Por Fernando Gavini
Questão indígena e Copa do Mundo. Os assuntos se misturam no Distrito Federal. As obras do estádio de Brasília estão a todo o vapor. Cerca de um bilhão de reais será gasto na construção da Arena que terá capacidade para 70 mil torcedores.
Brasília abriu mão do empréstimo de 400 milhões de reais do BNDES para a construção do estádio, que está sendo bancado com recursos da Terracap, empresa que administra os terrenos que pertencem ao Governo do Distrito Federal.
Planejado na época da construção de Brasília para abrigar as classes C e D, o bairro Noroeste está sendo planejado para receber imóveis de altíssimo padrão. Muitos deles já estão quase prontos. As tendas de vendas estão espalhados por todos os lugares. É o metro quadrado mais caro da capital federal. As construções estão sendo feitas em terras que foram vendidas por meio de licitação pela Terracap. É de onde a empresa do governo têm obtido boa parte dos recursos para a construção do estádio. O detalhe é que no meio deste bairro de Classe A existe o Santuário dos Pajés.
“A Terracap foi criada agora nos anos 80. Nós vivemos aqui desde 1950 ou muito antes desta data. Brasília não existia. Era só povo indígena”, diz o pajé Santxiê, líder dos índios fulny-iô, que são os guardiões do local. Seus pais vieram a Brasília e fizeram parte da força de trabalho que construiu a cidade. O Santuário surgiu para que os índios pudessem exercer e manter os seus costumes.
“A morada indígena não existe. Nossa morada é a mata. São os seus núcleos usados para orar que são sagrados. Uma árvore tem um dono sagrado que é vinculado a nossos antepassados e é vinculado à terra”, explica o índio.
Mas há muito tempo a tranquilidade deixou de existir no Santuário dos Pajés. O mato cresceu onde antes existia os escombros da casa de Touê, irmão de Santxiê.
“A casa foi incendiada criminalmente. Era a época do governo Arruda. O conflito era sujo e nada era noticiado pela imprensa”, acusa o advogado Ariel Foina, que ajuda voluntariamente a causa do Santuário dos Pajés.
Depois de um período de paz, os conflitos voltaram com tudo no ano passado. Além dos índios, alguns estudantes tentaram ajudar contra o avanço do bairro Noroeste em terras ainda discutidas na Justiça.
“As construtoras começaram a fazer incursões no território dos índios usando milícias privadas para invadir a area, fazendo uso inclusive de spray de pimenta. Muitos dos milicianos eram policiais de folga fazendo bico de segurança”, acusa Foina, que conta, no entanto, que o clima anda mais calmo no Santuário.
“A dificuldade inicialmente era provar que existia povo indígena aqui no Santuário. A versão do governo Arruda era que não existia índio nenhum aqui, mas isso a gente já conseguiu provar”, afirmou o advogado.
A disputa está na Justiça. O bairro Noroeste quer reduzir ao máximo a área indígena. Para poder manter seus cultos e seus costumes, o Santuário dos Pajés quer pelo menos ter direito a 50 hectares. Dentro deste perímetro estão todos os lugares considerados sagrados por eles. A Terracap quer reduzi-lo a apenas 4 hectares, o que transformaria o local numa espécie de zoológico indígena.
“Seria isso uma gaiola para mostrar para estrangeiros em visita a Brasília. É um conflito que não abrange só a pessoa. Ele abrange o sistema que está em volta de nós e a República. Nós estamos mostrando que é possível ter resistência e concluir os seus direitos. Nós estamos fazendo valer nossos direitos”, vocifera Santxiê.
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