SP – Resistência no Assentamento Milton Santos

Não será barato o peso político da tentativa de desocupação de um Assentamento que é referência da luta da esquerda na região. 

Por Passa Palavra

Na sexta-feira, 29 de setembro, ocorreu uma reunião entre o INCRA [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] e os moradores do Milton Santos, Elizabeth Teixeira e Rosely Nunes – assentamentos e acampamentos da região de Americana e Limeira, próximos à cidade de Campinas no Estado de São Paulo.

Tal reunião se deu pela condição de abandono pelos órgãos públicos e pela grave situação de insegurança na qual se encontram os moradores do Milton Santos. Este assentamento foi formado em 2005, quando 75 famílias foram assentadas pelo INCRA após intensas lutas na região.  A área de 103 hectares foi repassada ao INSS [Instituto Nacional do Seguro Social] em decorrência das enormes dívidas em impostos da família Abdala.

Apesar de, em torno do Assentamento, haver mais de quatro mil hectares de terras públicas griladas, das famílias assentadas terem construído suas casas, terem seus filhos nas escolas da cidade, produzirem mais de 40 variedades de produtos agrícolas que são destinados às escolas do município, a Justiça determinou a desocupação da área, através de uma ação da família Abdala e da Usina Esther (notória por grilar terras na região).

Como a ação foi movida contra o INCRA, este terá que pagar multa diária de R$ 5 mil reais, a partir do dia 15 de outubro, caso não obedeça a decisão judicial de segunda instância.

Paciência e Reza

De fato, iniciando as falas o superintendente foi categórico ao pedir “paciência” aos moradores, pois já estava tudo acertado com o presidente do INCRA em Brasília e mesmo com o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas. Garantiu que não deixariam ocorrer o despejo e, em última instância, se valeriam do Decreto de Lei 4132, que versa sobre desapropriação por interesse social, apesar de ressaltar que o Governo Federal tem a política de não usar tal decreto para fins de Reforma Agrária, e apenas o faria por ser uma “questão especial”, e que o INCRA não tinha interesse algum no despejo pois já havia investido muito no Milton Santos, inclusive, se fosse necessário, pagaria a multa o quanto fosse preciso.

Apressado para mudar de assunto e conversar sobre os financiamentos e créditos disponíveis, talvez tenha faltado ao superintendente a perspectiva de que as famílias que lá vivem, para além dos parcos recursos financeiros já investiram sete anos de suas vidas, entre sofrimentos e conquistas, lutando por creches, transporte e melhores condições. Como nos comentou uma assentada: “nós produzimos até a vida aqui”, mostrando seu filinho de três anos.

Mas, o contraste ao otimismo da fala do superintendente foi dado pelo outro “companheiro” funcionário governamental, que disse que iriam recorrer judicialmente e o que deveria ser feito é que todos “rezassem”.

Entre a paciência e a reza, os mais de 150 presentes – assentados, acampados e organizações, sindicatos, partidos, coletivos e indivíduos apoiadores – começaram a expor suas incredulidades e impaciências.

Gilberto Carvalho e Pinheirinho

Um militante do MTST se lembrou de quando foi feito um grande ato em São Paulo, em 2011, que culminou com uma reunião com o Ministro Gilberto Carvalho, que garantiu que de todas as reivindicações a única que ele assegurava era que o Pinheirinho, em São José dos Campos, não seria desocupado. Todos sabem o final desta trágica história.

Militantes do Milton Santos e do Elizabeth Teixeira relembraram como o mesmo artifício tinha sido utilizado às vésperas do ataque policial a estas ocupações.

Decisão Política

Diante de uma decisão política, de alçada da Presidente da República, um militante afirmou que os governos do Partido dos Trabalhadores, tal qual os de Fernando Henrique Cardoso, não fizeram política de Reforma Agrária, mas de esconder pobre no mato.

A sensação generalizada foi a de que estas negociações e promessas nada garantiriam, mas apenas a mobilização e a luta. Alguns chegaram a sugerir que os funcionários do INCRA “permanecessem” até o dia 15 no Assentamento.

Sem caneta

Claro ficou que a saída não depende do INCRA ou de algum Ministro, e ainda que o superintendente tenha se mostrado irritado quando uma jovem garota lhe disse que ele não mandava nada, este fez questão de afirmar que era superintendente e que o governo se pauta pela mobilização social, pela sociedade civil organizada, que este é o instrumento.

Como exigência dos assentados, os representantes governamentais tiveram que assinar uma ata com o conteúdo da reunião, que foi lida publicamente. Por mais inverossímil que possa parecer, tal ata poderia não ter sido assinada pelo fato dos funcionários públicos não terem uma caneta.

De todo modo, como alertou um militante de um meio de comunicação de esquerda, para além de uma ata guardada numa gaveta, o conteúdo (e promessas) de tal reunião já seria tornado público, mas mais do que isto, o importante é que os assentados ali presentes, e seus aliados, demonstraram o pendor para a luta, que estas estão interligadas, e de que não estão cooptados ou alinhados com os governos, sendo assim, não será barato o peso político da tentativa de desocupação de um Assentamento que é referência da luta da esquerda na região.

Enviada por José Carlos para Combate ao Racismo Ambiental.

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