“Quero agradecer primeiramente a nhanderu ete nhande xy ete, pela oportunidade de poder estar aqui. Agradeço à casa e aos excelentíssimos deputados aqui presente por abrir as portas para ouvir nossas palavras e os nossos argumentos sobre a situação que estamos vivendo no momento decorrente do processo de demarcação de nossa terra.
Sou Paraí, cacique da TI Morro dos Cavalos /Itaty, localizada no município de Palhoça, nesse estado, com uma superfície de 1988 hectares, que conta atualmente com uma população de 39 famílias e mais de 200 pessoas do povo Guarani.
Primeiramente quero trazer ao conhecimento e denunciar aos senhores os ataques que a comunidade indígena vem sofrendo por conta do processo demarcatório de nossa terra. No momento que o processo de demarcação encontra-se em sua fase final, em que, finalmente, poderemos ocupar a terra deixada por nossos avós, estamos sendo alvos de inúmeros ataques de racismo e preconceitos. São pessoas e instituição que dizem representar os moradores da região da Enseada do Brito que colocam em questão nossa identidade indígena, nosso direito sobre terra e a nossa relação com o meio ambiente. Criam fantasias na cabeça das pessoas dizendo que vamos cortar a água, que a terra vai ser ocupada por pessoas vindas de outros países, que somos contra a duplicação da BR 101.
Entendemos as mentiras e calúnias dentro de um processo de desespero de algumas pessoas que sempre lutaram contra a demarcação de nossa terra, porém, essas mentiras estão se traduzindo em violência concreta. No mês de fevereiro a mangueira de água que abastece nossa comunidade foi cortada em 38 pedaços; ameaçaram atear fogo nas nossas casas. Enfim, nossa comunidade não dorme mais sossegada.
A demarcação de nossa terra é uma luta de muitos anos de nossa comunidade. Não é presente da Funai, não é ação de ONGs, mas é resultado de pressões e mobilizações de nossa comunidade apoiada por nosso povo Guarani e de muitos outros povos indígenas.
Em 1993 – ou seja, há exatos 20 anos – a Funai iniciou os estudos para demarcação de nossa terra. No entanto, na época o estudo não levou em consideração nosso modo de vida; queriam demarcar apenas 121 hectares de morro. Nós dissemos não! Não aceitamos, porque não teríamos lugar pra viver, pra plantar e construir nossas casas.
Em 2002 novos estudos foram realizados, desta vez sim, com nossa participação, conforme estabelece a lei brasileira. os estudos concluíram pela demarcação de 1.988 hectares. Assim que o estudo foi publicado no Diário Oficial da União uma ampla campanha contra a demarcação foi iniciada. O contraditório (estabelecido no decreto 1775/96) que deveria levar 6 meses demorou quase 6 anos. Foram as mais diversas manifestações contrárias, desde moradores da região, Governo do Estado, Fatma, Procuradoria do Estado, Procuradoria Temática do Parque do Tabuleiro. Enfim, quem era contra a demarcação teve direito a ampla defesa.
Finalmente o ministro da justiça reconheceu que era de direito da comunidade indígena e assinou a portaria declaratória em 18 de abril de 2008.
Então, senhores deputados, não se pode dizer que não houve debates sobre a demarcação, que pessoas desconheciam o processo, que tudo ocorreu na surdina. Não…, foi bastante debatido, inclusive com audiência pública aqui nessa mesma casa, nesse mesmo ambiente, em, 10 de novembro de 2005.
Após esse processo houve a demarcação física, também processo moroso, mas finalmente, depois de 20 anos de luta com uma participação incansável da comunidade indígena guarani, chegamos até aqui.
O que buscamos no momento é a continuidade do processo que ocorreu sempre dentro da lei. Esperamos que o pagamento das benfeitorias aos moradores não indígenas também ocorra tudo conforme estabelece a lei, pra que ninguém saia prejudicado. E já estamos elaborando nosso plano de manejo para que possamos ocupar nossa terra, respeitar o meio ambiente e conviver em harmonia com os moradores daquela região, de Santa Catarina e do Brasil.
Queremos lembrar aos senhores deputados que aquela região era declarada, desde 1975, como Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, ou seja, aqueles moradores que hoje estão sendo indenizados pela Funai em suas benfeitorias, já deveriam ter sido indenizados, já deveriam ter sido reassentados em outros espaços.
Queremos também lembrar as senhores deputados/as que não somos e nunca fomos contra a duplicação da BR 101; queremos apenas que a duplicação ocorra por tuneis, por ser menos agressiva ao meio ambiente, por trazer menos impacto as pessoas e a nossa comunidade e por ser mais econômica, segundo informou o TCU. Por isso nesse momento queremos pedir aos senhores deputados que nos ajudem a interceder junto ao Ibama e DNIT pra que a obra seja feita o mais rápido possível, pra que não sejamos mais acusados de atrapalhar a construção da estrada. Essas acusações nos machucam, porque são mentiras, mas não temos meios para informar a população e os senhores podem nos ajudar com essa tarefa.
Por fim, queremos pedir apoio aos senhores deputados pra que auxiliem nos processo de devolução das terras aos povos indígenas em Santa Catarina auxiliando na regulamentação do artigo 148a da constituição estadual que estabelece a possibilidade de pagamento pela terra aos ocupantes não indígenas das terras indígenas. Certamente os processos de demarcação serão menos dolorosos a aqueles que terão que desocupar a terra.
São essas as informações que tínhamos no momento. Queremos agradecer pela atenção e aproveitamos a oportunidade para convidar os senhores deputados e as senhoras deputadas para participar de nossa semana cultural que será realizada entre os dias 19 a 26 de abril de 2013 em nossa terra indígena”.
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Enviado por Osmarina de Oliveira para Combate Racismo Ambiental.