Conhecimento além da aldeia


Rafael Fereira, da etnia pataxó, enfrentou 15 horas de viagem de Cumuruxatiba a BH. O jovem diz que vai ser difícil viver longe da natureza, mas está empolgado com curso de ciência sociais

Jovens de várias etnias enfrentam o desafio de sair de suas aldeias e viver numa grande cidade para fazer um curso superior e contribuir com a qualidade de vida em suas tribos

Glória Tupinambás

Se os pajés encontraram nas forças da natureza remédios para todos os males, agora jovens indígenas buscam na ciência o conhecimento para levar saúde e qualidade de vida para o seu povo. Doze representantes das tribos Pataxó, Xakriabá, Pankara, Kambeba e Tupiniquim, entre outras, são os mais novos estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A partir deste mês, eles ocupam vagas em cursos de medicina, enfermagem, odontologia, ciências biológicas e ciências sociais, em Belo Horizonte, e agronomia, em Montes Claros, no Norte do estado.

A pele morena e o cabelo preto e liso são a marca registrada do grupo, mas não espere encontrar pelo câmpus índios de cocar, pinturas no corpo ou arco e flecha nas mãos. Nascidos e criados em aldeias e tribos no interior de Minas, Bahia, Mato Grosso do Sul, Amazonas, Pernambuco e Espírito Santo, os jovens já são íntimos da moda urbana, das tecnologias e das facilidades do mundo moderno. Ontem, dia de matrícula na universidade, eles se mostravam animados com o início de uma nova etapa de vida, mas não escondiam o receio de morar na cidade grande, longe da cultura e dos costumes indígenas.

“Vai ser muito difícil me adaptar ao trânsito louco e a esse tanto de prédios. Na minha comunidade, todos se conhecem e são amigos, por isso não consigo entender as pessoas se cruzarem nas ruas sem se cumprimentar. Mas não quero pensar nas dificuldades. Estar numa universidade é muito importante para mim e quero estudar, me formar e voltar para casa, onde pretendo trabalhar no posto de saúde”, diz a futura enfermeira Nívia Pereira Nobre, de 19 anos, da tribo Pataxó.

Os estudantes foram selecionados na terceira edição do vestibular para indígenas da UFMG, cujas provas foram aplicadas em 6 de novembro do ano passado. O processo seletivo é especialmente organizado para preencher 12 vagas em seis cursos de graduação, escolhidos depois de pesquisa da universidade e da Fundação Nacional do Índio (Funai) sobre as áreas de interesse dos indígenas. Durante o primeiro semestre de estudos, os novos alunos vão participar de um curso de preparação e nivelamento ministrado no Colégio Técnico (Coltec) da UFMG.

Depois da formatura, os jovens devem, de acordo com compromisso assumido entre a universidade e a Funai, atuar nas comunidades de origem. “Trata-se de um programa de ação afirmativa, em que a UFMG cria vagas suplementares para indígenas e facilita o acesso deles à instituição, mas tudo sem provocar rompimento com a cultura deles. Ao longo do curso, estimulamos pesquisas e projetos voltados para as comunidades, para que eles retornem e reforcem os laços”, explica o coordenador da Comissão de Acompanhamento dos Estudantes Indígenas da UFMG, Paulo Maia.

MEDO E EXPECTATIVA

Os primeiros contatos com o mundo acadêmico empolgam alunos como Rafael Ferreira da Silva, de 18. Com colar de pedra e camisa estampada, o jovem faz planos para desbravar o câmpus e se formar em ciências sociais. “Estou curioso com a nova experiência. Sempre sonhei com a universidade, agora só penso em me formar e levar meus conhecimentos para o povo de Cumuruxatiba”, conta o baiano, depois de 15 horas de viagem da sede da tribo Pataxó até BH. Vaidoso e cheio de pose com seus óculos escuros, Rafael fala com temor sobre o contato com a metrópole. “Nos dias do vestibular, eu fiz caminhadas na mata da UFMG e fiquei observando os bichos. Vai ser muito difícil viver longe da natureza.” 

Tímida, a jovem tupiniquim Franciele Santos Vicente, de 21, conta que espera servir de exemplo para outros adolescentes da tribo sediada na cidade de Aracruz, no Espírito Santo. “As dificuldades de deixar tudo para trás e apostar numa vida nova são muitas. Mas acho que temos de arriscar. O diploma pode fazer diferença na minha vida e também na de toda a comunidade. Tenho esperança de ajudar a melhorar a vida por lá”, afirma ela, matriculada no curso de enfermagem.

Segundo a Funai, há cerca de 15 mil índios vivendo em Minas Gerais atualmente, e a demanda por formação qualificada cresce a cada ano. “Os cursos universitários são importantes para suprir a necessidade de profissionais indígenas, que entendem melhor as especificidades de cada grupo onde podem atuar no futuro”, diz a chefe do setor de educação da fundação em Governador Valadares, Eliete Xavier. Além da UFMG, a Funai criou projetos de formação voltados para os índios nas universidades Federal de Santa Catarina (UFSC); Federal de São Carlos (Ufscar), em São Paulo; e de Brasília (UNB).

MEMÓRIA: Formatura com direito a rituais 

Em maio do ano passado, a primeira turma de ensino superior para professores indígenas se formou na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Com cantos, danças e pintura no rosto, 130 pessoas, integrantes de sete etnias – Kaxixó, Krenak, Maxakali, Pankararu, Pataxó, Xakriabá e Xucuru-Kariri –  receberam o diploma no curso de formação intercultural de educadores indígenas. Durante cinco anos e meio, os alunos participam de aulas presenciais em Belo Horizonte e fazem atividades complementares nas aldeias. Depois de formados, os professores passam a integrar a rede estadual de ensino e a dar aulas nas tribos de origem. O programa é uma parceria da Secretaria de Estado de Educação, UFMG, Fundação Nacional do Índio (Funai) e Ministério da Educação (MEC).

http://sergyovitro.blogspot.com/2012/03/conhecimento-alem-da-aldeia-gloria.html

Enviada por José Carlos.

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