Abril Indígena em Rondônia e Mato Grosso foca nos direitos constitucionais indígenas

CIMI – Entre os dias 09 e 11 de abril, com o tema “O grito dos povos indígenas pela garantia dos direitos constitucionais”, foi realizado o Abril Indígena Regional, em Porto Velho (RO). Sessenta participantes representaram os povos Aikanã, Arara, Gavião, Karitiana, Kanoé, Latundê, Mamaindê, Kwaza, Wayoro, Puruborá, Sakyrabiar, Guarassugwe, Sabanê, Oro Waram, Oro Mon e Zoró, que vivem em Rondônia e no noroeste do Mato Grosso. Representantes do CIMI, da Pastoral Indigenista de Ji-Paraná, do Conselho de Missão entre os Índios (Comin), do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e do Instituto Madeira Vivo (IMV) também participaram do evento, que aconteceu no Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado de Rondônia (Sintero).

Os principais temas discutidos foram os impactos diretos do atual modelo de desenvolvimento nos povos e territórios indígenas, materializados, principalmente, nos mega projetos de infraestrutura, e as proposições legislativas que, atualmente, tramitam no Congresso Nacional, e propõem a retirada de uma série de direitos indígenas historicamente conquistados.

A saúde, a educação, o próprio movimento de resistência indígena e a demarcação de terras foram outros temas amplamente debatidos pelos participantes no evento. O documento final produzido no encontro expõe as “angústias, preocupações e violências ainda vivenciadas diariamente” por essas comunidades tradicionais, além de apresentar as principais demandas e posicionamentos desses povos.

Leia abaixo o documento final do Abril Indígena Regional (RO e noroeste do MT):

Carta Final do Abril Indígena Regional (Rondônia e noroeste do Mato Grosso) 2013

Nós, povos indígenas Karitiana, Gavião, Arara, Zoró, Oro Mon, Oro Waram, Canoé, Mamaindê, Aikanã, Latundê, Sabanê, Puruborá, Sakirabiat, Wajuru, Cassupá, Guarassungwê e Kwazá, oriundos de Rondônia e do noroeste do Mato Grosso, reunidos no “Abril Indígena”  Regional, de 8 a 11 de abril de 2013, com o tema “O grito dos povos indígenas pela garantia dos direitos constitucionais”, na sede do  Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintero), em Porto Velho, discutindo, avaliando e refletindo sobre os problemas que nos atingem, expomos nossas angústias, preocupações e violências ainda vivenciadas diariamente por nossas comunidades  e territórios tradicionais, no que se refere:

Saúde

01- Constatamos, mais uma vez, que a falta de um atendimento diferenciado tem provocado a morte de muitas crianças, gestantes e idosos, que são os mais vulneráveis e as vítimas deste atendimento.

02- Muitos pacientes do interior são transferidos para Porto Velho para atendimento mais especializado, mas são impedidos de trazerem acompanhantes. O caso fica mais dramático quando isso ocorre com mulheres que não sabem falar o português. Elas ficam desesperadas e se sentem abandonadas.

03- Continua a demora do atendimento nos hospitais. Isso tem provocado o óbito de muitos parentes.

04- Pacientes que necessitam de tratamento especializado, dentro e fora do estado, estão morrendo à míngua porque seus encaminhamentos não são priorizados.

05- As estruturas das Casas de Saúde Indígena (Casai) são precárias. Faltam equipe médica, medicamentos, equipamentos e formação específica dos profissionais envolvidos. Também faltam medicamentos básicos nos postos de saúde das aldeias. Algumas aldeias ficam muito distantes e são de difícil acesso. Por isso, não é possível, pelo menos nesses casos, exigir receita médica para o fornecimento de medicamentos para uma simples dor de cabeça ou diarréia.

06- Que o estado de Rondônia contemple, em seu orçamento, recursos para o atendimento à saúde indígena; que a SESAI firme convênio com o estado para o atendimento especializado e de alta complexidade a pacientes indígenas.

07- O Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) de Porto Velho terceirizou os serviços de transporte. Com isso, alega aos pacientes indígenas que o transporte não é mais de sua responsabilidade e que qualquer reclamação deve ser feita à empresa contratada.

         A atual empresa responsável por esse serviço tem estabelecido regras para o transporte de pacientes incompatíveis com as demandas indígenas e com a realidade amazônica. Citamos, por exemplo, que os motoristas encerram seu horário de trabalho às 17 horas. Depois disso não buscam mais pacientes nas aldeias. Não existe motorista de plantão à noite, nem no fim de semana. Nos finais de semana e feriados, muitas vezes, os bombeiros são acionados para fazerem esse transporte, inclusive no trajeto Casai-hospital. Os motoristas são impedidos de transportar outros pacientes no trajeto aldeia-Casai que não sejam aqueles determinados pela direção da Casai. Também são impedidos de atravessar pontes, bueiros e lugares de difícil acesso que ponham em risco o veículo da empresa, preferindo pôr em risco a vida do paciente indígena. Exigimos a imediata rescisão desse contrato com esta empresa e entendemos que o DSEI é sim o responsável pelo transporte de pacientes indígenas.

08- Manifestamos nossa preocupação com relação à nossa participação na 5ª Conferência de Saúde Indígena, por não estarmos sendo informados sobre a sua condução, nem mesmo em nível local e estadual.

Educação

01. Exigimos a imediata implementação da Lei 578/10 que criou o cargo de magistério público indígena e quadro administrativo, notadamente no que se refere ao concurso público para esses cargos e às nomeações previstas nos artigos 41 e 42 desta Lei.

02- Queremos a participação efetiva de representantes indígenas na comissão de elaboração do referido concurso público, sob pena dele não atender todas as especificidades das diferentes realidades indígenas.

03- Que haja participação ativa dos povos indígenas na política de educação escolar indígena, na gestão das ações e no controle social.

04. Criação e instalação do Conselho de Educação Escolar Indígena de Rondônia, com participação indígena desde à  concepção desse Conselho.

05. Criação de uma Gerência de Educação Escolar Indígena para garantir, de fato e de direito, uma educação escolar específica e diferenciada, segundo os princípios aprovados pelo MEC.

06. Regularização das Escolas Indígenas, considerando suas especificidades.

07. Implantação do Projeto do Sexto ao Nono ano e Ensino Médio em todas as Escolas Indígenas.

08. Agilidade na construção de escolas indígenas adaptadas à realidade local, com estrutura física que garanta seu bom funcionamento.

09.  Garantir o atendimento pedagógico nas Escolas Indígenas.

 10- Retomada imediata do curso AÇAI II, sob pena de inviabilizar a formação dos professores no curso de magistério indígena.

11- Que a Universidade de Rondônia (Unir) assegure o cumprimento da Lei 12.711/12 referente ao ingresso de estudantes indígenas na educação superior pública de Rondônia.

Terra

 1- Reconhecimento do povo indígena Guarassungwê, da região de Pimenteiras (RO).

2- Revisão dos limites da TI Zoró para incorporar suas terras tradicionais, que ficaram fora dos atuais limites.

3- Revisão dos limites da TI Igarapé Lourdes para incorporar as terras tradicionais do Gavião e do Arara, que ficaram fora dos atuais limites;

04- Conclusão imediata do GT de revisão dos limites da TI Karitiana

05- Continuação do GT de revisão dos limites da TI Kaxarari.

06- Demarcação das TIs: Cassupá, Salamãi e Aikanã (Chupinguaia), Kwazá (Parecis), Djeoromitxi, na região de Figueiras, Aruá, Makurap, Tupari, Kampé, Arikapu, Canoé e Djahoi, todos no município de Alta Floresta, Pirineu de Souza (Casa de Rondon – Vilhena) e Comodoro- MT). Imediata demarcação das TIs Puruborá (município de Seringueiras), Migueleno (município de São Francisco), Wajuru (Porto Rolim, Alta Floresta), Cujubim (Costa Marques e Guajará Mirim) Mamaindê, Tawandê e Idalamarê (Comodoro MT).

07- Imediata interdição e demarcação das terras dos povos indígenas livres (sem contato voluntário).

08- Revisão de limites da TI Vale do Guaporé, município de Comodoro (MT), para incorporar a região da Lagoa dos Brincos, onde está localizada a Fazenda Maringá, mas que é área tradicional do povo Mamaindê.

09- Retirada dos invasores e conclusão da regularização da TI Rio Negro Ocaia.

10- Conclusão das revisões de limites das TIs Pacaas Novos, Igarapé Lage e Ribeirão.

Grandes Projetos do PAC

01. Todos os grandes empreendimentos em execução e os previstos para esta região atingem de uma ou outra forma nossos territórios indígenas. Esse modelo de desenvolvimento adotado pelo atual governo não respeita as populações tradicionais e o meio ambiente. Estamos vendo nossas terras ou o seu entorno sendo invadidos por PCHs, hidrelétricas, estradas. Nossos direitos constitucionais não estão sendo respeitados, em nome de um suposto progresso que só beneficia grandes grupos econômicos, que atentam contra a nossa integridade física e cultural e afetam nossa dignidade humana.

Citamos como exemplo de violência que nossos povos e territórios estão sofrendo:

1- As Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH), construídas ao longo da bacia do Rio Branco, vem há décadas afetando 10 povos indígenas que vivem na TI Rio Branco, no município de Alta Floresta do Oeste. A PCH Cascata, no Rio Pimenta Bueno, atinge a TI Tubarão Latundê, em Chupinguaia, construída em cima de três cemitérios antigos e afeta o território tradicional dos Aikanã, Cassupá, Salamãi, Massacá e Kwazá.

02- As hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio atingem os povos Karitiana, Uru-Eu Wau Wau, Kassupá, Karipuna, Kaxarari e os povos da região de Guajará-Mirim e Nova Mamoré. Repudiamos que toda pactuação para a reparação ou compensação de danos causados por essas obras estejam sendo feitas diretamente com a Funai, sem  a participação dos povos indígenas afetados.

03-Nessa região há presença de indígenas isolados, reconhecidos pela Funai, que podem estar sendo exterminados. Responsabilizamos a Funai, a União, os governos federal e estadual e as empresas responsáveis por esses empreendimentos por um eventual genocídio desses povos isolados. Nenhuma medida de mitigação ou compensação diminui os prejuízos que já temos e que ainda teremos com esses empreendimentos.

04- Nosso repúdio contra a possível construção da Hidrelétrica de Tabajara, no Rio Machado, que atingirá os povos Tenharin e Diahoi, povos isolados daquela região, Arara e Gavião da TI Igarapé Lourdes, além de outras populações tradicionais e Unidades de Conservação. Já fomos contra a construção dessa hidrelétrica no passado e continuaremos não permitindo mais essa violência contra nossos direitos.

05- De igual forma, nosso repúdio à possível construção da Hidrelétrica Ribeirão, em Guajará- Mirim. Os povos indígenas daquela região já estão sendo afetados pela Hidrelétrica de Jirau. Agora o governo planeja mais uma hidrelétrica que alagará boa parte das Terras Indígenas daquela região.

06- Sabemos que estradas estão sendo projetadas, a exemplo da BR 080 e BR 421, para o escoamento da produção dos grandes agropecuaristas. Não admitiremos que essas estradas passem nas Terras Indígenas ou no seu entorno, legalmente protegidos, para beneficiar esses grandes fazendeiros, em detrimento de nossos direitos constitucionalmente garantidos.

07- Não permitiremos que outras grandes obras, como as hidrovias e a ferrovia transcontinental, afetem, de uma ou outra forma,  nossos territórios. Estamos cansados de ver nossos territórios e seus entornos serem invadidos por esses empreendimentos que só nos causam prejuízos de toda natureza.

Projetos Legislativos no Congresso Nacional

Como se não bastassem todos esses empreendimentos em execução ou projetados para essa região, que afetam nossos territórios, o Congresso Nacional, através de sua bancada ruralista e evangélica, tem proposto uma série de Propostas de Emenda Constitucional (PEC) e Projetos de Lei ( PL) que rasgam nossos direitos garantidos na Constituição Federal de 1988, que nos desrespeitam como seres humanos, que ferem nossos territórios sagrados e que afrontam a nossa dignidade humana.

Citamos alguns desses projetos:

PEC/215/2000 transfere para o Congresso Nacional a competência para demarcar Terras Indígenas; e as que ainda não tiveram seu processo demarcatório concluído também devem passar pela aprovação do Congresso Nacional. Sabemos que se essa competência for transferida do Executivo para o Legislativo dificilmente teremos novas Terras Indígenas demarcadas.

PEC 237/13 permite a posse de Terras Indígenas por produtores rurais, através de concessão da União. Mais uma vez o agronegócio quer, de toda forma, diminuir nossos direitos e tomar posse de nossas terras, desta vez de forma legalizada.

PL 1610/96 regulamenta a mineração em Terras Indígenas. Nós, povos indígenas, só aceitamos discutir essa regulamentação dentro do PL Estatuto dos Povos Indígenas, conforme proposta pela Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI).

Portaria 303/12, da Advocacia Geral da União, interpreta de forma abrangente, errônea e arbitrária as condicionantes estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, estendendo a aplicação dessas condicionantes a todas as Terras Indígenas.

Repudiamos a edição do Decreto 7957/13, por usar a Força Nacional para reprimir, massacrar e forçar as pesquisas em Terras Indígenas.

Existem ainda outras afrontas, como a PEC 38/99, a Portaria MJ 2498/11, a Portaria Interministerial 419/11, entre outras, que reduzem nossos direitos.

 Diante de todo o exposto, renovamos nossa indignação e nossos protestos e exigimos respeito aos nossos direitos tão duramente conquistados na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da OIT e, hoje, ameaçados por aqueles que só sabem explorar as riquezas e os povos do nosso país.

Porto Velho, 11 de abril de 2013

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