Maria Clara Prates –
A venda irregular de terras da União para assentamento de trabalhadores rurais é responsável por 35% de todas as exclusões de beneficiários do programa de reforma agrária, de acordo com levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Por causa disso, entre 2001 e 2011, 103 mil famílias perderam o direito à terra, ou seja, 13% do total de 790 mil assentadas em todo o país. Se os números já impressionam, o espanto pode ser ainda maior, porque o próprio Incra admite a existência de subnotificações.
Em todo o país, o estado que coleciona os piores índices, proporcionalmente, de reforma agrária é Roraima, onde 19,8% dos beneficiários foram excluídos do programa. No estado, 15.765 famílias foram beneficiadas, mas mais de 3,4 mil desistiram de explorar a terra. Em Minas Gerais, onde o Incra admite haver irregularidades em todos os 266 projetos de assentamento, o índice é de 13%. Com a série de reportagem intitulada Terra improdutiva, publicada desde o dia 11, o Estado de Minas constatou problemas em projetos de reforma agrária nas regiões Norte, Noroeste, Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro, nos municípios de Ibiá, Uberlândia, Bocaiuva, Várzea da Palma e Janaúba.
Os problemas vão de abandono do terreno, revenda ilegal, construção de igrejas evangélicas, grilagem da terra por fazendeiros, criadores de gado e cavalos, comerciantes e até mesmo padres. Nos últimos 10 anos, o instituto selecionou, em Minas, 15,5 mil agricultores familiares para a reforma, mas 2 mil deles abandonaram os terrenos ou os repassaram a terceiros.
Quando se analisa o problema por regiões brasileiras, a campeã de irregularidades é a Centro-Oeste, com índice de 19,8% de exclusões entre os assentados. Os números demonstram o tamanho do problema: 149,8 mil agricultores familiares foram beneficiados e 29,6 deles desistiram do cultivo. Na região, o Mato Grosso foi o estado com índices mais elevados de distorções: 72,7 mil famílias beneficiadas, mas uma exclusão de 24,5% do total, ou seja, 17,8 mil trabalhadores rurais. Segundo o Incra, a comercialização ilegal de lotes é o segundo maior motivo de retirada de beneficiários da reforma agrária.
O primeiro lugar fica mesmo com o abandono da terra que deveria ser cultivada. Na última década, 44,4 mil agricultores familiares deixaram o programa de reforma agrária depois de desistirem do cultivo e 36,5 negociaram ilegalmente seus terrenos. Outros 12,6 mil deixaram o projeto por não cumprimento de cláusulas ou inadaptação às normas. Sindicatos de trabalhadores rurais, em diferentes regiões, estimam que em alguns projetos a porcentagem de problemas chegue a 60% dos lotes.
Campanha para alertar
Para tentar mudar esse quadro, no fim do ano passado o Incra lançou campanha para informar que o comércio de terras da União destinadas à reforma agrária é crime e os lotes não podem ser vendidos, alugados ou arrendados. A campanha tem o slogan “Reforma agrária: esta conquista não está à venda” e leva informação com cartazes e folders a beneficiários dos quase 8,7 mil assentamentos com quase um milhão de famílias.
Desde domingo, o superintendente do Incra/MG, Carlos Calazans, está no Norte de Minas, para vistoriar assentamentos em Bocaiuva e Manga. Durante a visita, Calazans se comprometeu em criar força-tarefa, com Ministério Público, Judiciário e policiais, para promover um pente-fino em todos os assentamentos e inibir as distorções.
No projeto de assentamento Herbeth de Souza, em Engenheiro Dolabela, distrito de Bocaiuva, políticos abocanham terra da reforma agrária, entre eles o prefeito de Engenheiro Navarro, Sileno Lopes (PP), além de vereadores. Na cidade, o vereador Júnior da Carne Seca e, em Buenópolis, o vereador Teu de Souza também avançam sobre terrenos dos trabalhadores rurais.