Por Suzana Vier
São Paulo – A política de desenvolvimento urbano e habitacional em vigor na capital paulista tem ares de excelência, mas na prática prima pela “exceção”, analisa Mariana Fix, pesquisadora do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). A avaliação foi feita durante lançamento do livro “O enigma do capital e as crises do capitalismo”, do geógrafo britânico David Harvey, na noite da segunda-feira (28), em São Paulo.
“As duas principais operações urbanas, a Faria Lima e a Água Espraiada, representam frentes de expansão do capital imobiliário”, enfatizou Mariana, que é autora de “Parceiros da exclusão” e “São Paulo cidade global”.
Para a pesquisadora, a gestão de Gilberto Kassab (PSD) concebeu e colocou em prática projetos urbanísticos suntuosos, mas socialmente excludentes. Operações urbanas em andamento, que envolvem obras bilionárias, e a utilização do intrumento de concessão urbanística, que está levando à privatização de um bairro inteiro da cidade, revelam interesses do mercado imobiliário como pano de fundo de grandes obras que foram apresentadas como necessidades sociais, abordou Mariana.
“Na operação Água Espraiada foi lançado um mecanismo jurídico de parceria público-privada alegando-se não haver recursos para resolver carências urbanas. O que houve de fato foi uma injeção brutal de recursos públicos concentrados naquela região da cidade. O que o instrumento fez foi justificar intervenções que não eram prioritárias afirmando que teriam custo zero”, apontou.
As operações urbanas são um instrumento urbanístico em larga utilização em São Paulo e preveem intervenções do poder público com recursos da venda de potencial construtivo acima da cota permitida (os chamados Certificados de Potencial Adicional de Construção – Cepacs). “As operações urbanas definem o trecho do território em que vão ser concentrados esforços e onde vai ser gerado maior diferencial de renda, que depois vai ser captado pelos agentes imobiliários”, definiu a pesquisadora.
Atualmente, a prefeitura mantém quatro operações desse tipo na capital: Centro, Água Espraiada, Faria Lima e Água Branca. Outras três estão em processo de licitação: Lapa-Brás, Mooca-Vila Carioca e Rio Verde-Jacu.
Segundo a estudiosa, Kassab parte de um problema social grave que precisa ser resolvido, cria um projeto urbanístico, mas quando as intervenções públicas são avaliadas comprova-se que tanto as obras, como a retirada de famílias carentes, servem para valorizar o potencial de exploração comercial da região e aumentar o poder do mercado imobiliário.
Mariana avalia que a concessão urbanística que o prefeito pretende implementar ainda este ano em 45 quadras do bairro da Luz, região central da cidade, é ainda pior que as operações urbanas.”Ela exacerba os mecanismos privatizantes da operação urbana e concede a um agente privado o direito de explorar uma determinada região de São Paulo. É a mesma lógica de um negócio: uma empresa vai explorar e vai ser remunerada com os ganhos que ela auferir nessa operação. Transforma uma demanda social e política num grande negócio”, descreveu.
Mesmo vitórias raras da população sobre as expulsões provocadas pelas operações urbanas, como a construção de 252 apartamentos para moradores retirados da comunidade do Jardim Edite, na zona sul da capital paulista, por ocasião da operação urbana Água Espraiada, demonstram uma grande desigualdade na relação de forças com o mercado imobiliário, segundo a pesquisadora.
“De um lado é uma vitória, é inegável. Se não fosse a luta dos moradores de lá, nem aquilo seria feito… Mas é preciso lembrar que essa população estava sendo expulsa e a prefeitura foi obrigada a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta quando a defensoria pública, junto a movimentos sociais, entrou com ações jurídicas”, disse. “Aquela quantidade de habitações é insignificante, comparada ao total de pessoas expulsas de sua comunidade. É uma derrota. Foram despejadas mais de 50 mil pessoas e estão sendo entregues apenas algumas unidades habitacionais.”
A pesquisadora exemplifica que, na hora de decidir entre as moradias populares e a construção da ponte estaiada Octavio Frias de Oliveira – parte das obras viárias da operação urbana Água Espraiada –, a prioridade do poder público municipal recaiu sobre a segunda. “Existia ali uma série de núcleos habitacionais, terrenos em que seria possível dar conta do que as operações urbanas prometiam, que era todos os moradores dali permanecerem dentro das melhorias”, observou.
“Na prática, o que ocorreu é que o mapa da Zona Especial de Interesse Social (Zeis) foi sendo constantemente alterado, apagado de maneira que a operação urbana funcione como a gente vê agora: tendo como motor a lógica da valorização imobiliária, que entra em contradição com o direito à moradia”, acrescentou.
A ponte, conhecida como “estilingão”, liga a avenida Jornalista Roberto Marinho à Marginal Pinheiros. A obra custou cerca de R$ 260 milhões e é proibida para a circulação de pedestres, ciclistas, ônibus ou caminhões. Apenas veículos leves (motocicletas e automóveis) trafegam nela. “A ponte é expressão desse ‘roubo’, dessa captura de fundos públicos (em favor do privado), porque quando a operação urbana (Água Espraiada) foi feita, a justificativa era resolver os problemas daqueles 50 núcleos de favelas que existiam naquela região. Isso foi usado para fazer mudanças na legislação de zoneamento, que não permitia a operação, e só depois foi inserida a ponte entre as ‘melhorias'”, analisou Mariana.
Longe de apresentar soluções para a cidade, as operações urbanas são expressão das coalizões público-privadas que os sociólogos classificam de “teoria da growth machine” – máquina imobiliária de crescimento. “É uma coalização que consegue impor seu projeto sobre uma região ou a cidade toda”, criticou a pesquisadora.
Crises do capitalismo
David Harvey defendeu, durante o lançamento de seu livro, a criação de uma nova política urbana e a necessidade de parar as cidades para discutir e pressionar o poder público. “A urbanização é um dos campos da luta de classes”, teorizou. Harvey também destacou que a mais recente crise capitalista foi deflagrada pela queda do mercado de habitação norte-americano, que é fruto de uma visão de que habitação é um ativo financeiro. Assim, a população foi convidada, insistentemente, a transformar suas casas em dinheiro.
No cenário norte-americano, as instituições financeiras eram responsáveis pelos recursos para construção das casas e, mais tarde, pelos empréstimos para aquisição delas à população. Com a crise, os bancos foram acusados de fraudar os dois lados.
Segundo ele, em diversos países, como a China, a população repete os passos do capitalismo norte-americano que tratou de construir casas e enchê-las de “coisas”, ou seja, eletrodomésticos e eletrônicos, até a exaustão.
O lançamento da obra do pesquisador britânico reuniu perto de mil pessoas no auditório da FAU. A primeira edição já está esgotada.
http://www.redebrasilatual.com.br/temas/cidades/2012/03/kassab-divulga-projetos-de-excelencia-mas-implanta-politica-habitacional-de-exclusao
Enviada por José Carlos.