Nós, mulheres da AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras, expressamos nossa indignação e preocupação com mais uma escalada contra os direitos das populações atingidas por barragens no sudoeste paraense, e em particular os direitos das mulheres.
Foi publicado recentemente no Diário Oficial o decreto (n.º 7.957/2013) que altera as atribuições da Força Nacional de Segurança Pública, incluindo a criação da Companhia de Operações Ambientais. Segundo tal decreto ela terá por atribuições: apoiar ações de investigação e fiscalização de crimes ambientais, como também “prestar auxílio à realização de levantamentos e laudos técnicos sobre impactos ambientais negativos”, modificando assim o objetivo inicial de atuação em “situações excepcionais”. Ao mesmo tempo, foi realizada outra alteração no sentido de ampliar a permissão para o Poder Executivo nacional solicitar a atuação desta tropa, (e não somente como inicialmente determinado para Estados e Distrito Federal), quebrando em consequência o Pacto Federativo inicialmente previsto, como vem sendo denunciado por organizações sociais.
Com este novo instrumento em mãos do governo, o ministro das Minas e Energia, Edison Lobão solicitou rapidamente o envio dessa Força Nacional de Segurança para cumprir suas primeiras tarefas na região de construção da Usina Belo Monte a pedido do CCBM (Consórcio Construtor Belo Monte composto pelas empresas Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, OAS, Queiroz Galvão, Contern, Galvão Engenharia, Cetenco, J. Malucelli e Serveng) como também para atuar nos municípios de Itaituba e Jacareacanga, região onde se projeta a construção do Complexo de Usinas nos Rios Tapajós/Teles Pires, neste caso para supostamente “apoiar” o trabalho de técnicos da Eletronorte nos estudos de impacto ambiental.
Diante de tais acontecimentos, repudiamos em forma veemente o uso da Força Nacional de Segurança Pública em ambas as situações, pois se trata na verdade de manobras para coagir trabalhadores e moradores e proteger obras que vêm sendo resistidas pelos povos da região, incluindo populações urbanas, ribeirinhos, povos indígenas, camponeses, mulheres, ou seja, as populações que estão sendo afetadas e que lutam pelo direito a sua terra e a uma vida digna que tais obras lhes arrebatam e negam. As mulheres, trabalhadoras e gestoras do cotidiano doméstico, estão sendo fortemente impactadas e sustentando nas suas costas os efeitos da falta de políticas públicas (de moradia, de atendimento em saúde, de acesso à água e saneamento básico, etc.) como das diversas formas de violência que a situação lhes impõe (intimidações e violação de direitos, em especial das mulheres indígenas; expulsão das terras sem indenização, doenças, e especialmente depressão; aliciamento e tráfico de jovens e mulheres; aumento da violência sexual e estupros, etc.)
A isto devemos somar as denuncias e provas por utilização de espionagem por parte da ABIN – Agência Brasileira de Inteligência em apoio às empresas atuantes na construção de Belo Monte, de infiltração ao interior dos movimentos sociais na região (que agora também se repetem nos sindicatos e assembleias dos trabalhadores portuários) retomando métodos muito conhecidos na ditadura militar e que ameaçam o direito a livre organização dos sindicatos e dos movimentos sociais. A reação no caso dos portuários se fez ouvir rapidamente, entretanto nada aconteceu no caso da espionagem flagrada no Movimento Xingu Vivo, que precisa ser apurada e esclarecida.
O projeto de aproveitamento energético dos rios da Amazônia é proposta antiga, que vem dos tempos do nacional desenvolvimentismo autoritário promovido pela ditadura militar dos anos 60 – 70, mas que é hoje totalmente obsoleto e incompatível com as novas necessidades de um desenvolvimento com justiça social e ambiental. As barragens tem se transformado simplesmente em obras de interesse das construtoras, e formam parte da logística do modelo extrativista do agronegócio e da megamineração, ao serviço do capital especulativo nacional e transnacional e das grandes corporações, que se impõe inclusive ao custo da repressão e criminalização dos movimentos sociais e da militarização dos territórios.
Tal modelo concentrador de riquezas, que se apoia no consumo que sustenta a voracidade das empresas, precisa sua urgente transição para outro modelo produtivo, que priorize as necessidades das populações locais sobre os interesses expansionistas dos países já desenvolvidos ou inclusive dos chamados ”emergentes”, e que possa se apoiar no desenvolvimento regional, na ampliação de direitos e no aprofundamento democrático.
A imposição desse modelo de “progresso” ou “desenvolvimento” apoiado pelo governo da presidenta Dilma, nos indigna pela sua procedência, por vir de um governo popular que justamente está cobrando a cada dia um preço maior das populações, não só violando seus direitos como também acentuando as persistentes desigualdades sociais do país, e também as desigualdades de gênero. Assim, as lutas e resistências legítimas dos povos afetados por Belo Monte no Rio Xingu e o complexo do Rio Tapajós contam com o engajamento e a total solidariedade das mulheres da AMB.
Pela democratização do planejamento da matriz energética necessária ao país, e o fortalecimento das energias alternativas.
Pela transparência nas negociações e na atuação das empresas públicas envolvidas (BNDES, Eletronorte, Eletrobrás, etc.)
Pela suspensão das obras de Belo Monte até o cumprimento das condicionantes.
Pela garantia de participação real das populações que podem ser afetadas pelos projetos e de consulta aos povos indígenas.
XINGU e TAPAJÓS, Justiça Já.
Articulação de Mulheres Brasileiras
Abril de 2013