O poder de quem define a pauta do STF

Certas ações são julgadas em semanas, outras esperam 20 anos. Os critérios de relator e presidente são pessoais, não explicitados e imprevisíveis

Dimitri Dimoulis e Soraya Lunardi*

No Supremo Tribunal Federal, há processos dos anos 1980 que ainda não foram julgados.

Como exemplo, há as ações diretas de inconstitucionalidade 73, 127 e 136, que tratam de normas estaduais de pouca relevância. Todas foram protocoladas em 1989. Ainda não houve decisão. A constitucionalidade de uma lei é impugnada e por décadas o STF não oferece resposta.

A demora costuma ser explicada pela sobrecarga da corte, que recebeu, desde 2000, mais de 1 milhão de processos. Mas tal resposta ignora que, em certos casos, o STF se posiciona com surpreendente rapidez.

A ação direta de inconstitucionalidade 3.685, sobre coligações partidárias, foi distribuída em 9 de março de 2006. A decisão definitiva foi tomada no dia 23. Duas semanas!

A complicadíssima ação direta de inconstitucionalidade 3.367, questionando dezenas de normas da emenda constitucional 45 (sobre a reforma do Judiciário), em 2004, recebeu resposta definitiva em quatro meses.

O tempo certo para julgar uma ação são duas semanas ou vinte anos? Quem define a ordem de julgamento? Com quais critérios?

Na atualidade, o regimento interno do STF e a legislação não estabelecem prazo vinculativo: o relator e a presidência do STF exercem o poder de determinar a pauta conforme critérios pessoais, não explicitados e imprevisíveis. O resultado são as apontadas discrepâncias.

Isso contrasta com o extremo cuidado do legislador ao fixar curtos prazos para a atuação dos demais participantes dos processos constitucionais, como a autoridade que editou a norma, o advogado geral da União e o procurador-geral da República. Contrasta também com a experiência de outros países, onde a justiça constitucional é submetida a prazos curtos e rígidos. As causas costumam ser julgadas na ordem de chegada.

Quem possui o poder de determinar a ordem de julgamento de ações de crucial importância influencia a vida do país. Uma rápida declaração de inconstitucionalidade pode proteger direitos fundamentais. A mesma decisão, tomada anos depois, pode ser inócua.

Além disso, a decisão tardia compromete a liberdade do julgador porque uma situação consolidada dificilmente pode ser modificada. Isso se confirmou em março de 2012, quando o STF julgou uma ação que tramitava desde 1959, questionando a constitucionalidade da alienação de terras no Estado do Mato Grosso.

Na substância, o STF disse que, por mais que houvesse inconstitucionalidade, não era possível modificar situações consolidadas após meio século. A decisão é sensata, mas nada justifica a demora.

A possibilidade do relator de retardar o julgamento e a possibilidade de a presidência não incluir um processo na pauta são mecanismos de seletividade política.

Isso é problemático em um Estado de Direito e prejudica muitos pedidos. Seja porque não parece oportuno modificar a situação após anos, seja em razão da prescrição, seja porque as leis impugnadas foram revogadas e a ação perdeu seu objeto.

No STF, muitas decisões são postergadas quando a medida impugnada gera controvérsias sociais ou envolve grandes interesses políticos e econômicos.

Isso ocorreu com a anencefalia, com as ações afirmativas, com o questionamento da quebra do sigilo bancário pela Receita Federal, com a Lei de Responsabilidade Fiscal (que completou dez anos sem julgamento sobre sua constitucionalidade) e em muitos outros casos.

Longe de ser ativista, nesses casos o STF adota uma postura de cautela que pode virar inércia e denegação da prestação jurisdicional.

Cabe ao legislador remediar o problema e estabelecer prazos rígidos e regras de preferência taxativas para o julgamento dos processos constitucionais. Isso permitirá limitar o poder político do STF que, na atualidade, utiliza o tempo como ferramenta de poder, determinando livremente a própria pauta.

*Dimitri Dimoulis, 46, doutor em direito pela Universidade do Sarre (Alemanha), é professor de direito constitucional na FGV-SP; Soraya Lunardi, 40, doutora em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é professora da Instituição Toledo de Ensino (ITE).

Enviada por Eduardo Fernandes.

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