Da ocupação das terras à vitória no STF

Os títulos de áreas indígenas invadidas têm de ser dados como nulos, para que a terra fique livre da motosserra, da queimada e dos agrovenenos 

Dom Tomás Balduino

No conflito no sul da Bahia, na área indígena pataxó, a mídia apontou os índios como invasores, violentos, perturbadores da ordem e obstáculos ao desenvolvimento.

Os pataxó, do seu lado, lembram-se do assassinato de 30 lideranças indígenas, dos 15 anos da morte impune do cacique Galdino e da inolvidável crueldade do fazendeiro que assassinou o índio Djalma, depois de castrá-lo, arrancar suas unhas, dentes e o couro cabeludo. Assim, decidiram, no início deste ano, levar adiante a retomada das áreas invadidas por fazendeiros desde 1940 -54.105 hectares da área Caramuru-Catarina Paraguassu.

Essa terra é parte do grande território indígena desde tempos imemoriais. A lei 1.916, de 9 de agosto de 1926, reconheceu a área indígena que foi demarcada em 1938.

O Serviço de Proteção aos Índios (SPI), porém, usando a prática nefasta do arrendamento, passou a fazendeiros grande parte dessas terras já demarcadas. Em 1960, o governador Antônio Carlos Magalhães, em ato de abuso de autoridade, emitiu títulos de propriedade das áreas invadidas.

A Funai, em 1982, entrou no STF com uma ação para anular esses títulos. Só em 2008, 26 anos depois, o tribunal iniciou sua apreciação.

O ministro Eros Grau, relator do processo, baseado em pesquisas, reconheceu que a reserva “abrange toda a área habitada, utilizada para o sustento do índio, necessária à preservação de sua identidade cultural” e considerou nulos os títulos e propôs a retirada dos fazendeiros.

O ministro Menezes Direito, o mesmo que estabeleceu 18 condicionantes para o reconhecimento da terra indígenaRaposa/Serra do Sol, pediu vistas do processo, que ficou interrompido por mais quatro anos.

A tensão na área, porém, nunca arrefeceu. Os índios reclamando suas terras e os 70 fazendeiros restantes detendo ferozmente em seu poder 35 mil hectares. Diante do agravamento dos conflitos, no início deste ano, a ministra Carmen Lúcia pediu que o julgamento do caso fosse reassumido.

No dia 2 de maio, o STF, acompanhando o voto do ministro Eros Grau, determinou a nulidade dos títulos de “propriedade” que incidem sobre a terra indígena. Foram seis votos a favor e um contra.

Este é um momento histórico da maior importância não só para os pataxó, mas para todos os povos indígenas. Fica clara a importância da luta, da resistência e da organização no efetivação de direitos.

Os votos dos ministros do STF reafirmaram o conceito de indigenato e de direito originário, frente à tese do “marco temporal”.

A decisão do STF fortaleceu a compreensão de que a terra, para os povos indígenas, não é apenas um bem material, mas um espaço carregado de sentido espiritual e místico, condição primordial para a sobrevivência física e cultural destes povos.

Essa nova luz acontece num contexto em que o Executivo, na pessoa da presidente Dilma, submete, ilegal e imoralmente, a demarcação das terras indígenas ao aval do Ministério das Minas e Energia e em que o Legislativo, capitaneado pela intransigente bancada ruralista, tenta tornar letra morta os artigos 231 e 232 da Constituição.

O STF recuperou o verdadeiro “espírito” da Constituição de 1988, reafirmando os elementos de “proteção” e de “promoção” que embasam o inteiro teor da Carta Magna do nosso país.

Quando o pataxó voltar para a sua terra, haverá a paz! E a Mata Atlântica se revestirá novamente de vida e de cantoria, livre da motosserra, da queimada, da vassoura de bruxa e dos agrovenenos!

PAULO BALDUINO DE SOUSA DÉCIO, o dom Tomás Balduino, 89, é bispo emérito da cidade de Goiás e conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra.

Folha de São Paulo, Opinião – Enviada por Rodrigo de Medeiros Silva.

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