Veja a respeito, neste Blog: Paraná: o extermínio dos Xetá e da floresta
Umuarama – A demarcação de uma área para abrigar os últimos remanescentes da etnia Xetá no Paraná continua na estaca zero. Aberta no início dos anos 2000, a discussão parou nos corredores da burocracia e hoje, passada mais de uma década, a reserva indígena – que deveria ser localizada entre o distrito de Serra dos Dourados, em Umuarama, e a cidade de Ivaté – ainda não está demarcada.
Para complicar ainda mais a já complexa situação, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que tramita no Congresso Nacional desde março de 2000, prevê a transferência, do Executivo para o Legislativo, do poder para aprovar a demarcação de terras indígenas (veja box). E, no Congresso, a “briga” também está bastante complicada.
O local originalmente previsto para abrigar a reserva indígena dos xetás teria uma área de 12 mil hectares, entre os municípios de Umuarama e Ivaté. Esta área, porém, engloba dezenas de propriedades rurais, muitas delas em franco processo de produção de alimentos, e a possibilidade de perder as terras para a reserva indígena vem causando indignação nos donos destas áreas.
O presidente do Sindicato Rural de Ivaté, Júlio César Meneguetti, destaca que qualquer solução deve levar em conta a situação dos produtores rurais instalados na área prevista para a reserva. Ele já repassou informações sobre o caso ao governador Beto Richa e ao secretário da Agricultura, Norberto Ortigara, e obteve deles o compromisso de apoio aos produtores rurais.
O presidente da Sociedade Rural de Umuarama, Júnior Peres, também declarou que uma solução não pode excluir os interesses dos produtores rurais da região. “Eu sou a favor dos produtores, alguns deles estão instalados naquelas áreas há mais de 40 anos, não pode agora simplesmente alguém chegar e dizer que eles precisam sair para que possa ser criada uma reserva indígena”, afirmou Peres ao Ilustrado.
Encontros
Ao longo da última década, enquanto se arrastaram as discussões para a demarcação da reserva indígena dos xetás, diversas reuniões foram realizadas com participação de entidades ligadas ao meio indigenista e aos produtores rurais. Em nenhuma das ocasiões, no entanto, houve avanços nas negociações, tendo em vista a complexidade do assunto e os interesses envolvidos, tanto da parte de ambientalistas quanto dos ruralistas.
O embate entre estas duas classes, aliás, se repetiu durante as discussões para aprovação do Código Florestal, no ano passado. Como o próprio Código ainda depende de ajustes para sua efetiva aprovação no Congresso Nacional, a luta continua forte. E, ao que tudo indica, não deve surgir uma solução tão cedo, já que muita gente discorda da destinação de 12 mil hectares de terras para abrigar menos de uma centena de indígenas, ainda que estes pertençam a uma etnia praticamente em extinção.
PEC repassa poder de demarcação ao Congresso
Na esteira das intensas discussões sobre a demarcação de terras indígenas em todo o território nacional, um “novo” fator deverá entrar na equação ainda neste ano. Este “novo” fator – que de novo só tem o nome – é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, que “inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação das demarcações já homologadas”.
A PEC 215 tramita no Congresso Nacional desde março de 2000, quando foi apresentada para discussão pelo então deputado federal Almir Sá, de Roraima. Em janeiro de 2003 o texto foi arquivado, mas em maio de 2004 a proposta recebeu um novo relator, o deputado paraibano Luiz Couto, que em 2005 apresentou parecer pela inadmissibilidade (rejeição) da PEC.
Em 2008, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados desarquivou a PEC e determinou à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) que designasse novo relator para o tema. Desta vez o escolhido foi o carioca Geraldo Pudim, e apesar do parecer favorável à PEC emitido por ele, mais uma vez a matéria foi arquivada.
Por fim, em 2011, mais uma vez a Mesa Diretora desarquivou a PEC e o umuaramense Osmar Serraglio recebeu a relatoria. Serraglio emitiu parecer favorável à PEC, mas até o presente momento, devido a manobras regimentais, o parecer não foi votado. O deputado paranaense, porém, informou nesta semana que existe um acordo para votação do parecer ainda no primeiro semestre deste ano.
Interesses
Por trás desta disputa de votações e arquivamentos está o interesse da influente bancada ruralista do Congresso Nacional. Deputados e senadores que defendem o agronegócio têm interesse em tomar para si e seus pares o poder de definição sobre a criação de reservas, para impedir que aconteçam novos casos como o da Reserva Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima, que possui mais de 1,7 milhão de hectares e abriga cerca de 20 mil índios.
Para se ter uma ideia de como está o nível da discussão no Congresso, o líder da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado federal Moreira Mendes (RO), afirmou no final do ano passado que “há uma criação indiscriminada de terras indígenas no país”. “Cada reserva indígena que se cria resolve o problema de meia dúzia de índios, mas cria problemas a milhares de outras pessoas”, atacou Mendes, em entrevista ao jornal Valor Econômico.
Por outro lado, o coordenador da Frente Parlamentar pelos Povos Indígenas, deputado federal Padre Ton (RO), sustenta que “se já é difícil conseguirmos (demarcações de terras) com o Executivo, imagine com o Parlamento, que é muito mais conservador e anti-indígena”. Pelo visto, infelizmente, a batalha seguirá forte, seja no Congresso ou fora dele.
Funai desconhece situação real
Diante de toda a insegurança jurídica que permeia a criação de novas reservas indígenas no Brasil, o órgão responsável pelos índios no país não possui informações consistentes sobre a real situação da criação da reserva xetá entre Umuarama e Ivaté. A reportagem do Ilustrado tentou contato nesta semana com diversas instâncias da Fundação Nacional do Índio (Funai), mas não conseguiu obter uma resposta sobre o andamento do processo.
O périplo por informações começou no escritório da Funai no Paraná, com sede em Curitiba. De lá, a reportagem foi orientada a buscar dados na Coordenação Regional de Chapecó (SC). Neste local, porém, o coordenador Pedro Possamai e o auxiliar João Batista estavam em reunião e não puderam atender a reportagem, que foi orientada a buscar os dados diretamente na sede do órgão, em Brasília.
Na capital federal, o Ilustrado tentou contato com três coordenações distintas, mas a busca por informações foi infrutífera. Na Coordenação Geral de Assuntos Fundiários (CGAF) ninguém soube informar a realidade atual, e fomos transferidos para a Coordenação Geral de Geoprocessamento (CGEO), onde a resposta foi a mesma. Por fim, a reportagem tentou contato com a Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID), onde a secretária informou que o coordenador estava em reunião e retornaria a ligação. Até o fechamento desta reportagem, no entanto, não obtivemos retorno.
http://www.ilustrado.com.br/2011/ExibeNoticia.aspx?Not=Terra%20dos%20Xet%C3%A1s%20continua%20indefinida&NotID=19734