O corpo de Dom Edmilson

Foto: Isto é
Foto: Isto é

“Estamos na mesma terra e, daqui a pouco, seguimos no barco de Caronte. Mas tenho de querer bem ao bispo Edmilson”

Demitri Túlio, O Povo on line

Peço um pouco de paciência aos leitores que buscam a coluna para passearmos pelas ruas e memórias das Cidades. Alguns andaram puxando minhas orelhas. Daqui a pouco voltamos pelos bairros, pelos dizeres, fazeres, comeres, a vida privada e cochichada dos bairros. Pelos desimportantes dos dias que vão indo nas calçadas, pelos quintais e quartos de dormir.

Volto a escrever sobre a floresta do Cocó. Também parte de cada um de nós que acha natural tratar árvore, rio e bicho feito ser que merece dignidade. Feito gente que respira, amanhece e anoitece. Ou feito eles.

Pois bem. O bispo dom Edmílson Cruz, perto de seus 90 anos, é em outubro, deu mais uma demonstração que sabe o que fazer com a vida que lhe resta por aqui. Na última quinta-feira, usou o corpo mais uma vez para se contrapor a um ato de desamor. Sim, foi lá porque tem zelo por quem nem conhece nos ínfimos. Dos manifestantes aos policiais, dos guardas ao prefeito, do governador à mata.

Fez assim e resgatou um pouco do que foi a Arquidiocese de Fortaleza quando não se calava feito pedras de Irauçuba. A vida que ainda lhe sopra parece vigorar o corpo que já não é mais. Ou talvez não. Agora é que a árvore, já muito cheia de casca e tempo, é que tem a ensinar aos ventos e a quem lhe pede pouso para arquitetar um ninho.

Penso assim, não é justo comparar ninguém com ninguém. Cada um tem suas levezas e, também, seus rinocerontes no banheiro. Mas será que o tempo dos homens indignados desmilinguiu-se? E não há mais nada que lhe façam sair dos altares ou dos birôs para abrir portas de travessas e conversas.

Dom Edmílson veio. E seu corpo ali, presente, vivo, é um testemunho. E não acho que foi um homem perfeito durante seus 89 anos. Nem ele pensa assim nem dom Aloísio foi. Nem somos. Mas há no gesto do padre do Limoeiro uma disposição pela Cidade, por alguém, pela terra.

Não queria ser o reitor da UFC nem da Uece nem da Unifor na hora que souberam que os pés de dom Edmílson estavam tateando pela Engenheiro Santana Júnior e a guerrilha do Cocó. Nem queria ser o presidente da OAB e as comissões inoperantes do meio ambiente e dos direitos humanos. No que se transformaram!

Não era para vir defender os “pé de pau” sem importância, as castanholeiras de soins, o mato de rebolar tudo neles. Serem contra os viadutos, se tornaram inimigos dos burgomestres municipal e estadual. Não. A guerra já estava sobrando no asfalto antes da madrugada de quinta. Era se dispor, destemer perder cargos e vaidades, e contribuir com soluções. Esgotar as insanidades de um lado e outro.

Pois muito bem. Na minha vida já vão se passando (e foram rápidos) 46 anos. Não tenho mais disposição para ídolos nem culto à personalidade. Estamos na mesma terra e, daqui a pouco, seguimos no barco de Caronte. Mas tenho de querer bem ao bispo Edmilson, o último dos bispos. Um Francisco.

Foi lá na guerrilha do Cocó. Colocou seu corpo à disposição. Sabe o que está fazendo com o tempo que ainda lhe é presente. Ainda se importa com os outros e a terra que já lhe deu muito.

Está mais pra árvore do que pra bispo.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros Silva.

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