Nós Não Esquecemos: Nota Pública referente ao caso de brutalidade policial perpetrado contra a Sra. Almerinda Santos de Jesus e outros casos correlatos

A Quilombo Xis – Ação Cultural Comunitária que impulsiona a Campanha Reaja ou Será Morta , Reaja ou Será Morto, vem  mais uma vez  a público,  manifestar-se sobre a situação  de brutalidade, violência, arbitrariedade e genocídio a que está submetida a população negra no Estado da Bahia. Convocamos os setores da política, da cultura, da comunicação para quebrarmos o silêncio que parece se acentuar em tempos eleitorais, num processo de capitulação evidente de muitos setores que poderiam dizer algo, mas que mergulham na barganha política partidária de todos os matizes: esquerda, direita, oposição e situação.  Parece, ao fim, que a nossa vida não tem o menor valor ou custa um cargo, um projeto, uma emenda parlamentar.

Foi de repercussão geral e notório conhecimento o ato de brutalidade e violência policial praticado por preposto da Policia Militar do Estado da Bahia, no dia 22 de janeiro de 2012, durante o Festival de Artes do Olodum, o FEMADUM, tendo como resultado sequelas irreparáveis para a Senhora Almerinda de Jesus. A perda de seu olho esquerdo, bem como os danos morais que deveriam ser apreciados pela Justiça no tempo legalmente determinado, deveriam ser motivo de diálogo com o Governo do Estado, no sentido de conhecermos a política efetiva de segurança  que nos é oferecida para além desse “costume barato de matar negros”, os quais geram muito lucro para a indústria da violência, ao tempo em que somos criminalizadas e criminalizados para justificar a sanha punitiva que nos assola.

Dona Almerinda requer cuidados e um tratamento exemplar, o qual gere políticas de cuidados para as vítimas do Estado, políticas de reparação, políticas de proteção, políticas saneadoras dos efeitos de décadas de abandono.

O Racismo é o centro de nosso problema, o centro de nosso debate o alvo de nossa luta. Representa o neocolonialismo tacanho que promove nossa eliminação física, política, intelectual, mesmo quando vem maquiado com cosméticos de promoção de igualdade e outros floreados acadêmicos que adoramos proferir em palanques.

As Comunidades de Calabar, Fazenda Coutos e Nordeste de Amaralina (todo o aglomerado) foram alvo de uma novidade da segurança pública baiana acompanhada dos nefastos baralhos do crime. Se dizia sob aplausos de várias organizações de direitos humanos e muitas entidades do Movimento Negro que ostentavam banners do Pacto Pela Vida.  O Pacto Pela Vida anunciava serviços públicos depois da invasão policial, da ocupação militar, dos achaques, da violência da rapinagem midiática e, depois de meses, o que temos como saldo. O lixo se amontoando, as escolas na mesma precariedade, o sistema de justiça na mesma lógica seletiva encarcerando jovens homens negros sem qualquer clamor público e, tudo isso, sob os elogios de muitos que se dizem construtores de uma Bahia de todos.

Na Contramão do mundo, nós enquanto movimento social, clamamos por cadeia para resolver nossos problemas e esquecemos que nossos problemas são gerados por um modelo de sociedade que tem na cadeia um elemento caro de nossa subordinação. No Brasil, em 20 anos, seremos um povo confinado, e entendemos como “vitória coletiva” um artista negro no auge de seu equívoco político-racial ser chamado “pela justiça” para depor: iremos ao nirvana se prenderem Alexandre Pires! No STF, o Governo aparece como legitimado a defender o sistema de cotas, e todos vibram, mas o mesmo governo, através de sua Advocacia Geral, mantém um processo de desapropriação do seu território a Comunidade Quilombola Rio dos Macacos, que há décadas sofre todo tipo de tortura, violência e perseguição por parte da Marinha do Brasil. Os aliados e funcionários do governo deveriam mostrar algum respeito por sua própria história e exigir em público que o Governo Brasileiro saia do processo, extinga esse processo e devolva a terra do Rio dos Macacos aos seus verdadeiros donos, enquanto puna os racistas e torturadores da Marinha do Brasil.

Queremos refletir essas e outras questões com a sociedade e com o governo, articular os movimentos que não se sintam indiferentes a nossa desgraça coletiva e que queiram conosco promover um outro modelo de segurança , uma outra política. Um outro Estado que não mate crianças como o garoto Joel; adolescentes como o artista circense Ricardo Matos; mulheres como Aurina do Movimento Sem Teto da Bahia (MSTB); os 15 adolescentes chacinados pela Policia Militar em Vitória da Conquista; os jovens mortos na chacina de Canabrava;  Clodoaldo Souza, o  Negro Blul, na Chacina de Nova Brasília; os mortos na Chacina do Pero Vaz e tantos outros e outras em risco agora.

No dia 12 de maio a Campanha Reaja marca 07 anos de atuação. Sem férias, sem massagens, sem descanso. No mesmo dia no ano de 2005 ocupamos a Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia com diversas organizações do movimento negro. Hoje a despeito do silêncio, do medo, dos arranjos institucionais que colocaram muitos dos nossos ao lado do inimigo, num movimento de transformismo, fazendo o papel do feitor, amortecendo nossa ira e revolta acumuladas, vimos manifestar nossa posição como sempre fazemos buscando o diálogo o entendimento e a mudança. Não temos nada a comemorar, temos muito que lutar e juntos criar os caminhos para a liberdade de nosso povo, a nossa liberdade!

                 Frente ao genocídio do povo negro, nenhum passo atrás!

Atenciosamente,

Quilombo Xis- Ação Cultural Comunitária

Enviada por Marta Almeida Filha.

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