Cleide Carvalho
Do igarapé Piquiá, à beira da BR-222, brotam colunas gigantes de concreto. Formam quase uma fortaleza empinada em direção ao céu, por onde locomotivas arrastam quilômetros de vagões de minério de ferro num dos 892 km da Estrada de Ferro Carajás, operada pela Vale, que começa em Carajás, no Pará, e vai até o Porto de Itaqui, no Maranhão, levando , principalmente, minério de ferro.
Para alguns, é só uma ponte. Para os moradores da comunidade de Piquiá de Baixo, uma comunidade de Açailândia, era o sonho do desenvolvimento, do emprego, de dias melhores que seguiriam os rastros do trilho. Mas, além da ferrovia, as várias usinas de ferro-gusa nas proximidades poluem a região.
É fim de tarde. Dona Angelita Oliveira, 60 anos, olha a ponte do outro lado da estrada. Ao lado do marido, calado após ter sido vítima de um AVC (acidente vascular cerebral), ela lembra que a vida nunca foi fácil, mas parecia melhor quando nos fundos de casa havia frutas, hortaliças. Além de peixes, que se escondiam sob as folhas de igarapés.
— Não foi o Piquiá que entrou no polo industrial, foi o polo industrial que entrou no Piquiá. No início, quando as empresas chegaram, a gente pensava que ia trazer muito benefício, emprego. Mas a maioria dos empregados veio de Minas Gerais, pois diziam que aqui não tinha gente qualificada. Depois, começou a vir o pó fino, as plantas foram queimando — conta dona Angelita.
No Piquiá, não se fala em reduzir a poluição. O sonho é ir embora. Mudar para um bairro novo, sem a poluição que causa uma infindável lista de problemas de saúde, de respiratórios a coceiras.
São cerca de 300 famílias e pouco mais de mil pessoas. Mas muitas casas estão vazias, como a de Maria Jacinta da Silva, 70, que largou a dela, de 13 cômodos, “com azulejo, minha filha”, para morar de aluguel por R$ 400. O rosto inchava, o corpo coçava e ela achou por bem ir embora. Há seis meses, quem desistiu foi Francisca Souza, 66 anos, 31 deles no Piquiá. Agora, só Deus sabe.
A luta pelo novo Piquiá já dura quase dez anos. Em março passado, a Justiça finalmente liberou uma área de 38 mil hectares desapropriada em julho de 2011 pela Prefeitura de Açailândia, responsável pelo bairro. Agora, a espera é pelo dinheiro para construir casas e infraestrutura.
— A gente chegou primeiro e a gente é que tem que sair — constata Welen de Melo, 54 anos, 32 deles no Piquiá.
Mas não tem jeito, resigna-se:
— O ar é poluído, a água é poluída, a terra é poluída. Não tem como ficar.
Índios também se sentem acuados
Acuados. Assim também se sentem os índios no Maranhão. São 17 terras indígenas (TI) demarcadas no estado, onde vivem cerca de 32 mil índios. Na região, nove caciques estão jurados de morte por denunciarem a derrubada de mata nativa e a ação dos traficantes, que amedrontam ou aliciam indígenas. Dois líderes indígenas já foram assassinados este ano. A cacique Maria Amélia Guajajara, 52 anos, foi morta com dois tiros no rosto dentro da aldeia Coquinho II, na terra indígena Canabrava, no último dia 28 de abril. Os assassinos eram dois homens, em uma moto. Ela estava denunciando tanto madeireiros quanto traficantes.
Um mês antes, o agente de saúde e líder indígena Francisco Guajajara, da terra indígena Bacurizinho, foi executado em uma emboscada no município de Grajaú. Em outubro passado, o índio Arquileu Filho Sousa Guajajara, de 16 anos, foi morto enquanto esperava uma carona na BR-226, também em Grajaú, para chegar a Bacurizinho, junto com um primo. Três homens forçaram os jovens a entrarem numa picape. O primo de Arquileu conseguiu fugir. O adolescente foi morto a tiro e facadas.
Na terra indígena Arariboia, criada em 1990, 242,1 km² já foram devastados, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora a floresta por satélite. Ali, vivem cerca de 900 índios. Para sobreviver, muitos recebem o Bolsa Família, como ocorre em qualquer bolsão de pobreza brasileiro. Anacleide Pereira da Silva, 45, moradora da aldeia e professora da escola indígena, conta que os madeireiros tiram tudo o que tem valor da floresta.
— Antes a mata era aqui perto da aldeia. Agora, é longe. A mata é nossa proteção contra chuva, doença. Se acabarem as árvores, o que a caça vai comer? E como vamos comer a caça? — questiona Anacleide, enquanto a sogra prepara um moqueado de cotia (assado) para o rito de passagem de um bebê, que está prestes a ser desmamado.
Nas escolas da aldeia, falta material
As escolas da aldeia estão em situação lastimável. Uma foi erguida com verba do Banco Mundial (Bird). A outra, onde Anacleide leciona, foi doada por um italiano. Nelas estudam 447 crianças e adolescentes. As cadeiras estão quebradas ou simplesmente não existem. Falta material escolar. Anacleide disse ter sido informada de que, em 2011, havia sido liberada uma verba de R$ 1,7 milhão para as escolas. Agora, diz ela, já falam em R$ 1,3 milhão. O fato é que, até o momento, nada foi feito. O índio e professor José Amorim Filho, 31 anos, conta que eles recebem do estado para dar aula. Mas não sabe explicar porque recebem apenas dez salários por ano, já que, em tese, professores recebem também durante os períodos de férias escolares.
As terras indígenas Arariboia e Governador, onde vivem os índios Gavião, são separadas por um minúsculo povoado. Os índios gaviões já tomaram caminhões e tratores que encontraram nas terras. Em tempos de sustentabilidade, a situação no Maranhão dá sinais claros de ser insustentável.
http://clippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/5/14/rastro-de-destruicao-ate-em-reserva-indigena