A violência invisível contra transgêneros

Por Dee Borego*, do Open Democracy**

O dia 20 de novembro é tão irrelevante quanto qualquer outro dia para a maioria das pessoas, mas para a comunidade transgênera é um dia solene de luto e de se juntar para lembrar de nossos parentes assassinados. A cada ano, com a proximidade da data, me encho de um sentimento de perda. Desde 1999, 20 de novembro marca o Dia Internacional de Recordação dos Transgêneros, e começou após o assassinato macabro de uma mulher transgênera afro-americana chamada Rita Hester, em Boston.

Rita foi esfaqueada até a morte em seu próprio apartamento em 28 de novembro de 1998 e seu homicídio continua sem solução. Sua morte veio apenas algumas semanas após o assassinato de Matthew Shepard, em Wyoming, ter despertado um debate nacional sobre os crimes de ódio contra os homossexuais, mas o assassinato de Rita não recebeu tal resposta do público. Seu assassinato e a falta de atenção da mídia para a sua morte levaram uma vigília à luz de velas a começar em São Francisco no ano seguinte.

Ele também alimentou a criação de um projeto na web intitulado “Remembering Our Dead” (Recordando Nossos Mortos, em tradução livre), que conta a história de pessoas transgênero de todo o mundo que foram assassinadas por preconceito e ódio. Sua lista remonta à década de 1970 e documenta as perdas que a nossa comunidade sentiu durante muitos anos de maus tratos e marginalização.

Eu poderia dizer que a lista não cresce a cada dia que passa. Mas eu estaria mentindo. Em todo o mundo, as pessoas transgêneras são assassinadas a taxas que são surpreendentes quando comparadas aos seus contemporâneos. Embora os dados sejam limitados na melhor das hipóteses, tem havido algum esforço nos últimos anos para registrar e analisar a violência transfóbica em todo o mundo.

Um grupo que está levando essa carga é o Trans Murder Monitoring Project (Projeto de Monitoramento de Assassinato de Trans, em tradução livre), que começou através de uma cooperação entre o Transgender Europe e a revista acadêmica on-line Liminalis, em 2009. Seus últimos dados, de março de 2012, registram mais de 800 assassinatos de pessoas transgêneras em todo o mundo durante os últimos quatro anos em 55 países. A parte mais assustadora desse número é que, segundo os realizadores do projeto admitiram, o estudo “só pode fornecer um vislumbre de uma realidade que é, sem dúvida, muito pior do que os números sugerem”.

Parte do desafio em encontrar os dados estatísticos para estas atrocidades é que há um certo número de detalhes técnicos burocráticos e complicações que tornam extremamente difícil determinar os valores exatos. Pessoas trans nem sempre são capazes de alcançar o reconhecimento legal de sua identidade, nem a mídia nos retrata como realmente somos na maioria dos casos. Assim, nossas vidas e nossas mortes são muitas vezes deturpadas por agências governamentais, sociais e na mídia. Isso significa que informações precisas e dados são difíceis de encontrar, e um bem precioso quando encontrados.

Simplificando, a razão pela qual há tão poucos dados é que as formas pelas quais os dados são coletados não fazem concessões para as pessoas transgêneras. Isto significa que na coleta de informações de um indivíduo para um censo, por exemplo, ou para a papelada relacionada a doenças como o HIV / AIDS, hepatite, tuberculose, etc, não há nenhuma maneira de mostrar que alguém se identifica como transgênero. Há quase sempre apenas duas opções dadas – masculino e feminino – com nenhuma forma de indicar qualquer coisa que não seja o sistema binário de gênero difundido na sociedade ocidental. Isto pode ter efeitos enormes sobre a sua saúde, devido à falta de compreensão e sensibilização para as questões que as pessoas transgêneras enfrentam e a subsequente falta de informações, serviços e apoio à sua disposição.

O Center of Excellence for Transgender Health (Centro de Excelência para a Saúde de Transgêneros) sugere a implementação de sistemas de coleta de dados de saúde que reflitam mais precisamente tanto a identidade de gênero atual de uma pessoa – em todas as suas glórias formas e encarnações – como a mais tradicional designação masculina/feminina dada no nascimento. Esta metodologia sugerida pode ser radical para alguns, embora sua introdução pudesse dar ao mundo uma melhor ideia quanto a quem a comunidade transgênera realmente é, alimentando mais da história de gênero de cada indivíduo nossos dados. Houve algum progresso notável no entanto, à medida que países como Nepal e Austrália reconhecem oficialmente transgênero como uma terceira identidade.

No entanto, para o resto do mundo, a situação de dados é ainda mais complicada por uma crise de identidade jurídica, que impede a maioria das tentativas de encontrar até mesmo uma contagem exata da comunidade transgênero como um todo.

O National Center for Transgender Equality (Centro Nacional para a Igualdade Transgênera) estima que entre 0,25% e 1% da população dos EUA é transgênera, apesar de ninguém poder dizer ao certo quantas pessoas transgêneras existem em todo o mundo, nem todos os seus assassinatos poderão ser devidamente documentados pelos gravadores, apesar de seus melhores esforços.

A triste verdade é que as pessoas transgêneras continuarão a ser perseguidas e assassinadas por serem elas mesmas. Nossas vidas são consideradas menos dignas pelo mainstream em muitos lugares, e nossos assassinatos ignorados como se não fossem grandes perdas. Mas ainda somos seres humanos, e nossas mortes não são menos importantes do que a de qualquer outro ser humano.

Todos os anos, durante a semana de 20 de novembro, há vigílias à luz de velas e memoriais em todo o mundo. Fazemos isto para honrar e valorizar a memória de nossos irmãos e irmãs perdidos do mundo inteiro. A lista deste ano representa quase 40 vidas encurtadas pela intolerância, então eu espero que você tire um momento para se lembrar deles, e insisto que vocês se unam à luta contra a transfobia, violência e discriminação.

*Dee Borrego é uma mulher transgênera de 28 anos, HIV positiva, que atualmente vive em Boston, Massachussets. Ela é uma ativista, blogueira, poliglota e líder comunitária. Foi membro fundador da US Positive Women’s Network (Rede de Mulheres Positivas dos Estados Unidos) em 2008, e atualmente atua em seu Comitê Gestor. Dee foi recentemente eleita para o Conselho de Administração da Global Network of People Living with HIV, North America (Rede Global de Pessoas Vivendo com HIV, América do Norte).

**Traduzido por Isis Reis, do Canal Ibase

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