O governo federal decidiu convocar uma reunião de emergência para tentar intervir em uma disputa fundiária envolvendo índios guarani-caiovás e fazendeiros em Mato Grosso do Sul.
Pastas e órgãos deverão se reunir nesta segunda-feira.
O caso voltou à agenda do governo após uma carta divulgada por indígenas da comunidade de Pyelito kue-Mbarakay, no extremo sul do Estado. No texto, eles prometem resistir a qualquer tentativa de desocupação da área.
A reportagem é de Daniel Carvalho e Felipe Luchete e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 27-10-2012.
O grupo de 170 índios reclama de uma decisão liminar da Justiça Federal que determinou em setembro a desocupação da área, que fica dentro da fazenda Cambará, em Iguatemi (a 462 km de Campo Grande).
“Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui”, diz a carta, que circulou pela internet na última semana.
As citações a mortes coletivas chamou a atenção em uma etnia com histórico de suicídios – foram 555 entre 2000 e 2011, segundo dados do Ministério da Saúde.
A taxa de suicídios entre guarani-caiovás é de 62,01 por 100 mil habitantes. Para a OMS (Organização Nacional da Saúde), um índice de 12,5/100 mil já é muito alto.
O governo federal e o Cimi (braço missionário para os índios da Igreja Católica) dizem que os índios não tratam na carta de suicídio coletivo.
O Ministério Público e a Funai já recorreram da decisão do juiz federal Sérgio Bonachela, de Naviraí. Ontem, a carta ordenando a manutenção de posse à fazenda chegou à comarca de Iguatemi.
A Polícia Federal ainda não foi acionada para acompanhar o oficial de Justiça à área hoje ocupada pelos índios.
Os guarani-caiovás vivem espalhados por várias áreas no Estado, em terras demarcadas e acampamentos.
Defensores dos indígenas dizem que muitos deles vivem cercados por pistoleiros. Os registros de ataques, segundo eles, são constantes.
Segundo a Procuradoria, a taxa de homicídios entre os guarani-caiovás é de 100 para 100 mil habitantes, quatro vezes a média nacional, 27,1.
NEGLIGÊNCIA
Para o Cimi, a carta deu visibilidade à situação dos índios na região de fronteira.
“Essa carta escancara para o mundo que o Brasil não é capaz de proteger seus povos indígenas. Nenhum governo, de direita ou dito de esquerda, conseguiu resolver essa problemática”, disse o coordenador regional do Cimi em MS,Flávio Machado.
“Agora, ou resolve ou o decreto de extermínio desses povos foi assinado e não há mais nada o que fazer.”
O procurador da República Marco Antonio Delfino de Almeida diz que o governo federal concedeu títulos de propriedade a fazendeiros para permitir a ocupação da área de fronteira e agora precisa resolver o imbróglio.
Três séculos de violência
> Pós-Guerra do Paraguai (1864-1870)
Império dá início à colonização da fronteira com o Paraguai para garantir domínio da terra. Índios começam a ser expulsos
> Década de 1950
Mato Grosso do Sul torna-se fronteira agrícola e intensifica expulsão dos índios
> Jan.2003
Líder indígena Marco Veron é assassinado nas terras de uma fazenda em Juti (MS)
> Jan.2007
Dois índios morreram em conflito na área Kurussu-Ambá, em Coronel Sapucaia, na fronteira com o Paraguai
> Nov.2011
Líder Nísio Gomes desaparece após invasão de acampamento às margens da rodovia MS-386. O corpo nunca foi encontrado
> Out.2012
Índios da terra Pyelito kue/Mbarakay divulgam carta em que anunciam “morte coletiva” em virtude de decisão da Justiça
Fonte: Ministério Público Federal/MS
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http://www.ihu.unisinos.br/noticias/514951-governo-teme-conflito-entre-indios-e-fazendeiros-em-ms