São Paulo para poucos?

Por Raquel Rolnik*

“Para morar nesta cidade [de São Paulo], [para] ser cidadão nesta cidade, tem que trabalhar, tem que ter recurso, tem que ter condição de pagar. Quem não pode, infelizmente, tem que sair ou ir para cidades menores.” Esta declaração da diretora da regional Norte da Secretaria Municipal de Habitação de São Paulo, feita numa reunião com moradores da favela da Coruja que perderam suas casas num incêndio no mês passado, foi amplamente divulgada na imprensa esta semana. Em reposta, a Secretaria afirmou que fará uma investigação interna para apurar o caso.

Hoje recebi um e-mail de uma funcionária da Secretaria que diz ter se sentido muito triste ao ler as notícias sobre as declarações da diretora e que acha que os jornais não apuraram devidamente o que ocorreu. “É pela convivência de quase um ano de trabalho, de muito sacrifício junto com os trabalhadores da Habi Norte, desde os técnicos até o pessoal administrativo, que enfrentam o rosto da problemática no dia a dia, que é meu dever, encaminhar este simples relato”, diz. Ela afirma que não concorda com a atual política habitacional da cidade, mas defende a diretora e diz que “[…] a administração pública com a justificativa de ‘apurar os fatos’ joga um véu de duvida, onde honestos e não, são confundidos.”

Obviamente não se trata de investigar o que pensa e o que disse uma diretora, instaurando um clima de caça às bruxas dentro da Habi Norte, onde, certamente, há profissionais comprometidos com o direito à moradia da população. O que de mais importante uma declaração como esta pode nos trazer é uma reflexão e discussão sobre as políticas habitacionais da nossa cidade. Ninguém de bom senso pode acreditar que uma bolsa-aluguel provisória de R$ 300,00 seja solução para famílias como as da favela da Coruja que perderam suas casas num incêndio ou outras que não têm a menor condição de entrar no mercado habitacional, mesmo de programas como o Minha Casa Minha Vida.

Uma declaração como esta, portanto, precisa nos levar a reafirmar, no debate público, que a missão da Secretaria Municipal de Habitação (em conjunto com outros órgãos da própria prefeitura e dos governos estadual e federal) é garantir o direito à moradia para todos, independentemente de sua renda. É este justamente o sentido de uma política pública – corrigir, compensar, redistribuir aquilo que a lógica pura do mercado aloca de forma desigual. Que políticas, portanto, estão sendo desenvolvidas e implementadas no âmbito da Secretaria de Habitação para garantir o direito à moradia adequada para todos? Esta é a reflexão que precisamos fazer, especialmente neste momento em que o país passa por um boom econômico que, por um lado, mais do que nunca, representa a oportunidade de avançar na efetivação de direitos da população, mas que, por outro, nos coloca diante do risco de que o processo de desenvolvimento econômico, ao invés de incluir finalmente a todos, esteja concentrando e excluindo ainda mais.

*Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.

São Paulo para poucos?

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