O tema nkisi aplica-se a diferentes categorias de objetos que se inscrevem num sistema global de representações, exprimindo as relações entre os humanos e o sobrenatural e os homens entre si. Fazem parte de um pensamento comum a todos os grupos Kongo e, apesar das múltiplas exegeses conforme as situações e o sujeito que os lê, obedecem a um mesmo sistema de interpretação. O seu valor reside no que não pode ser visto, nas forças espirituais e indeterminadas que um nganga nkisi, habilitado a manipulá-las fixa neles.
Os minkisi (plural de nkisi) mais importantes são osbeteke e os nkonde. Os beteke são as grandes estátuas e os nkonde são as menores, ambas suscetíveis de atacar e de anular as intenções agressivas. Habitualmente tomam a forma de pessoas, homens, mulheres e raramente crianças, ou de animais particularmente, o cão, o leopardo e o crocodilo. Apesar do conteúdo do nkisi ser de substâncias e ações do nganga, a forma animal ou humana parecem facilitar a relação entre os crentes e as entidades abstratas.
Sem que haja um conhecimento preciso, o escultor dos objetos rituais não era um escultor comum, mas um artista que teria tido uma aprendizagem não só técnica mas também religiosa e mágica relativa aos materiais, instrumentos e ao ato de esculpir que por si só já era capaz de conferir poder à imagem.
Apesar das diferenças, os nkisi humanos apresentam uma fisionomia e materiais comuns, suscitando algumas questões relativamente aos significados das expressões e ao uso recorrente de certas matérias.
Embora considere que o significado destes objetos não reside na dissecação dos elementos que os compõem, mas antes nas ações, lugares, expectativas e emoções que são capazes de provocar nos crentes e nos oficiantes, o secretismo que envolve os cultos propiciatórios ou de agressão em que participam faz com que muito pouco se saiba deles, apesar e também por causa disso, o impacto que provoca a quem os olha.
Os olhos grandes e abertos entalhados na madeira, feitos de concha, porcelana ou vidro e uma pupila em resina, que supostamente metiam medo às pessoas, visualmente reenviam à água e à linha kalunga que na cosmologia Kongo separa a terra dos vivos da dos mortos. Considerando o próprio corpo um código para o Cosmos, a colocação das medicinas em vários pontos (barriga, sexo e provavelmente dentro da cabeça) indica a capacidade do nkisi atuar em ambos os mundos. Um poder reforçado pelo mpu, ou a calote do chefe, que fortalece a capacidade mística em alcançar o outro mundo.
A boca geralmente aberta, mostrando uma dentição perfeita com os incisivos talhados e a língua particularmente visível, podia querer significar as conjurações ou as lambidelas nos pregos que se colocavam no corpo da imagem, provavelmente para tornar mais estreita a relação entre o espírito donkonde e o consulente.
Os pregos espetados no corpo, braços e pernas, conforme o número de apelos, chamavam-se mbau, cada um representava um pedido ao nkisi para entrar em ação. Um nkonde poderia ser solicitado dez ou vinte vezes por dia, todavia semelhante número arriscava mergulhar o espírito do nkisi na mais total confusão.
Quando a ponta de ferro trazia junto um pedaço de cabelo, tecido, ráfia, corda, ou outras relíquias significava uma forte intenção do pedido. O crente dessa forma pretendia tornar explicita a vontade que o nkonde, não perdesse de vista nem o culpado nem o queixoso. Quando um pequeno embrulho era pregado numa ponta, poderia querer dizer que o consulente aceitava perder a própria vida se não cumprisse com as suas obrigações rituais.
“Quando o Negro obteve o desejado faz retirar o prego também através do nganga. Negligenciar retirar o prego transformaria o nkonde em ndoki; e se o preço por uma invocação podia custar duas, três galinhas ou uma cabra; a operação contrária custava o dobro, entretanto ninguém arriscaria semelhante esquecimento. O receio de ser vítima da força que o próprio desencadeou é muito vivo” (J. Maes citado por Louhard 1980:188 ).
Os vestígios de terra vermelha espalhados no corpo indicam que foi esfregado com a uma das substâncias mediadoras do visível e do invisível, provavelmente também aspergida com o sangue dos animais sacrificados e ainda com cuspidelas de noz de cola mascada, comida e bebidas próprias dos rituais propiciatórios em que se inserem os nkonde.
O espelho é talvez a matéria importada com mais ressonância nas celebrações mágicas e apresenta-se como uma imposição à escultura religiosa Kongo. Servindo para tapar o bilongo, “a medicina mágica”, o espelho transformou-se no centro das atenções propiciatórias, confundindo-se com o próprio produto mágico. Pensa-se que o nganga terá substituído o reflexo da água, no qual interrogava o invisível, pelo espelho passando a solicitá-lo na identificação dos perigos.
O tecido importado que cobre parte do corpo dos nkisi tomou o lugar dos tecidos tradicionais – que desapareceram praticamente no século XX – passando a desempenhar as mesmas funções nas oferendas rituais e nos funerais para envolver o corpo dos mortos, e maneando o valor simbólico do uso ritual das fibras e das roupas de fibras vegetais. A ráfia e as fibras dos ananaseiros e de outras árvores, posteriormente os tecidos de algodão, simbolizavam a mudança de pele, o processo reprodutivo e o estatuto de “transição” ou “renascimento” nos rituais iniciáticos e de transformação, incluindo a morte.
A presença do metal, para além dos pregos, um dos exemplares apresenta duas molduras que enquadram os espelhos, tinham uma aplicação muito apropriada nos nkisi visto o conceito mais fortemente vinculado ao metal ser o da ligação dos dois mundos e a transformação das situações.
As substâncias mágicas sempre encobertas pelo espelho, envoltas em tecidos e agarradas ao corpo, numa bola de trapos ou de cera na ponta de um pau ou aos pés da imagem, são compostas de elementos de origem humana, vegetal, animal e manufaturada, cuja fórmula era do conhecimento exclusivo do nganga e sobre os quais operava nos rituais de exorcização ou de cura.
A análise dos componentes do bilongo coloca-nos diante de uma ideia chave no pensamento Kongo, a capacidade do mundo invisível fazer eco no mundo das coisas materiais e conhecidas -qualquer substancia, objeto banal ou exótico tem diferentes níveis de interpretação e modos de uso, através deles o nganga pode penetrar no mundo invisível.
As relíquias humanas podem ser retiradas dos vivos ou dos cadáveres.: a pele, os pelos da barba e do corpo e os ossos, são os elementos materiais que o nganga extrai tanto de um cadáver, acompanhado de um ritual preciso, como de uma pessoa viva. Quando feito sobre uma pessoa contra a vontade, as consequências podem ser nefastas, pois o detentor de uma relíquia pode atingir a saúde ou a vida pelo simples fato de através de uma parte do corpo ser possível atingir os fluidos imateriais, a parte dominante e vital do corpo humano: o coração, o sangue, o sopro, o ar que se expira, a saliva, a transpiração, os cinco sentidos e certas faculdades paranormais, sorte, beleza, talento e premonição.
As substâncias animais que entram na composição mágica que o nganga controla são unhas, pelos, dentes retiradas das caçadas, e estão associadas à autoridade e às virtudes próprias a cada animal.
A resina que também aparece sempre num nkisi, não serve apenas para colar o bilongo. A que é extraída de uma árvore (Copaifera Demeuseii) encontra-se num estado semi-fossilizado e simboliza os excrementos celestes, ndingi, deixados na terra pelos ventos.
Os elementos minerais: argilas branca e vermelha e todas as substâncias brilhantes e translúcidas (mica e quartzo), são investidas de um poder mágico.
Qualquer objecto perdido, abandonado, comprado ou dado por um branco, botões de madre -pérola, cacos de cerâmica, chumbo, latão, estanho, sinos, gongos, chocalhos, facas, colares, pulseiras de cobre ou latão, cordas, ou qualquer objeto manufaturado pode entrar na assemblage –nkisitransformando-se em suportes do imaterial.
O lugar onde os minkisi ficavam guardados dependia do papel e da importância que tinham na sociedade. Os dos rituais de iniciação das sociedades secretas, permaneciam num abrigo dentro de um espaço cercado, longe dos olhares indiscretos, no final eram secretamente guardados pelos mestres das organizações.
O nkisi nsi cuja vocação era proteger a coletividade da terra, era colocado num abrigo à entrada da povoação ou numa praça e, apesar de poder ser visto por todos, ninguém se fixava no olhar altaneiro e ameaçador da imagem que repelia os maus olhados. Os de uso profilático e curativo permaneciam junto do nganga.
Muitos dos nkonde foram encontrados no coração da floresta sagrada e de difícil acesso, não se sabe se era por serem particularmente poderosas as forças com que lidavam obrigando-os àquele distanciamento ou se foram deslocados dos santuários habituais para os esconderem dos missionários e administradores coloniais.
Fonte: Buala