De acordo com o estudo, realizado por uma universidade do Equador, entre as consequências prováveis para a população exposta à pulverização estavam inclusos: risco de câncer, nascimento de crianças com defeitos congênitos, problemas de infertilidade, doenças da pele e perda de cabelo. Além disso, o relatório observou que a aplicação de glifosato trazia prejuízos ambientais, afetando negativamente o solo, plantas e animais.

OS POSICIONAMENTOS DE EQUADOR E COLÔMBIA

O Equador afirma que as fumigações colombianas ultrapassaram a fronteira e afetaram seriamente à saúde, o meio ambiente e economia da população local. Assim, exige que as fumigações colombianas sejam realizadas a uma distância de pelo menos 10 quilômetros da fronteira com o Equador e que o governo colombiano pague indenizações às populações equatorianas que sofreram efeitos das fumigações.

Já a Colômbia, até 2010, sob o governo de Uribe, rebatia argumentando que um estudo de uma missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) qualifica de “inócuo” o herbicida e que, portanto, seu uso para combater o cultivo da coca na fronteira é justificado.

Abaixo, há uma tabela com as características principais envolvidas nas negociações entre Equador e Colômbia.

Classificação das Negociações

ATORES Equador e Colômbia
NATUREZA Distributiva
NÍVEL Bilateral
OBJETO As fumigações colombianas e seu impacto no Equador
ANÁLISE MACRO Plano Colômbia e o combate ao narcotráfico
ANÁLISE MESO Impactos negativos sobre a população equatoriana. Mudança de governo da Colômbia
ANÁLISE MICRO Diante da recusa colombiana inicial em negociar, o Equador apelou à CIJ.
SOLUÇÃO Acordo entre as partes auferido sem a necessidade de intervenção da CIJ

DESFECHO

Em agosto de 2013, o presidente do Equador, Rafael Correa, declarou que foi alcançado um acordo entre Colômbia e Equador sobre as fumigações, pondo fim ao contencioso na CIJ. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, elogiou a atuação do presidente equatoriano: “Quiero agradecerle nuevamente al presidente Correa, lo hice vía telefónica, su buena disposición y su buena voluntad para que lográramos lo que hoy estamos protocolizando en la Corte Internacional de Justicia”. Rafael Correa também declarou que com o atual governo de Santos ”há mais respeito com o Equador”. O acordo foi realizado sem a necessidade de intervenção da CIJ. Sendo assim, o Equador entregou à CIJ uma carta em que manifesta sua desistência sobre sua demanda contra Colômbia.

O acordo firmado entre as duas partes estabelece que o governo colombiano irá notificar o Equador sempre que houver planos para a realização de fumigações na região fronteiriça, mais especificamente a menos de 10Km do território equatoriano. Os Aviões colombianos que voarem em missões de fumigação dentro da faixa de segurança designada também terão que realizar a pulverização do herbicida a partir de uma altitude de menos de 40 metros, medida essa vista como uma forma de manter a dispersão do glifosato fora do território equatoriano. Ademais, estão previstas sanções financeiras à Colômbia. As autoridades colombianas pagarão os gastos que o Equador teve para manter seus advogados em Haia e farão contribuições financeiras que serão destinadas a fomentar o desenvolvimento social e econômico das áreas de fronteira. Por fim, o acordo também prevê que os dois países estabelecerão mecanismos de coordenação para combater o narcotráfico, tema sobre o qual a Colômbia ratificou que “continuará com sua política legítima para combatê-lo”.

A figura abaixo ilustra as fases da contenda entre Equador e Colômbia.

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Nota-se que a partir do momento em que o Equador detectou os efeitos nocivos causados pela fumigação colombiana, o país tentou diversas negociações bilaterais com a Colômbia, tendo apenas respostas negativas ou evasivas. Sendo assim, o governo equatoriano decidiu demandar contra a Colômbia na CIJ, tendo em vista que um processo litigioso de nível internacional tem maior capacidade de exercer pressão nos Estados. Essa estratégia utilizada pelo Equador surtiu efeito, já que, após o início do processo e juntamente com a mudança de governo na Colômbia, o governo equatoriano pôde estreitar o diálogo com a Colômbia, o que resultou em um acordo firmado entre os dois países por meio de negociação bilateral sem a necessidade de intervenção da Corte Internacional de Justiça.

REFERÊNCIAS

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