Viajando 3 mil quilômetros entre nascentes secas, rios sugados pela terra, cidades com água racionada e cerrado dizimado, EM mostra como a desertificação impulsionada pela exploração sem critérios engoliu terras antes tidas como férteis no Noroeste de Minas
Por Mateus Parreiras, em EM
Arinos, Bonfinópolis de Minas, Buritis, Dom Bosco, Formoso e Urucuia – Do chão alaranjado e duro não brota mais nem mato. O que desponta do solo – restos de troncos retorcidos e podres, que lembram lápides em um cemitério árido – são os últimos vestígios da mata de cerrado. As chuvas, que irrigavam a terra durante um período de seis meses no passado, já não gotejam por mais do que quatro meses. Nascentes morreram, córregos se tornaram intermitentes e a escassez de água seguiu seu curso atingindo os meios rural e urbano. Mas o cenário não fica no semiárido Norte de Minas, onde a seca já é parte da vida do sertanejo. Por incrível que pareça, o terreno estéril pertence ao Noroeste, região ainda considerada um dos celeiros do estado, por ser a maior produtora de grãos de Minas.
A área desolada descrita acima, em Buritis, a 750 quilômetros da capital mineira, é apenas uma amostra dos 180 mil hectares de terras que já foram férteis, mas que, de acordo com especialistas, por causa de mudanças climáticas e do manejo não sustentável, entraram em processo de desertificação, espalhando a mancha da sede pelo mapa mineiro. É como se uma área equivalente a cinco vezes e meia a extensão de Belo Horizonte se tornasse incapaz de sustentar a vida.
Por uma semana, a equipe de reportagem do Estado de Minas percorreu cerca de 3 mil quilômetros, distância semelhante a uma viagem entre o Rio de Janeiro e Belém do Pará, para mostrar como o Noroeste mineiro vem se transformando em nova fronteira da sede. A escassez de água e a desertificação têm caminhado juntas entre os 19 municípios da região. Enxotados pela aridez, produtores vivem o drama de ter de abandonar terras degradadas, enquanto cidades inteiras sofrem com o racionamento de água, o gado morre, nascentes secam, cursos d’água são sugados pela terra sedenta e o cerrado vai ganhando aspecto de semiárido.
Pelo mapeamento por imagens de satélite no computador, o coordenador do Comitê de Bacias Hidrográficas (CBH) do Rio Urucuia, Julio Ayala, aponta a expansão de terrenos arenosos, pedregosos e estéreis em áreas onde há décadas se destacavam grandes polígonos verdes de monoculturas como soja, milho e feijão. “Dentro da Bacia do Rio Urucuia temos 600 mil hectares nos quais a produção não é sustentável e degrada o solo com o tempo. Desses, pelo menos 30% (180 mil hectares) já sofrem algum estágio de desertificação”, atesta Ayala, engenheiro-agrônomo e consultor do comitê que propõe e fiscaliza as políticas hídricas em um dos dois rios mais importantes da região – o outro é o Rio Paracatu.
Segundo o professor de geografia física da USP José Bueno Conti, que tem livre-docência em desertificação em áreas tropicais, o Noroeste de Minas está na periferia do semiárido e é uma região classificada como subúmida. Esses dois tipos de clima são os mais propensos à desertificação. “Verificamos naquela região um período de estiagem estendido e severo. Quando há prolongamento da seca por dois ou três anos, como vem ocorrendo, os sistemas hidrológicos e geológicos (solos) e todo o ecossistema podem entrar em colapso e desencadear o processo de desertificação”, explica.
Mais grave do que na área da sudene
Entre 2003 e 2011, a média de decretos de estado de emergência devido à estiagem no Noroeste de Minas era de três por ano. No ano passado a quantidade mais que dobrou, chegando a sete. De acordo com a Agência Nacional das Águas (ANA), 68,4% das cidades do Noroeste precisarão ampliar seus sistemas de captação de água até 2015 ou enfrentarão desabastecimento. O índice é pior do que o registrado pelos municípios da área mineira da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), 64,8% dos quais serão obrigados a aumentar a capacidade de produção hídrica nos próximos dois anos.
Apesar disso, como o Noroeste de Minas não se encontra na área formal do semiárido brasileiro, os municípios não têm acesso a incentivos garantidos às prefeituras integrantes da área da Sudene, nem aos projetos do Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN) ou à sua versão estadual, o PAE/MG.
Mas engana-se quem pensa que o avanço da desertificação tem impactos apenas sobre esses municípios. As consequências vão muito além. “Esse processo tem impactos em sistemas mais abrangentes e complexos, como no assoreamento do Rio São Francisco”, alerta o coordenador do CBH do Rio Urucuia, Julio Ayala.
O Urucuia, junto com o Paracatu e o Rio das Velhas, compõe a lista dos principais afluentes do Velho Chico. Quando chove na área da bacia em processo de desertificação, a água corre diretamente para os cursos d’água, carreando detritos e assoreando os leitos. Se tivesse sido retida pela vegetação, a chuva penetraria lentamente no solo e recarregaria os lençóis freáticos ou aquíferos. Esses reservatórios subterrâneos, quando cheios, liberam o conteúdo aos poucos, permitindo que córregos e ribeirões corram durante a seca e mantendo a região úmida e com evaporação diária. “A água que não penetra no solo sai do sistema. Não forma mais chuvas naquela região. Por isso ocorre a seca, a diminuição dos meses de chuvas e da intensidade das precipitações”, aponta Ayala.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.