Assim como o povo do Pinheirinho, Jesus foi condenado à morte, mas ele ressuscitou. Por isso o ideal não morre
Frei Gilvander Moreira*
Chorei enquanto assistia ao filme-documentário “Somos todos Pinheirinho” (da TV PSTU, 40 minutos). Parabéns a toda a equipe que o fez. Todo o povo brasileiro deve assistir a esse documentário. Reavivou em mim uma profunda compaixão pelas milhares de pessoas que, com o despejo do Pinheirinho, foram “crucificadas” e jogadas na rua da amargura. Renovou em mim intensa indignação diante das autoridades que mandaram fazer (ou se omitiram) a barbárie que foi o despejo do Pinheirinho, em São José dos Campos – de sangue -, SP, Brasil, no dia 21 de janeiro de 2012, dia que entrará para a história como uma Grande Sexta-feira da Paixão no Brasil.
Márcia Loureiro, a juíza que ordenou o despejo do Pinheirinho, agiu com covardia e sem juízo. Com coração de pedra, ela comentou: “ A Polícia exerceu e desempenhou um serviço admirável, que é motivo de orgulho .” O (des)governador de São Paulo, sr. Geraldo Alkimin (PSDB + DEM), com cara de pau, afirmou: “ Ordem judicial deve ser cumprida .” Esqueceu de acrescentar: para beneficiar Naji Nahas (um megaespeculador e criminoso do colarinho branco) e para “crucificar” nove mil pessoas, entre as quais, milhares de crianças, idosos e deficientes. O adorador do ídolo capital Naji Nahas, cuspindo no rosto dos pobres, disse: “ Eu faço o que eu quiser do terreno. É problema meu .”
Após o despejo, a vovó dona Josefa Dias, 75 anos, em lágrimas, dizia que há uma semana não conseguia comer nada, não descia na garganta, pois estava engasgada com tanta injustiça. Apontando o dedo para o céu, dona Josefa, com uma lágrima caindo do olho, clamava: “Deus ta vendo tudo!” Está sim! Se a justiça da terra não pegar os algozes dos pobres do Pinheirinho, da justiça divina não escaparão. A turma do poder, mencionada acima, fizeram uma sexta-feira da paixão no Pinheirinho, mas vão se dar com os burros n’àgua, pois um domingo de ressurreição está sendo gestado. Nenhuma lágrima vertida por quem está na luta cai em vão. Após o massacre de Eldorado dos Carajás, o MST deu um salto de qualidade e cresceu muito. Assim acontecerá também com o Movimento dos Sem Casa.
À Presidenta Dilma Rousseff, dizemos: Não basta indignação. Você pode e deve desapropriar o Pinheirinho, reconstruir as mais de 2 mil casas de alvenaria e recolocar as famílias despejadas lá para que a comunidade seja reconstruída com dignidade. Faça isso, Dilma, pois é o que poderá aliviar a condenação que o Estado Brasileiro sofrerá em Cortes Internacionais por causa da barbárie perpetrada no Pinheirinho.
Está no ar a pergunta: O prefeito de Belo Horizonte, sr. Márcio Lacerda (PSB), o Governador de Minas, sr. Antonio Anastásia (PSDB), o TJMG e a Presidenta Dilma (PT) farão (ou deixarão fazer) o mesmo com a Comunidade Dandara, em Belo Horizonte? Na Dandara são cerca de mil famílias que ocupam um terreno de 315 mil metros 2 , que estava abandonado há várias décadas. A Construtora Modelo que luta na justiça pela reintegração na posse sobre o terreno de Dandara deve mais de 2,2 milhões de reais de IPTU, nunca pagou nem um centavo pelo terreno e não tinha construído nada na área. A partir de um Plano Urbanístico, o povo de Dandara, que está se construindo, já construiu mais de 800 casas de alvenaria, um Centro Comunitário, uma Igreja Ecumênica de Dandara, dezenas e dezenas de hortas nos quintais etc.
No dia 09 de abril de 2012, a Comunidade Dandara completou 03 anos de vida, de luta e resistência. As famílias que ali vivem já foram e continuam sendo vítimas de muito preconceito, discriminação e negação de direitos, além do direito a moradia. Até hoje é negado, por exemplo, o acesso à luz, água, correio, saneamento etc. Mesmo sendo a água reconhecida pela ONU como direito humano fundamental, a Prefeitura de Belo Horizonte e as concessionárias de água (COPASA) e de luz (CEMIG) se negam a instalar estes serviços na Comunidade. Como pode o ser humano sobreviver sem água? As famílias são obrigadas a fazer gatos de água e energia, arriscando suas vidas e submetendo-se a situações constrangedoras. Volta e meia água e energia faltam, eletrodomésticos são queimados e risco de incêndio é constante, porque as redes improvisadas são precárias.
O não reconhecimento do assentamento Dandara pelo poder público leva à falta de um comprovante de residência que, por conseqüência, dificulta o atendimento no SUS (direito a saúde), nas escolas e nos programas do Governo Federal que garantem benefícios às pessoas de baixa renda. Insistem em negar às famílias de Dandara a Cidadania, a dignidade, os direitos humanos fundamentais, mas o povo resiste e seguirá lutando até a vitória.
Ao povo do Pinheirinho, colocado na cruz, à Comunidade Dandara e a todas as pessoas que vivem esmagadas pelos poderes opressores, recordamos: “Felizes vocês que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.” (Mt 5,6). Às autoridades Márcia Loureiro, Geraldo Alkimin, Naji Nahas, comandantes e omissos – soldados que executaram ordens injustas e covardes – alertamos: Ai de vocês, ricos … Aí de vocês que estão saciados … Ai de vocês que ajuntam riquezas sobre riquezas, capital sobre capital e pisam sem piedade sobre a dignidade da pessoa humana. O dia da justiça vai chegar!
Palpita em nós a luz e a força divina do Deus que é vida e infinito amor. Desse ouvimos: ” Segure os soluços e enxugue as lágrimas, porque há uma esperança para a sua dor… existe uma esperança de futuro ” (Jer 31,16-17).
Assim como o povo do Pinheirinho, Jesus foi condenado à morte, mas ele ressuscitou. Por isso o ideal não morre. Com a ressurreição de Jesus as utopias jamais morrerão, os sonhos de libertação jamais serão pesadelos, a luta dos pequenos será sempre vitoriosa (ainda que custe muito suor e, às vezes, sangue) e as forças da Vida terão sempre a última palavra. Por mais cruéis que sejam, todas as tiranias passarão! Se olharmos, com benevolência, em volta, veremos, surpresos, que os sinais de Páscoa superam os sinais de morte. A luta continua. Voltaremos aos milhares. De sexta-feira da Paixão, no Pinheirinho, com fé no Deus da vida, nos pequenos e na luta, chegaremos a um domingo de Ressurreição. Por isso Somos todos Pinheirinho, somos todos Dandara, em páscoa – passagem – da paixão à ressurreição.
*Gilvander Moreira é frei e padre carmelita; mestre em Exegese Bíblica ; professor do Evangelho de Lucas e Atos dos Apóstolos no Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA -, em Belo Horizonte – e no Seminário da Arquidiocese de Mariana, MG; assessor da CPT, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail: [email protected] – www.gilvander.org.br – www.twitter.com/gilvanderluis – facebook: gilvander.moreira
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