Beatriz Galli*
Hoje, 16 de novembro, completam exatos dez anos da morte de Alyne da Silva Pimentel, uma jovem negra de 28 anos, casada, com uma filha de cinco anos de idade, moradora do município de Belford Roxo, Baixada Fluminense no estado do Rio de Janeiro. Além de outros sonhos e planos, Alyne estava grávida de seis meses quando se sentiu mal e foi ao hospital mais próximo de sua casa em busca de atendimento. Como em muitos casos, receitaram-lhe analgésicos e a mandaram de volta para casa. Tendo piorado o mal-estar, Alyne voltou ao hospital dois dias depois, e novamente foi atendida de forma insuficiente, com analgésicos e outros paliativos. A sua certidão de óbito apontou como causa de sua morte a hemorragia digestiva. O caso foi denunciado por organizações não governamentais ao Comite pela Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Comite CEDAW) das Nações Unidas.
No dia 10 de agosto de 2011, o Brasil foi condenado e o Comite em sua decisão apontou que Alyne morreu vitimada pela falta de acesso ao tratamento de emergencia obstétrica adequado e de qualidade, concluindo que houve discriminação sistemática pela sua cor e condição social. A decisão do Comite CEDAW da ONU concluiu que estado brasileiro falhou em proteger os direitos humanos de Alyne: o direito a vida, o direito a saúde, e o direito a igualdade e não discriminação no acesso a saúde.
O caso Alyne tem uma importancia particular. É o primeiro caso de morte materna decidido por um Comite de Direitos Humanos das Nações Unidas. A decisão tem um valor simbólico para os governos: não é mais aceitável tratar da morte materna evitável como um destino das mulheres, uma fatalidade para a qual o estado não tem nenhuma responsabilidade. A morte materna evitável é uma violação dos direitos humanos das mulheres.
Outros casos de morte materna evitável igualmente graves continuam a ocorrer no Brasil. No Caicó (RN), um caso recente de violência e parto normal forçado, após mais de 30 horas de espera de uma mãe em trabalho de parto e sem a dilatação necessária, resultou na morte da bebê por asfixia pelo cordão umbilical, além dos hematomas e outros traços de violência física no atendimento médico à parturiente. Na semana passada, no município de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense (RJ), uma jovem de 17 anos morreu após 12 dias de internação por complicações de um aborto. Após cirurgia para retirada do feto, que já estava morto, teve de retirar também o útero, e o atestado de óbito aponta falência múltipla dos órgãos por infecção generalizada.
É inaceitável que a morte materna evitável continue ocorrendo no nosso país, pois sinaliza que persiste o descaso com a vida das mulheres e a tolerancia com a violencia e o racismo institucionais na atenção obstétrica nos serviços de saúde. A sociedade e a família de Alyne esperam que seja feita Justiça: que o governo cumpra as recomendações do Comite CEDAW no caso Alyne, pague a indenização devida para a sua família e tome medidas para prevenir novos casos e proteger os direitos humanos das mulheres. A vida das mulheres não pode esperar!
*Beatriz Galli , Relatora do Direito Humano à Saúde Sexual e Reprodutiva da Plataforma Dhesca Brasil, Ipas América Latina.
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