Agência Câmara de Notícias: a serviço da AGU 303, da PEC 215 e da bancada ruralista?

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

A notícia abaixo foi divulgada às 11:34 de hoje, bem no final da manhã, pela Agência Câmara de Notícias. Sua reprodução é autorizada desde que contenha a assinatura ‘Agência Câmara Notícias’, coisa normal e que sempre respeitamos. Desta vez, entretanto, optamos por respeitar isso de forma extremamente rigorosa, a começar já do título e seguindo até o final, onde ela aparecerá pela última vez, logo após o link (final e destacado) nela existente para a PEC 215, seguido dos nomes do repórter e da editora.

Por que todo esse exagero? Antes de mais nada, porque é de dinheiro público que estamos falando. Afinal, pagamos não só os salários, viagens (como esta) e mordomias dos senhores deputados, como os de seus assessores e funcionários. E isso se aplica igualmente aos funcionários da Câmara em si, inclusive os da sua Agência de Notícias. É pois, de servidores públicos pagos com o nosso dinheiro que estamos falando, nos diferentes níveis.

Como se isso não bastasse não se trata de servidores públicos quaisquer. A uns competiria teoricamente nos representar no Legislativo, respeitando as necessidades, as vontades e as opiniões da maioria da sociedade civil organizada, aquela que, mal ou bem, os elegeu. A outros – e me refiro aqui aos que trabalham na Agência Câmara de Notícias – caberia nos informar, honesta, imparcial e claramente, sobre o que acontece nessa parte do Legislativo. Com transparência e objetividade.

Por incrível que possa parecer às cabeças de uns ou de outros, esses jornalistas não estão lá para fazer publicidade ou propaganda para parlamentar, grupo ou partido. Isso cabe, no caso dos deputados, aos seus assessores pessoais, também por nós regiamente pagos. Quanto a grupos e partidos, esses mais que todos devem ter suas verbas específicas para pagar publicitários, agências de propaganda etc. No caso da Agência Câmara de Notícias, seus funcionários são pois contratados (teoricamente por concurso público) para prestar serviços a nós, contribuintes e eleitores.

Assim, se por exemplo um grupo de deputados de uma comissão qualquer, de diversificados partidos (como deveria ser), decide fazer uma viagem para verificar como anda determinada questão de interesse do bem público, é mais que importante que alguém da Agência Câmara de Notícias os acompanhe. Caberá a essa pessoa ser os nossos olhos e os nossos ouvidos, documentando tudo o que acontecer para nos relatar. Em alguns momentos, ela pode até mesmo ser também a nossa boca, buscando a opinião de algum eleitor ou de um grupo de cidadãos, se considerar isso válido e necessário.

Já li diversas notícias de qualidade escritas pela Agência Câmara de Notícias. Ultimamente, aliás, costumo me conectar a ela, via internet, nas tardes de quarta-feira, dia na qual a Comissão de Direitos Humanos e Minorias costumava se reunir, enquanto existia. E uso muitas das informações que ela veicula, sempre tendo o cuidado de citá-la como fonte. Por tudo isso minha irritação neste momento é ainda maior.

Já escrevi diversas vezes neste blog que há uma campanha orquestrada, neste País, contra povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, na disputa pelo território e sob a desculpa de ser necessário tirá-los do caminho para alcançarmos o desenvolvimento e o progresso. Ultimamente, entretanto, essa situação se exacerbou ao nível de um absurdo imoral. E ontem escrevi, inclusive, que a atual manipulação tem objetivo imediato: criar um cenário especial para o anunciado encontro dos 18 senadores ruralistas com o Presidente do STF, Ministro Joaquim Barbosa (Ruralistas orquestram campanha para manipular opinião pública e pressionar Joaquim Barbosa, Presidente do STF).

Considero a matéria abaixo, transcrita da Agência Câmara de Notícias, exatamente o contrário do que deveria ser por nós esperado. Se no seu início há ainda o cuidado de colocar nas bocas dos senhores deputados as falácias por eles ditas (nada mais justo, aliás, que atribuir ao emissor seu discurso), a partir de determinado ponto os pruridos desaparecem, e a matéria mostra claramente sua cara ruralista.

Todos sabemos que nas universidades há gente que às vezes produz sua tese de forma a levar os fatos a se adaptarem à hipótese investigada, com o cuidado de buscar alicerçar a desonestidade com apuds e citações. É parte do que chamo de delinquência acadêmica. Agora, no caso da viagem da comissão abaixo discriminada a Roraima e a Raposa Serra do Sol, não houve qualquer prurido, como a matéria explicita de cara, citando seu presidente: “o objetivo da viagem é mostrar à opinião pública que a demarcação foi um desastre e deveria servir de freio à onda de demarcações no restante do País”. E foi o que tentaram fazer, com a ajuda da Agência Câmara de Notícias.

Acho que chega! A “reportagem” está abaixo, com todos os detalhes. Apenas me permiti sublinhar alguns trechos. Vale lê-la, sem qualquer dúvida. Como vale acompanharmos todas as horas que nos separam da prometida audiência dos ruralistas no STF. E, acima de tudo, torcer para que eles não saiam de lá com a AGU 303 e as terras indígenas e quilombolas dentro do bolso, nos deixando na ingrata situação de sentirmos um pouco mais de vergonha por sermos brasileir@s.

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Comissão está na Raposa Serra do Sol para mostrar “desastre” da demarcação

Goergen: experiência em Roraima devia impedir novas demarcações. Arquivo / Saulo Cruz

Quatro anos após a expulsão dos agricultores da terra indígena Raposa Serra do Sol, uma comitiva de deputados da Comissão de Integração Nacional, do Desenvolvimento Regional e da Amazônia está em Roraima para verificar in loco a situação da reserva. Acompanhados de jornalistas, os deputados visitam hoje a área e se reúnem depois com representantes do Exército, da Funai, dos índios e dos produtores rurais expulsos.

A comitiva é liderada pelo presidente da comissão, deputado Jerônimo Goergen (PP-RS). Ele explica que o objetivo da viagem é mostrar à opinião pública que a demarcação foi um desastre e deveria servir de freio à onda de demarcações no restante do País. Goergen citou como exemplo o Rio Grande do Sul, onde, segundo ele, índios reinvidicam áreas que somam cerca de 100 mil hectares, hoje ocupadas por plantações de soja, no norte do estado.

As novas demarcações, segundo ele, são feitas com base em laudos fraudados por antropólogos e servem aos interesses de brancos que querem explorar ilegalmente as áreas indígenas, por meio de arrendamentos (que são proibidos pela Constituição) disfarçados de parcerias.

O deputado afirmou que a Amazônia hoje já está tomada por áreas indígenas, por isso a “indústria das demarcações se voltou para o Centro-Oeste e o Sul”. Segundo ele, atualmente 1/3 das terras agricultáveis no Brasil está demarcada ou em processo de demarcação, por terem sido consideradas terras indígenas ou quilombolas.

Indenizações

O deputado Marcio Junqueira (DEM-RR), que integra a comitiva, afirmou que 530 famílias foram expulsas da reserva Raposa Serra do Sol e a maioria foi deixada sem assistência pelo governo federal. Os agricultores não tiveram direito a indenização pelas terras, apenas pelas benfeitorias.

Segundo o Junqueira, os valores das indenizações foram insuficientes para que os produtores recomeçassem a vida em outro lugar. Havia no local da reserva 26 mil hectares de plantações de arroz irrigado, que tiveram de ser deixadas pelos agricultores. A produção era de 160 mil toneladas por ano. Com a desocupação, a produção acabou. Os índios plantam outras culturas, mas reclamam que não podem vender o excedente por falta de estradas. Muitos indígenas foram morar em favelas de Rio Branco, porque eram casados com não índios, que foram obrigados a deixar a reserva. “A Raposa tem que ser um marco na história das demarcações, para que isso não se repita mais”, disse.

O processo

Os deputados não esperam reverter a desocupação, que foi determinada em março de 2009 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Eles estão fazendo uma campanha para que o STF conclua o julgamento, dando uma decisão para os embargos declaratórios, que buscam esclarecer o alcance de determinados pontos da sentença.

Quando o julgamento for concluído, entrará em vigor a portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU), que estende as regras definidas pelo STF no caso da Raposa Serra do Sol para todas as áreas indígenas do País. Um dos pontos da decisão é que fica proibida a ampliação das reservas atualmente existentes. Índios de dezenas de etnias estão fazendo campanha para a revogação da portaria.

Homologada em 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Raposa Serra do Sol fica na fronteira com a Venezuela e a Guiana é habitada por mais de 18 mil índios de cinco diferentes etnias. A área da reserva equivale a 11 vezes a cidade de São Paulo.

Também integram a comitiva os deputados Marcelo Castro (PMDB-PI), Paulo Cesar Quartiero (DEM-RR) e Raul Lima (PSD-RR).

Íntegra da proposta:

Reportagem – Wilson Silveira, enviado especial a Boa Vista
Edição – Natalia Doederlein
A reprodução das notícias é autorizada desde que contenha a assinatura ‘Agência Câmara Notícias

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