SP – Crianças são libertadas de trabalho escravo em São Carlos

Impedidas de ir à escola, crianças e adolescentes ajudavam os pais na colheita de tomate em fazenda do interior paulista. Número de acidentes laborais e autorizações judiciais realçam preocupação acerca do trabalho infantil no país

Por Bianca Pyl

Sete crianças e adolescentes – com idades entre 7 e 15 anos – e 13 adultos foram libertados de condições análogas à escravidão de uma plantação de tomate pela Gerência Regional do Trabalho (GRTE) de São Carlos (SP), no interior do Estado de São Paulo. As crianças encontradas na Fazenda Palmeira Ltda. não recebiam qualquer pagamento salarial e ajudavam os pais com o propósito de aumentar a quantidade colhida da produção.

Responsável pelos empregados, o produtor Edson Rossi é reincidente: já foi flagrado explorando trabalho escravo em outras duas ocasiões, em 2009 e 2010. Durante a libertação, as crianças declararam aos auditores fiscais do trabalho que gostariam de estudar, mas que, por causa da jornada que tinham que cumprir, e frequência na escola não era permitida pelo empregador. Pesquisa sobre perfil de atores sociais envolvidos em casos de escravidão, divulgada recentemente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), reforçou a conexão existente entre o trabalho infantil e o trabalho escravo.

O Conselho Tutelar de São Carlos (SP) acompanhou a libertação das crianças e adolescentes e encaminhou o caso aos conselhos dos municípios de origem das cinco famílias. As vítimas foram aliciadas pelo produtor Edson em Itapeva (SP) e Guapiara (SP), sob promessas falsas de bons salários. A maioria das pessoas estava no local há pelo menos cinco meses.

As casas utilizadas como alojamento estavam em estado precário. Algumas não tinham telhados e nem portas, com a fiação exposta. “A situação das casas era terrível. Nós interditamos os locais por causa do risco que oferecia às famílias”, conta Antônio Valério Morillas Júnior, que chefia a GRTE de São Carlos (SP) e coordenou a operação. Não havia água potável, somente da torneira, sem passar por qualquer processo de filtração. A jornada de trabalho era exaustiva e se estendia até por 10 h diárias. Camas estavam montadas em cima de caixotes de tomates. A água do banho era fria.

Os colhedores adultos recebiam em média de R$ 600 por mês em cheque pré-datado. A maior parte do valor servia para pagar a alimentação, que era comprada em um supermercado indicado pelo fazendeiro.

Edson já tem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado com o Ministério Público do Trabalho (MPT) em 2009, no qual havia se comprometido a não mais adotar esse tipo de conduta. Após esta última fiscalização ocorrida na Fazenda Palmeira, o empregador assinou um novo TAC proposto pela Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (PRT-15). Os colhedoes receberam as verbas rescisórias e as guias para o benefício do Seguro Desemprego para Trabalhador Resgatado. O MPT está calculando o valor da multa pelo descumprimento do TAC anterior.

A fiscalização ainda está sendo concluída e, de acordo com o gerente de trabalho de São Carlos (SP), o empregador deve receber 20 autuações pelas irregularidades encontradas. O empregador Edson não foi localizado para comentar o caso. As crianças libertadas trabalhavam sem nenhum equipamento de proteção individual (EPI), nem mesmo na tarefa de aplicação dos agrotóxicos, e corriam sérios riscos de acidentes.

Números e autorizações

Índices divulgados no início deste mês pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, assustam: três acidentes de trabalho por dia envolvendo pessoas com menos de 18 anos foram registrados entre janeiro de 2009 a julho de 2011. No mesmo período, 48 acidentes fatais envolveram vítimas da mesma baixa faixa etária.

Houve, ao todo, 3.326 acidentes de trabalho no país durante esses 30 meses, mais da metade (2.211 acidentes) ocorreu no Estado de São Paulo. Os números, contudo, podem ser ainda maiores, pois os dados se referem apenas aos casos em que o trabalhador procura as unidades de saúde.

Agência Brasil divulgou notícia recente acerca das mais de 33 mil autorizações judiciais, emitidas entre 2005 e 2010, para que crianças e adolescentes brasileiras com menos de 16 anos trabalhem. O salto foi de 1.283, em 2005, para 7.421, em 2010. A Região Sudeste abarcou mais da metade das autorizações ratificadas por juízes e promotores de todo o Brasil: 55%. Apenas no Estado de São Paulo, chegaram a 11.295. Os números foram obtidos por meio de levantamento feito pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) com base na Relação Anual de Informações Sociais (Rais).

A maioria das autorizações se refere ao trabalho para adolescentes de 14 e 15 anos. Contudo, a quantidade de autorizações envolvendo crianças mais novas também chama a atenção: foram 131 para crianças de 10 anos; 350 para as de 11 anos, 563 para as de 12 e 676 para as de 13 anos.

Regulamentação e programa

Segundo o procurador-geral do trabalho Luís Camargo, o MPT está em contato com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que a questão seja regulamentada. O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ressaltou, já expediu uma resolução (66/2008) nesse sentido. “Estamos atuando em conjunto com o Ministério Público Estadual [MPE] para tentar reverter estas autorizações e combater o problema do trabalho infantil de forma mais estrutural, não só com ações judiciais”, declarou Luís Camargo.

“A situação social das famílias é crítica, mas a solução não é dar autorização de trabalho para crianças”, comentou o procurador-geral à Repórter Brasil. Para contribuir com a eliminação do trabalho infantil, o MPT vem desenvolvendo o Programa Orçamento e Políticas Públicas, que visa pressionar diretamente os governos municipais para que atuem nesse sentido.

Cada Procuradoria Regional do Trabalho (PRT) mapeou 20 municípios dentro de suas jurisdições com os piores Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) para que esses locais passem a receber ações a partir do ano que vem. De acordo com o MPT, as ações ocorrerão simultaneamente em todo o país.

Todas as prefeituras do país também estão sendo convocadas pelo órgão trabalhista a assinar um TAC com o compromisso de cumprir uma série de medidas focadas no problema. “O trabalho infantil é um problema estrutural e envolve muitas questões. Nossa cobrança junto às prefeituras é para que sejam garantidas políticas públicas que incluam as famílias das crianças, que muitas vezes têm pais sem qualificação profissional alguma, entre outros problemas”, acrescentou o procurador-geral do trabalho.

http://www.reporterbrasil.org.br/exibe.php?id=1954

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