Sérgio Botton Barcellos*
A partir dessa breve exposição de alguns elementos propõe-se provocar o debate sobre as políticas públicas, a questão da juventude rural e as condições de vida no meio rural e os desafios postos para essas questões no próximo ano. Sob essa perspectiva, em relação à realidade da juventude rural em nosso país, evidencia-se que ainda continua sendo uma experiência árdua para muitas/os ser jovem no meio rural brasileiro, por mais que se tenha avanços na superação das condições de extrema pobreza e na melhoria dos setores da educação, cultura, esporte e mercado de trabalho. Destaca-se que para reconhecer avanços e o quanto ainda é necessário avançar, acredita-se que não é preciso despolitizar ou velar os debates sobre a realidade que ainda vivemos.
A emergência dos grupos que se reconhecem como juventude rural junto às organizações e movimentos sociais, por meio de reivindicações, processos de mobilização e da representação política, tanto no âmbito governamental, como não-governamental, além de por em evidência esse grupo social e esse debate para o conjunto da sociedade, abriu oportunidades e espaços de atuação política (CASTRO, 2005). Cabe destacar que atualmente a questão da juventude no meio rural brasileiro remete a vivência em um espaço socialmente desigual com a falta de acesso a bens e serviços e tensionados de forma geral por questões como a expansão indiscriminada do agronegócio e a perpetuação do latifúndio.
Em referência ao exposto, demograficamente está ocorrendo uma inegável diminuição da porcentagem de jovens e de adultos que vivem nas áreas rurais nas últimas décadas. Há em torno de 51 milhões de jovens entre 15 e 29 anos no Brasil, sendo que 43.280.019 vivem nas cidades e 8.060.454 no meio rural, representando mais de um quarto da população total brasileira. Esses números se somam ao que se chama bônus demográfico, no qual vivemos ainda um período com a maior População Economicamente Ativa (PEA) e a mais jovem da nossa história (IBGE, 2010). No que tange questões como o êxodo e a sucessão rural no Brasil a população rural no ano 2000 era de 31.835.143 habitantes dos quais cerca de 9 milhões eram de faixa etária jovem.
Em 2010 havia 29.830.007 habitantes com 8 milhões de jovens (IBGE, 2010). Contudo, cabe uma discussão mais aprofundada sobre isso em outro momento, pois segundo os dados do PNAD (2011), recentemente divulgados, estimou-se que no ano de 2011 apenas cerca de 7 milhões de pessoas entre 15 a 29 anos estavam residindo no meio rural, sendo a maioria composta por homens.
Evidencia-se que cerca de 2 milhões de pessoas deixaram o meio rural nos últimos anos (2000-2010), sendo que 1 milhão da população que emigra estão situados em outros grupos etários (crianças, adultos e idosos) e cerca de 1 milhão são pessoas em idade considerada jovem, isto é, metade da emigração do campo para a cidade é do grupo social etário considerado jovem. Segundo o PNAD (2011) das cerca de 8 milhões de famílias que residem no meio rural, 6,5 milhões sobrevive com até 3 salários mínimos e apenas 147mil famílias sobrevivem com uma renda de mais de 10 salários mínimos e até mais de 20 salários. Trata-se apenas de um dos demonstrativos da desigualdade social que ainda temos no meio rural brasileiro.
Uma possibilidade de demonstração disso pode ser percebida a partir de alguns dados divulgados sobre a população considerada em situação de miséria no Brasil (IBGE, 2010). Evidencia-se que dentre os 16 milhões de habitantes da população que foram considerados em situação de extrema pobreza, estima-se que 4,1 milhões de pessoas estão no meio rural, isto é, 1 (um) em cada 4 (quatro) dos habitantes do meio rural vive essa situação. Ainda, 48% dos domicílios rurais em situação considerada de extrema pobreza não têm acesso à rede geral de distribuição de água e não têm poço ou nascente na propriedade. Em relação a esses dados no contexto rural, ainda não foram divulgados mais informações em números sobre a situação social da população em faixa etária jovem atualmente.
Destaca-se que no Brasil 46% das terras estão em posse de 1% dos proprietários rurais, sendo um dos maiores índices de concentração de terra do mundo. Nesse sentido, ressalta-se que temos um meio rural com 1.363 conflitos por diversos motivos segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Entre esses, destaca-se o aumento dos conflitos protagonizados pelo poder privado – fazendeiros, empresários, madeireiros e outros que são responsáveis por 689 dos conflitos por terra[1]. Ainda, segundo dados da CPT, há cerca de 120 mil famílias reivindicando terra no Brasil.
Desse modo, entende-se que seja necessário refletir e elencar alguns pontos para provocar o debate sobre as políticas públicas em juventude rural até momento. Em análise anterior, já foi demonstrado a tendência em fortalecer um modelo de acumulação de capital especializado no setor primário, que promove super-exploração agropecuária, hidroelétrica, mineral e petroleira de encontro aos interesses e domínio do capital estrangeiro no meio rural brasileiro a partir das transnacionais do agro e hidronegócio. Um dos resultados desse conjunto de aspectos demonstrados é os dados apresentados no Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) divulgado pelo IBGE nesse ano, no qual consta que as culturas de arroz, o milho e a soja correspondem a 91,3% da estimativa da produção agrícola do país e respondem por 85,1% da área a ser colhida, em relação a outros alimentos como o feijão, por exemplo.
Frente a essa realidade no meio rural, temos uma matriz Orçamentária da União em 2012, por exemplo, no qual do total das despesas públicas é de mais de 2 trilhões de reais, apenas 0,25% é utilizado para organização agrária e 0,9% para a agricultura, em relação aos 47,1% que são retidos para juros e amortização da dívida pública brasileira (interna e externa), junto a instituições financeiras vinculadas ao mercado especulativo.
Diante dessas condições desiguais de vida, em pesquisas recentes, como OIT (2010) e do IPEA (2009), há a indicação de que os jovens que vivem no meio rural consideram as oportunidades de trabalho e construção de uma autonomia para a vida como questões difíceis ou pouco viáveis, pois, além de estarem inseridos em padrões culturais que operam com uma lógica quase restrita da continuidade da atividade agrícola, há também a relação disso com o tamanho da terra e a persistência da tutela cultural e política aos padrões familiares e comunitários. Mesmo em meio a essa realidade ainda adversa e da “diáspora moderna” dos povos do campo para as cidades, há muitos grupos políticos em juventude rural que se organizam e querem permanecer no meio rural com direitos sociais e condições de vida dignas, e para isso reivindicam e propõem políticas públicas.
Perspectivas para 2013 e a participação da juventude rural nas políticas públicas
A criação de instituições, políticas e programas com referência específica aos jovens situados no meio urbano e rural prospectam um marco institucional diferenciado no âmbito das relações de acordo e disputa política no Estado brasileiro. Nas últimas duas décadas, pode ser evidenciado que os formuladores de políticas públicas para o meio rural brasileiro têm demonstrado alguma preocupação com a diversidade de grupos sociais presentes neste espaço. Nessa direção, foram formuladas políticas específicas para agricultores familiares e mais recentemente, em especial a partir de 2003, para populações quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais, indígenas, etc., além de programas para segmentos específicos destas categorias sociais, como as mulheres e jovens.
Em meio a essa conjuntura, no âmbito do governo federal – juntamente com os grupos da sociedade civil que participam dos espaços de participação promovidos pelo governo –, ocorreu a constituição de diversos espaços de discussão de ações políticas direcionadas para a juventude rural, como o Grupo e atualmente Comitê Permanente de Juventude Rural (CPJR) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF) e a partir de 2011 o Grupo de Trabalho em Juventude Rural (GTJR) da Secretaria Nacional da Juventude (SNJ). Além desses espaços ocorre no âmbito do governo federal, ações, políticas e programas direcionados para a juventude rural, como o PRONAF-Jovem, o selo Nossa Primeira Terra – PNCF e o PRONATEC.
No âmbito dos governos percebe-se que ocorreram avanços, como à formulação dos Planos ou políticas de Juventude e a constituição dos Conselhos de Juventude. O Plano Nacional de Juventude (PL 4.530, 2004) ainda falta ser aprovado no Congresso Nacional. Outro aspecto a ser considerado foi à participação expressiva, entre os grupos de juventude organizados politicamente, para reivindicar reconhecimento e direitos na 2.ª Conferência Nacional de Juventude. Também destaca-se a realização do 1.º Seminário Nacional de Juventude Rural e os grupos temáticos criados pela SNJ que estão contando com uma participação destacada de diversos grupos jovens.
Ainda ressalta-se que no ano de 2011 ocorreu a conquista do Programa Autonomia e Emancipação da Juventude no Plano Plurianual do Governo Federal (PPA 2012-2015), contemplando inclusive a Juventude Rural. Contudo, o orçamento de R$ 50 milhões é considerado muito insuficiente diante do conjunto de 143 demandas apresentadas pela juventude rural para a SNJ no Seminário supramencionado.
Assim, a SNJ mesmo com a evidente e reconhecida capacidade política e técnica de ação e diálogo com a juventude, ainda está fragilizada pela falta de priorização do tema e pela acirrada disputa interburocrática e política que há no conjunto da coalizão de 21 partidos da base aliada do governo, além do PT. Ao que tudo indica a questão da juventude rural também carece de maior atenção e ainda não está sendo tratada como uma das prioridades na agenda política de muitos governos estaduais e municipais.
Articulado a esse contexto de desigualdade social no meio rural brasileiro e passado alguns meses após o lançamento do Plano Safra para a agricultura familiar somado ao Plano Agrícola e Pecuário para o agronegócio de 2012/2013, estas são consideradas uma das principais estratégias em política pública para o desenvolvimento agrícola do meio rural no qual os grupos em juventude estão incluídos ou submetidos.
Cabe ressaltar, que forjar outro projeto de desenvolvimento rural que contemple os anseios do conjunto da juventude rural não é apenas propor a sua inclusão em um modelo de produção agropecuária atrelado somente aos nichos do competitivo e excludente mercado capitalista e apoiado por políticas públicas altamente burocratizadas, sem o suporte técnico apropriado e sem capilaridade social, como por exemplo, o PRONAF – Jovem.
Mesmo com o importante e considerável avanço que as políticas públicas para a juventude rural recentemente formuladas ou em elaboração representam, evidencia-se que há desafios e questões para serem debatidos e que provavelmente poderão ser entrave ou considerados gargalos para o ano de 2013. Dessa forma, percebe-se que caso quisermos almejar uma resposta diferente em relação às políticas públicas para e com a juventude rural, as nossas perguntas também terão que prosseguir em processo de mudança e de constante debate nos 2 anos de governo federal que temos.
Políticas Públicas com a juventude rural: escuta, ação e compromisso de governo
“A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”
Leonardo Boff
Em uma dimensão objetiva temos questões como à desigualdade social sistêmica, que diminuiu consideravelmente nos últimos 10 anos, mas ainda está presente a falta de condições estruturais adequadas para uma vida diversa e digna no meio rural brasileiro. Articulada com essa realidade para as/os jovens rurais há ainda a dimensão relativa às incompreensões ao período de vida e as questões postas por isso, fora ser visto como alguém “que poderá vir a ser”, como se já não estivesse sendo sujeito, em uma sociedade que é regida sob um prisma adultizado e classificatório.
Para além dos rótulos e verdades automáticas, como resumir os dilemas da juventude rural a questão da migração, ou das políticas públicas, ou mesmo olhar para essa questão a partir de como as pessoas de faixa etária jovem se reconhecem, se organizam e vivem em uma determinada realidade, pode possibilitar a ampliação do entendimento sobre o que é ser jovem no Brasil e estar no meio rural atualmente.
O atual governo federal representa uma construção histórica e anos de luta de uma significativa parcela da classe trabalhadora no Brasil e atualmente está sendo protagonista em muitas transformações muito bem avaliadas na vida imediata do povo brasileiro incluindo muitos grupos em juventude. Contudo, não é por isso que não devemos ficar atentos em que medida está se fazendo política para desestabilizar e modificar os aparatos e mecanismos do Estado que historicamente produzem desigualdade e injustiça socioambiental, bem como reforçam os preconceitos intergeracionais, etnoculturais, de gênero e de cor no Brasil.
Que a juventude precisa ter voz, espaço e vez, isso também parece ser consensual e discurso de muitos (as), mas isso ao que tudo indica não será consentido ou dado, mas terá que ser disputado e conquistado nas mais diversas esferas da sociedade cotidianamente, inclusive nos governos, organizações e movimentos sociais. Lembrando que a dominação e o preconceito social e inter-geracional sobre a juventude rural tem em grande parte sua eficácia marcada pelo fato de ser ignorada. Diante disso, uma questão que pode ser feita: Como apresentar e construir o intercâmbio das experiências juvenis nos governos, organizações e movimentos sociais na formulação, gestão e monitoramento de políticas COM a juventude rural no próximo período?
Desconfia-se que a juventude não precisa de gestores/as, acadêmicos/as, legisladores/as e tecnoburocratas “iluminados/as” que queiram “tirar da cartola” ou prometer medidas socioeducativas, assistencialistas ou de “inclusão” no mercado de trabalho capitalista para resolver o “problema” das/os “jovens problemas”. Para implementar e executar políticas públicas viáveis e negociadas com a juventude rural necessita-se de diretrizes políticas e atores, inclusive os próprios jovens, comprometidos com o diálogo, as pautas e as experiências que as e os jovens rurais estão construindo em meio a esse processo.
Aponta-se que para viabilizar e capilarizar essas políticas públicas com um arranjo técnico e político apropriado será em grande medida possível, se a mesma for construída com o conjunto das organizações e movimentos sociais que atuam em juventude rural. Nesse sentido, cabe as e os jovens rurais se organizarem para tentar participar, monitorar e propor indicadores sociais as políticas públicas que abrangem a juventude rural como o PRONATEC[2], Estações da Juventude no meio rural, Participatório e demais políticas faz-se necessário em 2013.
Por exemplo, as organizações e movimentos sociais em juventude rural terão que se debruçar no próximo ano no sentido de iniciar a elaboração de seus próprios indicadores sociais (princípios, diretrizes, meta de público e de regionalização, por exemplo) para as políticas públicas caso quiserem reivindicar dos governos a realização das mesmas com interface em um projeto de desenvolvimento rural que contemple suas pautas históricas.
Esse processo provavelmente perpassará as organizações e movimentos sociais no sentido de indagarem-se sobre qual o grau de autonomia e organização política que será necessário para gerar ciclos de mobilização e reivindicar políticas públicas apropriadas, isto é, que garantam as condições de uma vida digna e de desenvolvimento do projeto de vida dos grupos de juventude no meio rural. Sob essa perspectiva, para pensar outro ciclo de políticas públicas com a juventude rural terá de ser conjugado de um comprimento político inovador e diferencial que amplie a discussão sobre democracia, emancipação e a autonomia na sociedade. Para isso vai ser necessário elaborar espaços com o conjunto dos grupos de juventude rural e prosseguir no diálogo constante e pactuando os muitos sentidos do que possa ser política pública, desenvolvimento rural, juventude rural e assim por diante.
Está mais do que evidente que muitos grupos de juventude rural têm projetos, experiências e tecnologias sociais inovadoras em seu cotidiano de atuação política e vida na sociedade, em organizações e movimentos sociais, bem com em alguns governos municipais e estaduais. Contudo, em 2013 indica-se que será necessário continuar persistindo em fazer e formular questões diferentes das que temos para ser possível elaborar um projeto de desenvolvimento rural em conjunto com as diversas iniciativas já existentes no seio da juventude rural, da agricultura familiar, camponesa e dos povos e comunidades tradicionais no país.
*Sérgio Botton Barcellos, Pesquisador e doutorando no CPDA/UFRRJ.
[1] Desses conflitos o poder público é responsável por cerca de 100 ações de despejo e prisões. Os movimentos sociais a partir de ocupações e acampamentos respondem por 230 ações de conflito na luta pela reforma agrária no Brasil.
[2] Acredita-se que o PRONATEC carece urgentemente de uma avaliação enquanto política pública urgentemente. Nesse ano de sua execução a partir de algumas evidências já pode-se constatar que o PRONATEC, mediante as parcerias público/privadas, prevê a compra de vagas, divulgadas como “gratuitas”, do sistema S. A partir disso, diversas organizações e movimentos sociais já apontam que isso fragmenta os recursos públicos e não está trazendo respostas efetivas para a melhoria da qualidade estrutural e social na educação pública no Brasil, pois a proposta do Programa estaria voltada para atender em primazia as demandas emergenciais e sazonais do mercado industrial capitalista, tratando a educação com uma forte tendência economicista.