Quantidade de jovens grávidas está caindo, mas ainda é considerada alarmante
Paola Carvalho e Luiz Ribeiro – Estado de Minas
As estantes de bonecas e ursos de pelúcia do quarto de J.P.R., de 15 anos, ainda lembram a infância. O quarto pintado de branco e rosa, entretanto, terá de ser adaptado para a chegada de Caio. Grávida de seis meses e de licença do primeiro ano do ensino médio, por causa da pressão alta, a garota prepara o enxoval do primeiro filho. “Foi falta de sorte”, diz. “E olha que ela tinha tirado 10 no trabalho de escola sobre prevenção à gravidez e doenças sexualmente transmissíveis”, lembra a mãe. A mudança que a vida dessa jovem sofrerá é um retrato do que aconteceu com nada menos do que 3.638 adolescentes até 19 anos, em Belo Horizonte, no ano passado, revela a última reportagem da série do Estado de Minas, que mostrou também a vida difícil de crianças e adolescentes nos abrigos e no trabalho infantil.
O número de adolescentes grávidas em BH representa fatia de 11,9% do total de mulheres que deram à luz em 2011 – 30.635, segundo a Secretaria Municipal Adjunta de Assistência Social. É o mesmo patamar de 2010, quando nasceram 31.156 bebês na cidade, sendo 3.734, ou 12%, atribuídos às mães com idade entre 10 e 19 anos. Nos últimos 15 anos, a participação de adolescentes no registro total de mães atingiu o pico em 1998 (17,6%) e começou a cair a partir da década de 1990, com a popularização da camisinha em função do avanço do HIV. O atual índice é o menor neste período, embora o percentual ainda seja considerado alarmante por especialistas.
Hoje, o número é mais brando, mas ainda encarado como alerta pela prefeitura. “Esse é um assunto que deve ser cada vez mais abordado, principalmente com as adolescentes em vulnerabilidade de pobreza”, afirmou a secretária adjunta de Assistência Social, Elizabeth Leitão. De acordo com a coordenadora da Comissão Perinatal de BH, Sônia Lansky, a taxa é mais alta nas áreas de risco. “Em relação às meninas pobres, a gravidez está relacionada a status social, pois a grávida tem maior reconhecimento e proteção. É uma perspectiva de vida dentro de um cenário adverso, apesar de terem acesso a todos os métodos contraceptivos nos Centros de Saúde”, avalia. Outra questão que ela destaca é o início da atividade sexual precoce.
Lançado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o livro Juventude e Políticas Sociais no Brasil mostra que o número de mães adolescentes cai de forma tímida no Brasil. Os dados, tirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE apontam para redução do percentual de jovens de 15 a 19 anos com filho de 12,6%, em 1996, para 10,7%, em 2007.
Segundo a pesquisadora do Ipea, Natália de Oliveira Fontoura, é preciso abordar o tema da gravidez na adolescência, como fez o filme Juno, ganhador do Oscar 2007 de melhor roteiro original. De acordo com o Ipea, nem sempre a gravidez é “indesejada” entre as adolescentes de renda mais baixa, nem se trata de fenômeno negativo e prejudicial. Ainda que inconscientemente, meninas de menor poder aquisitivo muitas vezes buscam no filho a possibilidade de construir sua identidade e de se sentir com mais poder. Além disso, as meninas acreditam ser capazes de ser mães, uma vez que frequentemente têm de cuidar de irmãos mais novos.
A prevalência da gravidez na adolescência continua concentrada nas classes com menor poder aquisitivo: 44,2% das meninas de 15 a 19 anos com filhos têm renda familiar per capita de até meio salário mínimo. No estrato de renda acima de cinco salários mínimos, a proporção de adolescentes de 15 a 19 anos que são mães não chega a 1%. Entre as razões está o acesso à informação, métodos contraceptivos, serviços de saúde e até aborto.
Pesquisa realizada pelo Departamento de Medicina da UFMG, com 149 gestantes adolescentes que fizeram pré-natal no Centro de Saúde São Marcos, na Região Nordeste, apontou que o desconhecimento e a falta de prevenção não são os vilões do elevado número de jovens grávidas. “Elas sabiam se prevenir. A gravidez foi uma escolha da adolescente, na ilusão de ganhar independência da família ou morar com o homem com quem quer viver. Isso é até mais grave”, afirma a pesquisadora Marcela Furst Guanabens.
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA), as adolescentes têm acesso ao serviço de saúde nos 147 Centros de Saúde da capital para ações preventivas: vacinação, orientação afetiva, sexual, avaliação do desenvolvimento e crescimento e promoção do hábito saudável de vida; além de acesso aos métodos contraceptivos. O preservativo está disponível e a distribuição não está vinculada à consulta médica.
J. nasceu quando a mãe tinha 19 anos. Depois dela, vieram gêmeos. A mãe não mora mais com os pais das crianças e o sustento da família vem do seu salão de beleza. “A experiência com os irmãos vai ajudá-la com o filho”, diz. Muito vaidosa, a adolescente conta que sua vida já mudou. “Agora tenho de pensar primeiro nele e só depois em mim”, afirmou. Mas garante: “Voltarei a estudar depois do nascimento e ainda quero estudar medicina ou direito”.
Incerteza sobre o pai
Daniela – nome fictício –, de 13 anos, deu à luz uma menina, que ainda não foi registrada, em 31 de março. Moradora do Bairro Jardim Brasil, em Montes Claros, no Norte de Minas, ela não perdeu a inocência de criança, mesmo já com um bebê nos braços. “Sempre gostei de brincar de boneca e acho que, se tiver tempo, vou continuar brincando”, diz. Por causa da gravidez indesejada, a garota – que estava no sexto ano do ensino fundamental– teve de abandonar a escola, mas garante que voltará a estudar. Ela conta que “ficou” algumas vezes com o pai do bebê, um jovem de 18 anos. Ele trabalha em outra cidade e ainda não viu a filha. Daniela não tem certeza se o rapaz vai assumir a paternidade. “Quando falei que estava grávida, ele falou que não tinha certeza se era dele, que eu teria ‘ficado’ com outros garotos, mas isso não é verdade”, contou.
A adolescente disse que nunca usou método contracecptivo e que ficou surpresa com a gravidez: “Achava que isso nunca fosse acontecer comigo”. Ela conta que sempre saía para a rua com as amigas: “Eu só voltava à noite”. Agora, se diz arrependida e faz recomendação para outras meninas: “Não deve sair nem no portão de casa”.
A mãe de Daniela afirma estar surpresa com a gravidez. “Ela é uma criança inocente, que ainda não estava preparada para ser mãe”, disse a mulher, que, deu apoio à filha. “Espero agora que ela tenha responsabilidade para ser mãe”, completa.
http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/04/10/interna_gerais,287879/das-30-6-mil-mulheres-que-tiveram-bebe-em-bh-em-2011-12-eram-adolescentes.shtml
Enviada por José Carlos.