Os pesquisadores e pensadores signatários deste documento vêm, há mais de uma década, realizando rigorosas pesquisas que evidenciam, à exaustão, enorme volume e diversidade de situações empíricas em que populações, comunidades tradicionais, povos indígenas e classes populares em geral têm seus direitos ambientais, culturais, territoriais e humanos flagrantemente violados. Invariavelmente, os agentes dessa violação são os responsáveis pelos empreendimentos privados orientados para a acumulação de capital, tais como aqueles investidos no mercado imobiliário, na incineração de resíduos tóxicos, na produção de commodities agrícolas e minerais, na apropriação de recursos hídricos para geração de energia elétrica, para a pesca comercial, para o turismo elitizado, para os monocultivos irrigados etc.
Nesses processos, as práticas governamentais do Estado, orientadas por uma ideologia desenvolvimentista, gestada de modo prevalente no período dos governos autoritários do Brasil, têm desempenhado papel essencial, geralmente postando-se ao lado dos interesses predatórios e expropriadores do capital. As formas pelas quais o Estado, segundo esta perspectiva de governança, realiza esse papel são várias: por meio da concessão de licenciamentos ambientais, não raro mediante a desconsideração de pareceres técnicos e dos protestos das populações vilipendiadas; investindo recursos públicos na implementação ou rentabilidade de grandes projetos de infraestrutura (como estradas, ferrovias, portos, transposição de rios etc.); a criação de Unidades de Conservação e Proteção Integral, que expropriam populações locais; o uso da força das armas para realizar o deslocamento compulsório de populações urbanas (como nos violentos processos de “reintegração de posse” de terrenos urbanos ociosos, ocupados por populações de sem-teto, ou como na realização das obras de transposição do rio São Francisco etc.).
Outro aspecto importante da modernidade anômala que as frações do Estado teimam em reforçar, em suas políticas/programas equivocados/insuficientes, tem sido a naturalização do desbalanço dos direitos territoriais dos diferentes grupos sociais, o que enseja a desproteção continua dos lugares mais ameaçados, no campo e nas cidades, e redunda em expô-los a desastres recorrentes e cada vez mais catastróficos. O sofrimento social dos grupos mais ameaçados e efetivamente afetados nos desastres – no geral, com destaque aos empobrecidos da sociedade – se amplia quando há a associação das perdas humanas e materiais havidas à desumanização dos processos ditos “de remoção”, isto é, quando os lugares em contestação pelo ente público são ressignificados como “áreas de risco”, justificando com tal discurso a expulsão sumária de seus moradores e relegando-os a um futuro incerto. (mais…)
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