José de Paiva Rebouças, Jornal De Fato, Mossoró-RN
No coração da Chapada do Apodi, em Apodi, 31 famílias vivem o pior pesadelo de sua vida. Por ordem do Governo Federal, através do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), homens, mulheres e crianças da comunidade de Agrovila Palmares estão sendo obrigados a deixar seus lares para dar lugar a um perímetro irrigado. O projeto milionário que vai de encontro às políticas sociais em discussão no país construiu uma polêmica discussão entre campesinos e Governo que repercute em âmbito internacional e vai parar nos bancos do Ministério Público Federal.
A Agrovila Palmares está situada numa parcela de terra apontada como uma das melhores do mundo. Além disso, fica na mesma área do principal sítio arqueológico do Estado e segundo mais importante do Brasil, o Lajedo de Soledade. As famílias que habitam esse lugar são simples e, a maioria, está no limite da linha da pobreza, ainda assim, não querem desistir da única coisa que conquistaram na vida.
A área foi cedida às famílias pela Força Sindical no ano de 1999, em comodato por 15 anos. 90 famílias participaram de uma seleção, entre elas estava a dona de casa Ivonilda de Souza Oliveira, hoje com 47 anos. Ela e outras 30 famílias receberam 12 hectares, uma casa com água e luz, um televisor e uma bicicleta para recomeçar a vida. Casada há 20 anos com o trabalhador braçal Francisco Célio, que nunca teve sobrenome, ela viu sua vida mudar depois que seu marido abandonou o trabalho nos fornos de cal para cuidar da própria terra. “Entramos aqui no dia 3 de maio de 2000 e nunca mais saímos daqui”, lembra.
Ao longo dos 12 anos, Ivonilda construiu uma história e plantou raízes. Seus filhos cresceram e ela virou avó. Há dois anos, recebeu, junto com o resto da comunidade o que chamou de “maior presente de sua vida”: a posse permanente da terra.
A história da dona de casa que transformou o seu quintal numa área de produção de frutas, hortaliças e plantas medicinais se repete pela pequena vila. É a mesma das donas de casa Antônia de Noronha Freire, Francisca Helena de Paiva e Maria da Conceição e das outras marias, antônios e josés que não sabem o que fazer se tiverem de deixar suas casas.
O medo é tanto que todo veículo que entra na localidade é motivo de mobilização das pessoas. Elas estão com medo dos técnicos do Dnocs, que, segundo contam, fazem pressão psicológica para que os moradores concordem com a desapropriação. “Os mais velhos chegam a chorar de angústia”, disse Ivonilda, lembrando que, na última vez que em eles apareceram, não tiveram permissão para entrar. “Fechamos o portão com cadeado”, conta.
A Agrovila Palmares não é a única que sofre desse problema. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) estima que pelo menos 600 famílias em 147 propriedades tenham de deixar suas casas em nome do perímetro. O projeto está orçado em R$ 280 milhões, mas destina somente R$ 40 milhões para a desapropriação. A média oferecida por hectare é de R$ 700,00. Isso significa que a propriedade de dona Ivonilda, que tem 12 hectares, está orçada em R$ 8.400,00, um pouco mais se colocar os benefícios feitos na terra, mas nunca será suficiente para ela comprar sua área de volta, nem mesmo outro terreno nas redondezas porque a chegada do perímetro está supervalorizando as terras.
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http://cptba.org.br/2012/11/12/elas-se-recusam-a-sair/