Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental
Antes de mais nada, deixo claro que foto acima não foi tirada por mim. A pessoa – que não quer que seu nome seja citado por motivos respeitáveis – escreveu, a respeito dela:
“Quando eu vi esta imagem de São Jorge, fiquei sem palavras. Pensei que poucas pessoas acreditariam se eu falasse o que vi. Decidi fotografar. O ‘dragão’ na verdade é um homem negro. Quando eu perguntei para a responsável pela igreja o porquê daquilo, ela disse: ‘é negro, mas é muçulmano. Então São Jorge devia matá-lo'”.
A foto foi tirada no altar de uma igreja do Amapá, no município de Mazagão. Mas o mais grave não é isso. A igreja em questão fica numa comunidade especial. Uma comunidade negra tradicional: o Quilombo de Mazagão Velho.
Acho que entendo plenamente o sentimento de impotência do fotógrafo ante a ingenuidade da explicação, ante a naturalização do racismo, resultante de cinco séculos de massacre ideológico: o Ogum cristão europeu, montado no seu cavalo branco de narinas tão claras quanto a pele de seu cavaleiro, mata o negro “coisa do mal”. “Coisa do mal”, no caso, representada como um muçulmano. Mas, no fundo, sendo tão negro, sem dúvida algo de demoníaco deveria nele haver, fosse lá como fosse…
Difícil de entender? Não. Basta lembrarmos do vídeo da experiência feita com crianças negras às quais são mostrados bonecos brancos e negros, à medida em que é aplicado um questionário: qual a boneca mais simpática? qual a mais bonita? qual a que é má? As reações são quase automáticas… Até que chega a pergunta mais dura: qual a que se parece com você? E só aí as respostas que saíam “objetiva e naturalmente” provocam nas crianças uma pausa, um incômodo… Porque até então elas também estavam vendo nas bonecas o “muçulmano”, o “outro negro” de alguma forma demonizado. E é com um sentimento que em muitas lembra ‘vergonha’ que elas respondem.
Como fazer para que a comunidade quilombola de Mazagão Velho destrua o seu São Jorge branco, com seu cavalo branco, matando o negro “muçulmano”? E, ao fazê-lo, reconheça e destrua igualmente o preconceito tão bem introjetado e “naturalizado”? Não sei responder, como nosso fotógrafo também não soube. Mas vale denunciar e refletir sobre tudo isso, nesta nossa “democracia racial” tão repugnantemente canalha.
Uma pequena correção: na verdade, a imagem em pauta não representa “São Jorge” mas certamente é uma representação de São Tiago; ou, como se diz em castelhano “Santiago Matamoros”. Na iconografia de São Tiago “Matamoros” tradicionalmente o “mouro” é negro. Francamente, não vejo nada de racista nesta iconografia mas parte de uma tradição quase milenar.
Bom texto. Vale uma boa reflexão sobre “religião e racismo”. Parabéns.