Estado tem pelo menos quatro grupos neonazistas

naziVera Araújo – O Globo

RIO — Há exatamente um mês, a prisão em Niterói de seis homens e uma mulher chamou a atenção para a existência de grupos até então desconhecidos no Rio: os de neonazistas. A maioria dos detidos vestia camisas de exaltação à ideologia, e alguns tinham tatuagens com o símbolo da suástica e a cabeça raspada, imitando os skinheads. A média de idade deles é de 30 anos: o mais velho tem 34 e há, ainda, um menor de 16. Eles trabalham em empregos de baixa remuneração e dois são universitários.

Os alvos do bando são nordestinos, negros e homossexuais. Por ironia, um dos acusados é alagoano e outro é filho e neto de negras, mas todos são contra as chamadas minorias. Numa analogia à Alemanha de Adolph Hitler, a grosso modo, os grupos enaltecem a raça pura. Há informações de pelo menos quatro deles atuando no estado: eles estão em Niterói e São Gonçalo, na Região dos Lagos, na Baixada Fluminense e até na capital. A Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) investiga se há crime por incitação ao preconceito.

Não há estatísticas que revelem exatamente quantas pessoas foram vítimas desses grupos, mas, de acordo com levantamento exclusivo solicitado pelo GLOBO à Polícia Civil, de 9 de fevereiro do ano passado até a última sexta-feira, foram registrados 386 casos só de homofobia no estado, praticamente um caso por dia. Desse total, 123 vítimas foram mulheres que denunciaram crimes de injúria, ameaça ou lesão corporal. A contagem só pôde ser feita porque a chefe de Polícia Civil, Martha Rocha, instaurou a portaria 574, criando um campo no registro de ocorrência para a inserção do termo homofobia, referente ao crime presumido. Também foi determinada a inclusão do nome social de travestis e transexuais no boletim. Mas, por enquanto, para crimes de racismo, não é possível fazer a mesma contagem, pois não há um espaço específico para esse tipo de anotação.

Habeas corpus negado pelo TJ
O crime de racismo, um dos delitos pelo qual responde o grupo de Niterói, é inafiançável. Os integrantes foram flagrados agredindo o potiguar Cirley Santos de Araújo, de 33 anos, por ironia, aos pés da estátua do índio Arariboia, em frente à estação das barcas do município, numa manhã de sábado. Eles continuam presos. Passaram quatro dias em Bangu 2 e, no momento, aguardam julgamento no presídio da Água Santa, depois de dois pedidos de habeas corpus negados pelo Tribunal de Justiça do Rio. Além dos crimes de racismo e formação de quadrilha, eles são réus em processo que corre na 1ª Vara Criminal de Niterói por lesão corporal leve e corrupção de menor. Apenas um deles, o estudante de gastronomia Caio Souza Prado, de 24 anos, tem antecedentes criminais por lesão corporal e injúria.

No passado, o desempregado Cirley foi amigo de um dos agressores, Tiago Borges Dias Pitta, de 32 anos. Mas, segundo a vítima, ao perceber a intolerância de Tiago a negros e gays, acabou se afastando. Em consequência disso, o nordestino conta que passou a ser perseguido. Ao reencontrá-lo no dia 27 de abril, foi xingado e agredido:

— Tiago gritou que eu era um nordestino de merda e me deu um soco na cara. Depois, falou “Heil Hitler” (saudação nazista que significa salve Hitler), erguendo um dos braços. Há três anos, ele já tinha me atacado com um canivete. Dessa vez, eles me pegaram de surpresa — disse Cirley, que, na agressão, teve a lente direita dos óculos escuros quebrada.

Material de propaganda nazista
A amizade entre Cirley e Tiago vinha desde 1999, embalada pelo rock de bandas heavy metal. Um frequentava a casa do outro, inclusive nos aniversários. A mudança de Tiago começou há cerca de sete anos, quando ele passou a enaltecer ideologias neonazistas.

— Ele dizia pertencer ao grupo White Power, poder branco. Há pelo menos uns quatro grupos desse tipo aqui no Rio — contou Cirley, que pesquisou as gangues.

No dia em que Tiago, Caio, Carlos Luís Bastos, de 34 anos; Davi Ribeiro de Morais, de 32; Philipe Ferreira Ferros de Lima, de 22; Jéssica Oliveira Charles Ribeiro, de 27; e um menor foram detidos, a polícia apreendeu farto material de propaganda nazista no carro de um deles. Havia cartazes, duas bandeiras com a suástica (símbolo do nazismo) e cartilhas com alusão a Hitler, além de quatro facas, bastões e um soco inglês. Os integrantes alegaram que estavam indo para um churrasco, mas a mãe de Davi, a dona de casa Iracema de Morais, de 60 anos, desconfia que o evento seria uma espécie de “iniciação” para a inclusão de novos adeptos ao neonazismo, incluindo o filho dela:

— Davi sempre foi sério e calado, mas trabalhador. Não bebe, não fuma. Nem palavrão ele fala. Ele não tem tatuagem pelo corpo, nem cabelo raspado. Não consigo entender o que aconteceu. Eu e a avó dele somos negras. Que preconceito é esse? Só posso atribuir isso à cabeça fraca dele, pois ele é facilmente influenciado. Só podem ser más companhias.

Davi trabalha como estoquista, ganha salário mínimo e cursa faculdade de fisioterapia. É pai de um menino de 7 anos. Recentemente, ele reclamou que teve a conta do Facebook cancelada.

— Eu perguntei por que isso aconteceu. Ele respondeu que havia escrito umas bobagens — disse sua mãe.

O pai dele, Durval de Morais, trabalha com população de rua e diz que vai resgatar o filho. Para os pais de Davi e de Philipe, o grupo se formou a partir de encontros em shows de rock. Depois de se conhecerem, os integrantes passaram a trocar mensagens racistas pelos sites de relacionamento.

— Ele é alagoano e filho de nordestinos. Meu bisavô era neto de escravos. É um menino calmo. Quer fazer faculdade de administração. Só pode ter sido o rock. Eu preferiria que ele tivesse morrido num acidente a passar por tudo isso. Estou vendendo até o carro para pagar o advogado — disse X., pai de Philipe, pedindo para não ser identificado.

As defesas dos réus dizem que todos têm emprego e endereço fixos. Tiago, que deu endereço errado à polícia, é administrador. Jéssica é telefonista e namorada do estudante M.P.B., de 16 anos. Morador da Zona Sul, Carlos ganha a vida como enfermeiro, enquanto Philipe é atendente.

Ataque em ônibus
Há cerca de um ano, o ativista de direitos humanos Felipe Gomes, de 32 anos, foi vítima de um grupo homofóbico — formado por dois homens e uma mulher — ao defender um cadeirante que embarcava num ônibus, em São Cristóvão:

— Eles começaram a gritar com o motorista e o deficiente físico por causa da demora. Eu perguntei: “será que vocês não veem que ninguém está isento disso?” Um dos homens me disse: “Você não é nem homem para se defender. É um veado, e ainda quer defender os outros”. Depois, me jogaram do ônibus em movimento.

Felipe disse que procurou a polícia, mas, na hora de identificar os agressores, foi desencorajado a denunciar, pois disseram que seria difícil chegar aos autores. O registro acabou não sendo feito.

Compartilhada por Margaret Pereira.

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