Camila Nobrega, O Globo
Foi em busca de terra que Antônia Melo acompanhou a primeira batalha na vida, aos 4 anos, no colo da mãe. O ano era 1953 e a viagem era longa. A família saíra da cidade de Piripiri, no interior do Piauí, onde todos trabalhavam como meeiros, direto para o Norte do país, em busca de lugar para plantar. O destino era a cidade de Altamira, no Xingu, onde a família viveu bem, até a terra se tornar problema novamente. O salto foi para a década de 1970, quando Antônia não só já andava com as próprias pernas como havia se tornado defensora do território. Como mulher, ela cresceu junto com a luta contra a devastação do Xingu.
Tinhosa e forte, como é descrita por companheiros do movimento, Antônia é um dos ícones do Xingu Vivo para Sempre, que articula lideranças indígenas e outros povos atingidos pelas barragens da hidrelétrica de Belo Monte, um dos principais empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo brasileiro. Oficialmente, a luta tem 23 anos, contados desde o dia em que a índia Tuíra encostou o facão no rosto do diretor da Eletronorte por conta das obras. Em vez de perder a força com o tempo, Antônia desabrochou como liderança junto com o projeto de Belo Monte. Está no auge da luta agora, após o início da construção da hidrelétrica:
– Belo Monte é inviável, está trazendo muitos impactos. A zona urbana de Altamira está superlotada. Chegaram cerca de 30 mil pessoas a mais, e não há infraestrutura. Não tem saneamento básico, água encanada. Falta moradia, a especulação imobiliária está chegando. Famílias estão indo embora. Sem falar nos índios e ribeirinhos que foram desalojados e estão sem destino. É por isso tudo que luto todos os dias.
Segundo Antônia, os problemas que têm paralisado as obras, desde licenças ambientais a greves de trabalhadores, dão gás ao movimento. A esperança das lideranças locais é que os obstáculos façam com que o governo desista de Belo Monte, mesmo depois de tanto dinheiro investido. É para esse motivo que a cearense adotada pelo Xingu se articula todos os dias com movimentos no Brasil inteiro.
Não é a toa que ela foi a única escolhida entre os 13 filhos da família para sair da zona rural, onde eles plantavam arroz e feijão, além de criar gado. Ela foi enviada pelo pai, na adolescência, para estudar em regime de internato. Depois de nove anos, formou-se no magistério e voltou à comunidade rural de onde saiu para dar aulas. Era o momento de efervescência das comunidades eclesiais de base, onde ela começou a luta política, primeiramente ligada à defesa das mulheres.
– Matavam muitas mulheres aqui, em nome da honra. Era um machismo absurdo e culturalmente aceito. Se achassem que, de alguma forma, a mulher estava traindo, matavam. E as autoridades não se importavam. No bojo disso tudo, surge a Transamazônica, que só piora a situação, trazendo mais crimes. Aí a luta se intensificou.
Já casada, Antônia voltou para a zona urbana de Altamira, onde teve dois filhos. Belo Monte ainda não tinha saído do papel, mas voltou à pauta em 2000, no governo de Fernando Henrique Cardoso. O empreendimento continuou no papel, quando, em 2008, com a discussão em alta, os povos indígenas se encontram em Altamira para programar a resistência. É nesse evento que surge o nome Xingu Vivo Para Sempre, mantido até hoje.
Às vésperas da Rio+20, o grupo pretende chamar atenção para o início das obras no empreendimento, e fará uma reunião preparatória para a participação na Cúpula dos Povos, evento paralelo à conferência das Nações Unidas, que se chamará Xingu+23. É essa luta que faz hoje Antônia bater a porta de cada morador da cidade de Altamira e dos governantes, para falar sobre Belo Monte. E a esperança não morre, porque, para ela, terra é assunto sério.
Enviada por Vania Regina Carvalho.