A carta abaixo foi endereçada ontem por Giane Vargas Escobar, candidata a uma vaga no doutorado em Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria, e enviada para Orlando Fonseca, Pró-Reitor de Graduação; Carlos Alberto Ceretta, Pró-Reitor Adjunto de Pós-Graduação; e Paulo Silveira, Presidente da Comissão de Ações Afirmativas na UFSM. Uma cópia foi postada por Rubinei Silva Machado na lista do Cedefes. Vale torná-la pública. Os grifos são da autora. TP.
“Ontem, no Diário de Santa Maria, li o texto intitulado “Vestibular”, de autoria do Prof. Dr. Orlando Fonseca e diante dele faço algumas reflexões.
De fato muitas ações já se tornaram tão “naturais e normais” tanto para quem quer ingressar na UFSM ou qualquer outra Universidade quanto para quem tem o poder de selecionar, como por exemplo, uma banca de Doutorado.
Os protecionismos e os QIs ainda prevalecem e foi isto que presenciei e vivenciei no processo seletivo do qual participei na UFSM no Curso de Comunicação no início deste ano de 2012.
Aqui falo especificamente do meu caso na UFSM, ao participar de processo seletivo da primeira turma de Doutorado na UFSM, para o qual fui aprovada e selecionada como “suplente” de uma candidata que só concluiu seu Mestrado, com defesa de sua dissertação, em 16/03/12, após o início das aulas na UFSM.
Após recurso administrativo que protocolei nessa UFSM e ter conversado com a Coordenadora do Curso Profa. Eugênia Maria Mariano da Rocha Barichello, bem como outros professores do Curso, eles me deixaram ainda mais perplexa com a forma como agiram na seleção, pois conforme palavras deles e de forma “natural”, em reunião que solicitei para verificar a primeira resposta do Colegiado ao meu processo, estas foram as pérolas que recebi como resposta às minhas indagações:
“Giane, seu projeto (com peso 4, fiquei com 3) é excelente, seu currículo é ótimo (9,3), mas…”
“a preferência em nossa seleção sempre será para nossos egressos, ou seja, para nossos alunos do mestrado”;
“Giane, nós temos dificuldade em orientar seu trabalho, pois não temos professores especialistas em sua temática (negros e mídia)”!
“Giane, você vem de uma outra área e por isto também o seu rebaixamento para a condição de suplente!” (o processo seletivo foi aberto a outras áreas do conhecimento!)
“Giane, se eu pudesse criaria uma vaga para você, mas espere a próxima abertura de edital e concorra novamente!”
Na terça feira, dia 13 de março, o teórico Muniz Sodré ministrou Aula Magna promovida pela POSCOM – Pós- Graduação em Comunicação Midiática da UFSM. A atividade aconteceu às 14 horas, no auditório do prédio 67 no campus da UFSM e ao final contou com a minha manifestação.
Muitos que estavam presentes no local ficaram surpresos, pois não me conheciam, mas ouviram em silencio tudo o que eu tinha para dizer, ou melhor, o que consegui naquele momento de tensão dizer, pois conforme Prof. Orlando comenta em seu artigo “são poucas as vozes públicas a se levantar contra o uso de artifícios escusos na escola ou na universidade”.
Naquele momento pedi a palavra para falar sobre o orgulho de ter um teórico negro presente na Universidade e expus ali a minha situação, afinal se a universidade quer ter professores negros/as ela precisa formar esses professores/as e o Doutorado é a porta de entrada para isto.
Abaixo, seguem os erros detectados no Processo de Seleção e a justificativa dos Professores Doutores, que compuseram a banca e avaliaram o meu recurso, o qual não obteve êxito, nas duas instâncias dentro da UFSM:
– Todos os 17 candidatos aprovados e classificados tem “título de Mestrado” o que foi exigido no ato de inscrição (1ª Etapa) conforme o edital, porém, há registro de candidata que ainda não havia defendido a dissertação de Mestrado e foi classificada para o Doutorado em Comunicação, inclusive já matriculada, pois as aulas na UFSM já começaram.
– A “Ata da Sessão Ordinária” datada de 29/02/12, a qual só pude acessar só em 13/03/12, após muita insistência, consta que a minha graduação é em História, o que justificaria, segundo a banca, meu “rebaixamento” para suplência e a falta de adequação teórico-metodológica. Porém, a minha graduação é em Letras – Português/Inglês. Respeitando o item 2.2 do edital, que diz:
“2.2. Candidatos: Profissionais e docentes com título de Mestrado na área de comunicação e áreas afins (Ciências Sociais aplicadas e Humanas), Linguistica, Letras e Artes.”
Confirmando a provável desconsideração do Colegiado na análise da minha documentação, ainda se verifica:
“A candidata argumenta que gostaria de saber seu desempenho, o qual constituiu das três provas, conforme consta do edital, a saber, do projeto com peso quatro (4), a entrevista com peso dois (2) e o currículo com peso quatro (4). Sua nota total foi de sete vírgula sete (7,7), sendo a nota total constituída de nota parcial de sete vírgula cinco (7,5) no projeto que, com peso quatro (4), converte-se em nota três (3) adicionado a nota cinco (5) na entrevista que, com peso dois (2) converte-se em nota um (1), somando-se ainda a nota nove vírgula três (9,3) no currículo que, com peso quatro (4), converte-se em nota três vírgula sete (3,7), totalizando os sete vírgula sete (7,7) no total.”
“Os presentes ponderaram que a alta nota do currículo deve-se a uma excelente produção da candidata, em que pese ser em área alheia à Comunicação, pois a candidata é graduada em História com Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural. Taís características explicam a falta de adequação teórico- metodológico e os consequentes descontos no projeto de pesquisa e também na entrevista, dado que não basta trabalhar com material de jornais para que uma pesquisa se caracterize como pesquisa em Comunicação. Assim sendo, o desempenho da candidata justifica sua condição de suplente”.
Os trechos provam que houve uma análise do meu currículo, mas se de fato foi criteriosamente analisado, como explicar o grave erro ao afirmar que sou graduada em História?
Pergunto-me:
1. Qual a validade de um processo seletivo que abre exceções que não apareciam no edital, como vagas para mestrandos na primeira etapa de inscrição para o Concurso?
2. Como passar despercebido o título de graduação na seleção, considerando que os meus dados encontram-se publicados online em páginas científicas como o Currículo Lattes e era exigência que todos os candidatos encaminhassem via correio, em suporte papel, todos os seus títulos?
3. Como confiar nos processos de seleção que apenas dialogam por meio de processos internos?
4. Será que é “natural”, por exemplo, uma primeira Turma de Doutorado da UFSM hegemonicamente branca? Onde está a igualdade de oportunidades, a inclusão étnico-racial e a equidade tão pregadas em discursos calorosos de certos gestores públicos e que se encontram muito bem definidos no Estatuto da Igualdade Racial aprovado por Lei em 2010 e que deveria ser respeitado?
5. Será que a Universidade quer ter professores negros/as?
6. Será que a Universidade que ter doutorandos e mestrando/as negros/as?
7. Será que não está na hora da Universidade Pública pensar em cotas raciais também nos processos seletivos na Pós-Graduação e nos Concursos para Professores/as, pois O discurso da “meritocracia” é utilizado para manter o “status quo”, ou seja, para garantir a exclusão dos negros/as dos espaços institucionais e de poder, mas, inversamente, quando demonstram seu potencial, o mesmo critério não serve para contemplar a metade de nossa população, já que os afro-brasileiros representam 56% desta nação?
A minha fala naquela aula magna foi no sentido de não ficar calada diante da injustiça e violação de direitos que aconteceu no processo seletivo ao Doutorado 2012 na UFSM. Outros processos seletivos virão, pois este não é o único deste país, mas na minha concepção é necessário denunciar para que outros possam ter a certeza de que a justiça foi feita e que realmente ali estão pela sua competência e produção.
“Não se trata de “criar uma vaga” para mim e sim de dar à vaga a quem de direito a mereceu”.
Perdi o processo interno na UFSM, mas não a vontade de fazer justiça frente aos meus direitos e de muitos que ainda passarão por estas situações constrangedoras, mas que precisam ser denunciadas para que alguma coisa mude nos processos seletivos nas universidades.
Não podemos nos contentar com processos de seleção duvidosos, que ferem nossos direitos e nos desqualificam erroneamente.
Hoje, 21 de março de 2012 é Dia Internacional de Luta e Combate ao Racismo, pois em 21 de março e 1960, em Shaperville na África do Sul, mulheres e crianças que participavam de um ato contra a Lei do Passe, foram fuziladas pela polícia do regime apartheid. Em 1969 a ONU instituiu este dia como o dia Internacional de Combate ao Racismo.
Na atualidade as formas de racismos são veladas, sutis, porém devastadoras e se materializam na falta de igualdade de oportunidades, bem como nas barreiras no acesso aos espaços de poder.
[Em anexo, alguns documentos do meu processo administrativo].
Giane Vargas Escobar
Mestre em Patrimônio Cultural/UFSM
Especialista em Museologia/Unifra
Santa Maria – RS