“Disposto a ganhar musculatura política, Brasil se transforma em colonizador” (?)

Brasil é grande fornecedor de conhecimento e tecnologia para a África, com ações em 34 dos 55 países do continente

Alice Maciel e Maria Clara Prates

O Brasil, ex-colônia de Portugal, deixa para trás sua história de submissão e adota posição nova: a de exportador de conhecimento e tecnologia. A parte mais visível dessa nova postura política internacional do país está em mais de 200 projetos de cooperação técnica que mantém com o continente africano, onde, dos 55 países, 34 têm parceria com o Brasil. O discurso de cooperação internacional – priorizado no governo Lula e mantido por sua sucessora Dilma Rousseff (PT) – não esconde os interesses políticos e econômicos por trás dessa expansão sobre outros continentes. Os investimentos externos, cerca de US$ 1,6 bilhão entre 2005 e 2009, não chegam a impressionar, mas o Brasil está mesmo disposto, segundo o ministro Marco Farani, diretor da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), a ganhar “musculatura política e espaços nas agendas internacionais”, caminho que pode lhe garantir um assento no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), disputado por outros países emergentes.

Essa nova política externa brasileira para a África, no entanto, é vista com desconfiança por aqueles que consideram que o país deixou a posição de colonizado e tomou gosto pela colonização. Alheio ao debate ideológico, o Brasil recebeu na semana passada mais um pedido de cooperação internacional, dessa vez vindo do Quênia. O país, que em 2008 viveu uma guerra civil depois de uma tentativa de golpe nas eleições presidenciais, está em fase de democratização e, em 2012, passará por um novo pleito, dessa vez, com uma nova Constituição, sob inspiração da brasileira.

O leque de ajuda aos africanos é tão diversificado que impressiona. Vai desde a instalação de uma fábrica de medicamentos antirretrovirais em Moçambique, assolada pela epidemia de aids, com 500 novos casos a cada ano, passando pela qualificação profissional em áreas como saúde e educação e pelo fortalecimento das instituições, até o treinamento de pessoal para as forças de segurança da pequena Guiné-Bissau, de frágil democracia depois de seguidos golpes militares.

Corte

O diretor da ABC diz que somente no ano passado o Brasil investiu cerca de US$ 40 milhões em convênios de cooperação técnica com países africanos, mas os valores não dão a dimensão da importância deles, porque algumas das iniciativas exigem poucos recursos. “Na cooperação com a África, nós nos destacamos primeiro pela capacitação profissional, e, segundo, pelo fortalecimento das instituições, que não exige grandes volumes de recursos.”

Apesar de manter o discurso de Lula em defesa da cooperação internacional em busca da paz, Dilma Rousseff não poupou o corte nos recursos para parceiros internacionais, que chegou a US$ 100 milhões por ano no governo Lula. Para 2012, está prevista nova redução dos valores, que não teve força para tirar o ânimo dos parceiros do Ministério das Relações Exteriores, como a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), que montou em Moçambique seu primeiro escritório internacional. De lá, ela coopera com pelos menos outros quatro países: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste – este último no Sudeste asiático.

Longe da frieza dos indicadores econômicos, que apontam que, somente em 2009, o comércio entre Brasil e África atingiu a casa dos US$ 17 bilhões, conforme dados do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), o estudante de jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais Abdelacy de Souza, de 29 anos, de São Tomé e Príncipe, acredita que a cooperação brasileira contribui para o crescimento e democratização dos países africanos. Ele não vê a atuação do Brasil na África como exploração e considera que a parceria deveria ser maior. “Ainda existe uma insegurança do Brasil em investir nos países africanos porque em alguns lugares a democracia não está consolidada”, diz Abdelacy, que criticou o posicionamento da presidente Dilma em relação ao continente. Para ele, o ex-presidente Lula tinha a África como ponto central da sua política externa, diferentemente da atual presidente.

Potencial

O reitor da UFMG, Clélio Campolina, observa que há um desejo da universidade de incrementar as relações com os países africanos, que, segundo ele, despertam muito interesse acadêmico devido ao potencial cultural e econômico. “Há um projeto, já nas mãos do ministro da Educação, Fernando Haddad, para incrementar as relações das universidades brasileiras com os países de língua portuguesa, que será apenas a base de um grande projeto de crescimento das relações com a África”, informou. Além de reservar vagas para estudantes africanos, a UFMG tem, na África, três ações na área da saúde e educação.

Mapa da cooperação

O Brasil tem, em diferentes fases de negociação e execução, mais de 250 projetos espalhados em 34 países da África. Esses projetos de cooperação técnica concentram-se nas áreas de agricultura (incluindo produção agrícola e segurança alimentar), formação profissional, educação, justiça, esporte, governo eletrônico, saúde, meio ambiente, tecnologia da informação, prevenção de acidentes de trabalho, desenvolvimento urbano, biocombustíveis, transporte aéreo e turismo. Novas áreas temáticas estão sendo contempladas em projetos de concepção recente, como cultura, comércio exterior e direitos humanos.

EXEMPLOS

Cabo Verde

  • Instalação de um banco de leite humano da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Moçambique

  • Instalação do escritório internacional da Fiocruz. Foi inaugurado em 2008 e é o primeiro escritório do governo brasileiro na área de saúde no exterior.
  • Foram investidos US$ 30 milhões para a instalação de fábrica de medicamentos antirretrovirais e outros medicamentos.
  • A Fiocruz montou uma turma de mestrado em ciências da saúde na área de pesquisa e de laboratórios.
  • Cooperação nas áreas de treinamento em tratamento antirretroviral de resgate, oficina de genotipagem do HIV e treinamento dos residentes de radiologia.
  • A Embrapa tem três projetos no país: o Pró-Alimentos, de apoio técnico a programas de plantação de hortaliças. O Plataforma, iniciado em 2010, que reestrutura o sistema de pesquisa e de inovação com ação de capacitação de pesquisadores. O ProSavana, de transferência de tecnologia para a agricultura no corredor de Nacala.

Angola

  • A Fiocruz montou uma turma de mestrado em saúde pública e em parasitologia.
  • Professores da Faculdade de Medicina da UFMG atuam no tratamento de anemia falciforme, atendendo pacientes e capacitando médicos no país.
  • Professores e pesquisadores de medicina da UFMG atuam em parceria com as forças armadas na estruturação do sistema de saúde.
  • Professores da UFMG dão aulas no curso de doutorado em educação. A segunda parte é dada no Brasil.
  • Funciona o Centro de Formação Profissional Brasil–Angola do Senai, que já formou 4.183 alunos em cursos diversos.

Marrocos

  • O Senai oferece cursos para capacitar gestores e docentes na área de educação inclusiva para deficientes visuais e físicos.

Zâmbia

  • O Senai instalou o Núcleo de Formação Profissional Brasil.

África do Sul

  • O Senai instalou no país um centro de formação profissional

Gana

  • Escritório da Embrapa para implantação de projetos de treinamento para produção e/ou processamento de mandioca, castanha-de-caju, biocombustíveis, agricultura de conservação e biotecnologia no continente, no valor aproximado de US$ 2,8 milhões.

Mali

  • Implementação, em campo experimental de Sotuba, de um projeto de longa duração, no valor de US$ 1,5 milhão, para modernização e fortalecimento da cultura do algodão, uma iniciativa da Embrapa.

Senegal

  • Apoio ao desenvolvimento da rizicultura pela Embrapa. O trabalho se estenderá até 2012. Objeitvo é contribuir para a autossuficiência do país na produção de arroz.

Guiné-Bissau

  • Formação de jovens lideranças para a multiplicação de boas práticas Socioeducativas a partir da construção de uma escola de ensino fundamental, aberta, para funcionamento durante os sete dias da semana, com espaço para práticas esportivas e culturais na Comunidade São Paulo.
  • Centro de Formação das Forças de Segurança Brasil–Guiné-Bissau. Executado pelo Departamento de Polícia Federal do Brasil, envolve investimento total de US$ 3 milhões.
  • Fortalecimento e capacitação técnica das instituições de saúde para atendimento de mulheres e adolescentes vítimas de violência.
  • Desenvolvimento da agricultura, pecuária e serviços em comunidades rurais por meio do aperfeiçoamento de técnicas agrícolas, com o treinamento de mais de 4,5 mil camponeses, a maioria mulheres.

http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/11/13/interna_politica,261762/disposto-a-ganhar-musculatura-politica-brasil-se-transforma-em-colonizador.shtml

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