por Monike Mar, da redação
Na última semana, a antropóloga Iara Pietricovsky, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), saiu de Brasília em direção a Nova York. Lá, foi direto para o quartel-general da Organização das Nações Unidas (ONU), onde só é possível entrar após um processo burocrático de raios-x e vistoria de crachás. “A cena é um pouco deprimente”, afirma ela, que não vê necessidade do rito por encontrar os mesmos rostos, conhecidos há décadas. Iara é veterana: acompanha as conferências da ONU desde 1992.
Representante da Rede Brasileira sobre Instituições Financeiras Multilaterais (Rede Brasil) no Grupo de Articulação da Cúpula dos Povos na Rio+20, Iara também vai participar das reuniões da conferência oficial. Por isso, vem acompanhando de perto todo o processo da ONU na formulação de propostas e documentos para o evento que o Rio de Janeiro recebe em junho.
“Estávamos todos e todas por lá: faces conhecidas, cabelos grisalhos e alguns com clara expressão de desânimo. Outros, mais jovens, mais animados, querendo conhecer o processo”, conta a antropóloga, que se enquadra no primeiro grupo. Não pela cor dos cabelos, mas pela aparente decepção com o rumo que a Rio+20 parece tomar a partir de agora.
Durante os encontros realizados entre os últimos dias 19 e 23, uma série de questões-chave para o avanço do desenvolvimento sustentável no planeta foram deletadas das páginas do rascunho do documento oficial.
“Todo o conteúdo que de alguma forma fazia referência aos direitos humanos foi apagado. O objetivo dos países em desenvolvimento é resumir o documento o máximo possível, torná-lo mais generalizante. Para mim, fica bem claro que não querem se comprometer com nada”, protesta. “Todas as nossas conquistas obtidas na Rio 92 estão em retrocesso”.
A borracha do Rascunho Um
O novo documento, a ser formalizado nesta terça-feira (27/3), será chamado de Rascunho Um, já que dará lugar ao Rascunho Zero (‘Zero Draft’) – primeiro esboço das propostas que seriam levadas para o evento. Com vinte páginas, o primeiro rascunho já foi alvo de críticas intensas da própria Iara por seu conteúdo superficial e controverso. Agora, segundo ela, o problema pode ser ainda maior, caso a ONU atenda às sugestões dos EUA quanto à redução do documento definitivo para apenas 4 páginas.
Contudo, com a intervenção dos países-membros da ONU, o novo rascunho já passa das 150 páginas. O motivo não é nobre. Iara explica que o documento está repleto de temas em desacordo. “Quando um representante de um país não concorda com algum tópico, ele pode incluir um colchete. É isso que o texto mais tem neste momento. Ou seja, há um baixo nível de confiança e consenso entre os representantes”.
Além dos EUA, outros países, como França, Canadá e Austrália, negam preceitos que reconhecem o acesso a recursos naturais como um direito humano. Eles defendem a exclusão sumária de trechos sobre segurança alimentar, erradicação da pobreza e princípios básicos de responsabilidade dos países com o desenvolvimento sustentável. Esses últimos são os que mais comprometem a credibilidade da Rio+20.
“Por exemplo, foram excluídos os princípios do país poluidor-pagador, da precaução ambiental e o da responsabilidade comum, mas diferenciada”, explica Iara. “Sem esses princípios, todas as metas de desenvolvimento sustentável serão jogadas no lixo. Será a maior contradição da Rio+20”.
Segundo o princípio do país poluidor-pagador, o país responsável por danos ambientais deve arcar com os custos da reparação. Já pelo princípio da precaução, uma ação deve ser evitado em caso de incerteza quanto ao impacto do uso de uma técnica ou produto – a usina de Belo Monte, por exemplo, não estaria sendo construída se esse princípio fosse respeitado. Por fim, o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas reconhece que os países desenvolvidos possuem mais recursos para investir na proteção do meio ambiente.
“Os manipuladores do novo documento parecem não enxergar nenhuma relação entre homem e meio ambiente”, acrescenta Iara. “Essa (falta de) visão fica ainda mais clara quando o assunto refere-se aos povos fragilizados pelo não acesso à propriedade, a alimentos ou até mesmo à água.”
Ítens excluídos
Se para você parece óbvio que os direitos à “alimentação e nutrição adequadas”, “água potável e saneamento” devem ser assegurados para todo cidadão, saiba que os países à frente da redação do novo rascunho não pensam o mesmo. A segurança alimentar foi um dos temas que mais sofreu alterações. A situação se torna ainda mais alarmante quando os países demonstram não se preocupar com as razões da crise de alimentos: foi excluído do documento o item que previa a “regulamentação dos mercados financeiros e de commodities para enfrentar a volatilidade dos preços”.
O parágrafo que garantia o direito de mulheres, povos indígenas e outros grupos vulneráveis ao acesso à terra também foi apagado. O mesmo aconteceu ao trecho que assegurava atenção especial dos governos aos “desafios enfrentados pelos pequenos produtores, mulheres e jovens, inclusive sua participação nos processos decisórios”.
A manipulação do novo texto não parou por aí: em toda a sua extensão, a palavra “pobreza” tem dado lugar ao termo “pobreza extrema”, para reduzir ainda mais o campo de atuação das políticas públicas nos próximos anos.
Vinte anos de retrocesso
Há vinte anos, Iara se deparava com uma situação diferente. Ao contrário do que está acontecendo agora, os direitos humanos pautaram os debates sobre o desenvolvimento sustentável durante a Rio 92. Não à toa, Iara lembra da época atribuindo um certo brilho às palavras que usa para descrevâ-la. “Vivíamos um momento importante. Estávamos inaugurando uma nova década na luta por direitos. Havia uma excitação, muita ilusão e muita esperança. Estabelecíamos princípios que armavam um marco jurídico internacional da maior relevância para aqueles que acreditavam nos direitos humanos”.
Agora, Iara não quer ver o que era sólido se desmanchar. Por isso, faz um alerta. “Estamos correndo o sério risco de perder todas as conquistas dos direitos humanos e ver o marco jurídico internacional ser destruído, para poder se adequar a uma outra visão mais conservadora, desumana, predatória sobre os recursos naturais e sobre os que são, nessa visão excludente, menos humanos – mulheres, pobres, negros, indígenas, homossexuais, deficientes e quem mais lute por afirmação dos direitos”, conclui.
Carta à ONU
No último domingo, dia 25, organizações de diversos países redigiram uma carta em protesto aos cortes do conteúdo que direcionava os debates a questões de direitos humanos. O manifesto será enviado ao Secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon, ao secretário-executivo da Rio+20, Sha Zukang, e a todos os representantes dos estados-membros das Nações Unidas. Para ler a carta, clique aqui.
http://cupuladospovos.org.br/2012/03/documento-para-rio20-oficial-ignora-direitos-humanos/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+CupulaDosPovosNaRio20+%28C%C3%BApula+dos+Povos+na+Rio%2B20%29
Tiago,
não precisa agradecer. A primeira coisa que fiz após responder a você foi exatamente encaminhar sua resposta indignada e a minha para as duas listas para as quais havia enviado seu post: a do GT Combate ao Racismo Ambiental e a do Cedefes.
Pois bem, quando eu disse limpeza étnica como instrumento, isso é sim instrumento, ora pois, se um estado produz alimento e este não alcança toda a população é porque o governo instituido usa a fome como ferramenta, tanto de controle como de limpeza étnica.
Eu não disse que concordava.Mas agora já nos entendemos.
Eu agradeceria, se a senhora desfizesse esse mal entendido também com as pessoas às quais deliberou meu “post”, pois se tem uma caracteristica que eu não possuo, é de racista!
Obrigado.
Prezado Tiago,
antes de mais nada, tenhamos calma. Infelizmente seu comentário não ficou claro quanto à ironia. Na verdade, de todas as pessoas que o viram só uma teve dúvidas quanto ao que você efetivamente queria dizer. E mesmo essa considerou uma certa dubiedade no que estava sendo dito. As demais, como eu, ficaram indignadas, considerando sua menção à lavagem étnica como algo que estaria sendo defendido por você.
Que bom que não foi essa a sua intenção. Se estamos na mesma luta, ótimo!
Que este episódio tenha servido para aprendermos algo mais, inclusive sobre os equívocos aos quais o uso da ironia (que também uso muito e também já me causou problemas) pode às vezes nos conduzir.
Cordialmente,
Tania.
Mas oque é isso!!?Ouvi dizer que pessoas interpretaram errado meu texto irônico e verdadeiro…
Tá achando que sou fascista?Pois é muito pelo contrário, fascista são: Todos os governos que controlam a mídia.Isso inclue uma gama de Estados ocidentais e orientais, na verdade minha teoria aponta que todos os estados são fascistas nos dias de hoje.E se realmente se indignou devido a uma má interpretação, deveria ter me respondido com um email, ficaria feliz em esclarecer meu ponto de vista.Mas, ao invés disso me acusou de racismo!
Explicando:
É fato que a produção de alimento cresce, o Brasil é um exemplo de disperdicio de alimento, pois aí confirma-se minha afirmativa “País que tem fome tem limpeza étnica”,todos os paises são capazes de produzir alimento, já temos tecnologia para isso, até Israel produz alimento(alem de desertico existe a escassez de agua).Isso é fato!E só pra lhe informar eu sou contra limpeza étnica, acho um absurdo alguem pensar o contrário.Em nenhum momento de meu texto dissa que concordava com alguma coisa, apenas demonstrei fatos.Impressionante, de verdade, como alguém é capaz de ler e não entender, já que todas as virgulas estão no lugar certo.
E quando digo nenhum estado irá ratificar, é porque é de interesse destes não ratificarem um tratado que diminuam seu poder de expandir o mercado e a produção, apenas organizações civis tem o interesse numa qualidade de vida mais verde.
A respeito da China, bem, eles aderiram o modo de consumo ocidental por isso vão poluir indiscriminadamente, e não tem justificativa para coibílos já que fazemos o mesmo pelas bandas de cá.
E claro, o desculpe no final, disse isso porque é vã a luta entre individuos e estados, já que vivemos uma democracia representativa, mas o estado não instrui a maior parte das pessoas.
Agora eu quero saber, se possivel, como você conseguiu interpretar diferente?
Faltou o “Heil!” no final…
Mas nenhum estado irá ratificar documento que o proibe de poluir e usar seus recursos indiscriminadamente. Rsrs, tá preocupada agora?Imagina quando cada chines tiver um carro!E não há justificativa plausivél para recriminar o crescimento chines, digo isso porque se vc acha que os EUA poluem muito, espere e verá o maior mercado consumidor do planeta crescendo.Oque diremos a eles(china)?”Não cresça não, não polua..é insustentável…”Só nos paises fascistas em que o governo controla a mídia é que cola essa conversinha de insustentável é feio e por isso os preços aumentam…Tá preocupada com o planeta?Só vai piorar, e não há nada que se possa fazer. E a respeito de fome e pobreza, isso são problemas(instrumentos) nacionais, país que tem fome tem limpeza étnica.Me desculpe!