Antropólogos processados por criticar a construção de barragem no Rio Tibagi são inocentados

Carta que originou a ação por danos morais, publicada em 1998, trouxe críticas aos rumos éticos e científicos do EIA-RIMA que constava do processo de licenciamento para a construção de duas usinas. Para a justiça do Paraná a crítica científica não gera dano moral.

Zona-de-AmortecimentoApós dez anos de tramitação, em maio de 2012 a justiça do Paraná julgou improcedente a ação ajuizada contra antropólogos que produziram uma carta com críticas científicas ao Estudo de Impacto Ambiental (EIAs) e ao Relatório de Impacto ambiental (RIMAs) produzidos para a construção de duas usinas hidrelétricas pela Copel, UHE Cebolão e São Jerônimo, na Bacia do Rio Tibagi.

A carta “Etnocídio e ecocídio têm preço de mercado?”, publicada pelos antropólogos Kimiye Tommasino, Francisco Noelli e Lúcio Tadeu Mota em dezembro de 1998, trouxe críticas aos rumos éticos e científicos do EIA-RIMA que constava do processo de licenciamento para a construção de duas usinas. Entre as questões apontadas pelo manifesto estava a manipulação das informações e a desconsideração de dados de impacto ao meio ambiente, às populações indígenas, ao patrimônio histórico e arqueológico do estado. De acordo com a carta, os relatórios não mencionaram cerca de 40 sítios arqueológicos existentes abaixo da linha de inundação.

A ação por danos morais contra os autores da carta foi ajuizada em 19 de abril de 2002 por Cecília Helm, professora do departamento de antropologia da UFPR, e Maria Fernanda Maranhão, funcionária pública estadual da Secretaria de Estado da Cultura, responsável pela Seção de Etnologia do Museu Paranaense, responsáveis pelos laudos antropológicos de licenciamento das barragens. As autoras da ação, através do escritório de advocacia René Dotti, tentavam impedir a divulgação da carta e, ainda, obter uma indenização financeira por suposta ofensa à honra das antropólogas.

Contudo, após dez anos da proposição da ação, o juiz Antônio Carlos Ribeiro Martins, da 1ª Vara Cível de Curitiba, entendeu que “não se deve impor condenação por danos morais quando não se tem ato ilícito gerador de danos, quando há temas e discussões de grande interesse público, polêmicas por natureza e pelas naturais circunstâncias”.

A decisão judicial reforça a necessidade e a conveniência de colocar questões como a construção de usinas hidrelétricas em debate na sociedade antes do início do empreendimento. Neste sentido, a carta “Etnocídio e ecocídio têm preço de mercado?” teve por objetivo expor uma série de impropriedades metodológicas e éticas nos projetos hidrelétricos da bacia do Tibagi, apontando tecnicamente os danos irreparáveis que a aprovação do EIA-RIMA poderia gerar.

Debater a viabilidade econômica do projeto frente aos danos sociais, culturais e ambientais é prerrogativa da sociedade que não pode ser tolhida por ações de indenização. Nesse sentido, o debate aberto sobre a construção de empreendimentos hidroelétricos possibilita à sociedade expor sua posição frente a esse modelo de progresso e de desenvolvimento que supervaloriza o aspecto econômico, desvalorizando os danos ambientais, sociais e culturais.

Entenda o caso

Desde a década de 60 são realizados estudos com a intenção de aproveitar o potencial hidrelétrico da Bacia do Rio Tibagi. Inicialmente a empresa CANAMBRA Engineering Consultants fez estudos de inventário da bacia, revisados em 1984 pela COPEL e reavaliados por esta mesma empresa nos anos de 1994 e 1997.

Neste contexto, os estudos de inventário da bacia do Tibagi apontaram para a possibilidade de construção de sete hidrelétricas, além de um oitavo aproveitamento já instalado, a Pequena Central Hidrelétrica – PCH – Presidente Vargas, de propriedade das Indústrias Klabin. Por motivos que não estão especificados no estudo, não foi considerada a PCH Apucaraninha, em operação desde a década de 50 no Rio Apucaraninha, um dos afluentes do Rio Tibagi.

Ao longo dos anos foram várias as tentativas de licenciamento ambiental dos empreendimentos hidrelétricos citados, tais como ocorreu com as Usinas de São Jerônimo, Mauá, Jataizinho e Cebolão, em 1998.

Dos quatro empreendimentos apontados, a UHE de São Jerônimo encaminhou o licenciamento ambiental no IBAMA, contudo no estudo impacto ambiental, realizado no ano de 2001, estava previsto o alargamento de terras indígenas, circunstância esta que depende de prévio consentimento das comunidades atingidas e de autorização do Congresso Nacional (prevista no artigo 231, § 3º, da Constituição Federal e a licença prévia ambiental). Mesmo sem esse consentimento e sem a autorização do Congresso, foi dado prosseguimento no licenciamento ambiental de São Jerônimo.

Em 11 de dezembro de 2000, foi publicada no Diário Oficial do Estado do Paraná a desistência, pela Copel, do pedido de licenciamento ambiental para as UHE’s de Cebolão, Mauá e Jataizinho, persistindo apenas em relação à UHE São Jerônimo. Em maio de 2001, o Ibama solicitou complementações ao EIA/RIMA referente à UHE São Jerônimo, conforme determinado pela Comissão de Licenciamento Ambiental. No entanto, os estudos complementares solicitados não foram apresentados tendo sido arquivado pelo órgão ambiental federal o pedido de licenciamento.

Na época, pesquisadores da Universidade Estadual de Londrina e Maringá, organizações populares se organizaram, provocando o Ministério Público, a Funai e o Inama. Neste sentido, foram movidas ações civis públicas e ações populares e como resultado destas o poder judiciário definiu que só seriam expedidas licenças ambientais para a construção de barragens no Rio Tibagi após a realização de um estudo prévio de impacto ambiental que abrangesse toda a bacia hidrográfica do Rio Tibagi.

Após esta posição do Poder Judiciário, o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, que conduzia o licenciamento, emitiu uma declaração dizendo que antes de dar continuidade a qualquer licenciamento ambiental no Tibagi, exigiria uma avaliação ambiental integrada da bacia do Tibagi. A mesma posição teve o IAP que determinou na época que novos empreendimentos hidrelétricos também passassem por essa avaliação ambiental integrada da bacia.

A partir de 2004, recobrou-se o interesse sobre a Bacia do Rio Tibagi, no bojo do chamado “Novo Modelo do Setor Elétrico”, instituído pelas Leis 10.847 e 10.848, de março de 2004, com protocolo perante o Instituto Ambiental do Paraná – IAP – sendo encaminhados dois pedidos de licença das UHEs Mauá e Telêmaco Borba, sem qualquer realização do Estudo de impacto ambiental de toda a Bacia, conforme decisão do IBAMA e do IAP.

Novamente o Estudo de Impacto Ambiental apresentou uma série de irregularidades, o que motivou a Ação Civil Pública promovido pelo Ministério Público Federal. Diante das deficiências do Estudo e do Relatório de Impacto Ambiental da Usina Hidrelétrica Mauá (UHE Mauá), no Rio Tibagi, a Justiça Federal em Londrina reconheceu em sentença, a bacia do Rio Tibagi como território kaingang e guarani, nos termos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

De acordo com informações do Ministério Público Federal, a decisão se deu em virtude da incorreta definição da área de influência do projeto, especialmente no tocante aos impactos sobre as populações indígenas que habitam a região. Com isso, esta territorialidade deverá ser considerada na definição da área de influência para meio sócio-econômico e cultural nos estudos de impacto ambiental para implantação de empreendimentos hidrelétricos.

A construção da UHE Mauá ficou suspensa até 2008, por decisão do STJ em mandado de segurança apresentado pelo Ministério Público Federal, contudo houve revisão em julho de 2008, estando em fase final de conclusão.

Contudo, o projeto energético para a Bacia do Tibagi, em que pese a suficiência energética do Estado, continua em andamento. Em 2011 a Copel anunciou a retomada da do projeto de construção da UHE São Jerônimo.

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