O relato da CPT: “Dia de terror no V Distrito de São João da Barra”

Denúncia enviada por Jorge Borges: “A narrativa abaixo foi produzida por uma agente da Comissão da Pastoral da Terra RJ/ES que esteve acompanhando a remoção de agricultores que ocorreu ao longo deste dia 12 de março no V Distrito de São João da Barra pela Companhia de Desenvolvimento Industrial (CODIN) do estado do Rio de Janeiro.

A mensagem é longa e clara! Direitos garantidos pela Constituição Estadual estão sendo literalmente pisoteados para entregar as terras ocupadas por centenas de famílias de pequenos agricultores ao Grupo EBX e à empresas multinacionais como o grupo ítalo-argentino Technint.

É fundamental que a verdade seja conhecida, e que a devida solidariedade e apoio jurídico sejam dados às famílias que continuam resistindo a este grande conjunto de arbitrariedades!”

DIA DE TERROR DE TERROR NO V DISTRITO DE SÃO JOÃO DA BARRA

Ainda sob efeito do choque e quase sem forças, tento registrar os crimes de violação de direitos humanos que aconteceram hoje (13/03/2012) contra os pequenos agricultores do 5º Distrito de São João da Barra e que presenciei alguns.

Às 6 h da manhã o primeiro sítio teve sua casa e plantação demolidas. Quando o agricultor chegou não havia o que fazer. Desesperado, sem notificação prévia… ele foi algemado e levado para a Delegacia de Polícia em São João da Barra.

Dando continuidade aos desmandos – que contam com grande força policial e com agentes à paisana “armados até os dentes” – oficiais de justiça se dirigiram para o sítio do Sr. Totonho [ver vídeo “Narradores do Açu”, com entrevista do Sr. Totonho e a história de tudo isso no final deste post], um sítio que ele cultiva desde menino e que até ontem ele alimentava fartamente com frutas, milho e verduras a comunidade e os amigos que lá chegavam.

O Sr. Totonho, um sábio camponês, idoso, que tem na “palavra dada”o compromisso selado, constrangido e coagido assistiu à destruição de sua roça de milho, maxixe, abóbora e de suas fruteiras centenárias.

Imediatamente à imissão na posse, as máquinas entraram no sítio e o mesmo, vigiado pela força da PM durante todo o dia, ganha uma vala ao redor. Destruíram em poucas horas o que uma família camponesa levou décadas para construir embaixo de sol e chuva.

Como diz Sr. Totonho: eles querem deixar tudo virar “areia branca”.

Durante o dia de hoje e ao longo do processo de “desapropriação”, que tem se caracterizado por expropriação e esbulho, presenciamos a Constituição Estadual/RJ ser desrespeitada pelo próprio Estado.

Os artigos abaixo foram violados, social e ambientalmente:

Art. 265 – Os projetos governamentais da administração direta ou indireta, que exijam a remoção involuntária de contingente da população, deverão cumprir, dentre outras, as seguintes exigências:

I – pagamento prévio e em dinheiro de indenização pela desapropriação, bem como dos custos de mudança e reinstalação, inclusive, neste caso, para os não-proprietários, nas áreas vizinhas às do projeto, de residências, atividades produtivas e equipamentos sociais;

II – implantação, anterior à remoção, de programas socioeconômicos que permitam às populações atingidas restabelecerem seu sistema produtivo garantindo sua qualidade de vida;

III – implantação prévia de programas de defesa ambiental que reduzam ao mínimo os impactos do empreendimento sobre a fauna, a flora e as riquezas naturais e arqueológicas.

Art. 266 – O Estado promoverá, com a participação dos Municípios e das comunidades, o zoneamento ambiental de seu território.

§ 1º – A implantação de áreas ou pólos industriais, bem como as transformações de uso do solo, dependerão de estudo de impacto ambiental e do correspondente licenciamento.

§ 2º – O registro dos projetos de loteamento dependerá do prévio licenciamento na forma da legislação de proteção ambiental.

§ 3º – Os proprietários rurais ficam obrigados, na forma da lei, a preservar e a recuperar com espécies nativas suas propriedades.

Os agricultores despejados não tiveram pagamento prévio, não têm noção de onde irão “restabelecer seu sistema produtivo garantindo sua qualidade de vida”; pelo contrário, estão perdendo o gosto pela vida sendo constrangidos com a ação da polícia militar, homens armados que o fazem sentir verdadeiros bandidos. Imagine vocês: um camponês que compra na venda sem assinar nada e paga fielmente suas contas, que enfrenta boi bravo, seca, enxurradas e uma vida familiar fértil de alimentos sendo tratado dessa forma?

Além das condições de vida digna estão retirando desses agricultores sua condição de existência e outros bens que são de ordem imaterial, como por exemplo a derrubada de uma árvore que foi plantada por quatro gerações passadas, e a infertilidade do solo (através da salinidade de areia branca do mar que está sendo despejada em todo canto), que também foi cuidado durante várias gerações e tornou-se uma terra onde “corria leite e mel”.

Acompanhando a terceira “desapropriação” do dia encontramos um agricultor de 69 anos de idade. Em seu processo consta “Réu Ignorado”, apesar do mesmo declarar que tem os documentos da terra, que procurou a justiça para dizer que é o dono mas que permanece como ignorado. Em sua terra criava algumas cabeças de gado e peixe.

Quando chegamos, impedidos de entrar no sítio pela polícia militar, descobrimos que a Imissão na Posse não foi entregue pelas oficiais de justiça ao pequeno agricultor. Além do tanque de peixe que já estava sendo enterrado, vários cavaleiros tentavam laçar o gado, fato que o assustou fazendo romper as cercas, só sendo alcançados três.

A oportunidade de falar com um dos cavaleiros, que portava um rádio de comunicação igual ao do funcionário da CODIN, revelou que eles não têm carteira assinada, que recebem um telefonema de uma pessoa e vão lá e fazem o serviço, mas não sabem para quem trabalha.

O representante da CODIN disse que não sabe para quem os cavaleiros trabalham e a oficial de justiça afirmou o mesmo, apesar dos representantes da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ perguntarem: os cavaleiros estão participando da ação de desapropriação? Sim.

Porém, ninguém soube dizer qual firma os contrata “clandestinamente”, como se diz por essas terras. Os agricultores chegaram afirmar que havia crianças como cavaleiros e que espalharam o gado aleatoriamente, sem nenhum preparo.

Poderíamos nos perguntar: “Ora, que importância tem esse fato?” O gado representa uma ferramenta de trabalho, não é um animal doméstico, e sim ele gera sobrevivência desses camponeses.

Durante o dia, três despejos. Os camponeses, dois deles idosos, perguntaram: que Justiça é essa? Que lei é essa que só favorece os grandes?

Chegaram logo à conclusão que o poder econômico do Sr. X, em São João da Barra está implantando uma terra sem lei.

Até quando?

Ainda temos esperança que diante de tantos crimes de violação de direitos humanos e ambientais e, desrespeito às constituições estadual e federal a Justiça será feita e, os camponeses e camponesas descobrirão a força que têm, da mesma forma que hoje os bois descobriram a sua, quando romperam “as cercas que os perseguiam” em uma operação desumana!

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