McDonald´s questionado na sociedade

Após veiculação de vídeodenúncia, audiências públicas serão realizadas para debater a legalidade da jornada de trabalho móvel

Para o Sinthoresp , a jornada móvel é uma prática ilegal e danosa aos trabalhadores - Foto: Jack Zalium/CC

Michelle Amaral

A jornada móvel e variável adotada pela rede de restaurantes McDonald´s está sendo questionada por parlamentares, após a veiculação de uma vídeo-reportagem que denuncia a ilegalidade da prática.

O McDonald´s adota a jornada móvel como uma cláusula no contrato de trabalho. Ela estabelece que os trabalhadores serão remunerados pela hora trabalhada e que não terão uma jornada diária fixa, ficando à disposição das necessidades da empresa. Conforme a denúncia feita por meio da vídeo-reportagem do Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis e Restaurantes de São Paulo (Sinthoresp), a prática é ilegal e traz muitos danos aos trabalhadores.

O vídeo-denúncia foi veiculado pela primeira vez a parlamentares na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal, no dia 10 de outubro, durante uma audiência pública sobre a implantação do Registrador de Ponto Eletrônico (REP). Posteriormente, foi encaminhado a deputados, senadores e ao escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil. Em São Paulo, o vídeo foi enviado à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), à Câmara dos Vereadores da capital paulista e às Câmaras Municipais de Atibaia, Guarulhos, Mogi das Cruzes e Osasco, na região metropolitana.

A divulgação da denúncia contra a jornada móvel adotada pelo McDonald´s resultou na convocação de audiências públicas para debater a legalidade deste tipo de regime de trabalho. Os deputados federais Eudes Xavier (PT-CE) e Sabino Castelo Branco (PTB-AM), integrantes da Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados, solicitaram uma audiência com a participação do presidente da Arcos Dourados, franqueadora do McDonald´s no país e na América Latina, Woods Staton; do presidente do Sinthoresp, Francisco Calasans Lacerda; do presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Henrique Nelson Calandra; e da ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Dora Maria da Costa. Além de representantes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Sindicato dos Trabalhadores em Fast Food do Município de São Paulo (Sindifast), denunciado no vídeo como conivente à adoção da jornada móvel.

O deputado federal Eudes Xavier explica que o objetivo da audiência é ouvir todos os segmentos envolvidos na denúncia a fim de que se tenha clareza sobre o que realmente está ocorrendo. “Vamos ouvir os trabalhadores e trabalhadoras, os sindicatos e os representantes da rede McDonald´s. Se as denuncias ficarem comprovadas, a empresa terá que arcar com todas as responsabilidades”, declara.

Na avaliação do parlamentar, as denúncias contra o McDonald´s são muito sérias e devem ser investigadas com todo rigor. “As denúncias foram feitas pelos próprios funcionários da rede em São Paulo, e dão conta de jornada de trabalho excessiva, maus tratos, contratação de menores e a chamada jornada móvel que a empresa adota em todo o país com hora de trabalho estipulada em R$ 2,52, muitas vezes inferior a um salário mínimo mensal”, alerta.

Debate

De acordo com o presidente do Sinthoresp, em todas as Câmaras onde o vídeo foi apresentado estão previstas audiências públicas. Assim como na Assembleia Legislativa de São Paulo. As datas das audiências não foram marcadas, mas, para Lacerda, o debate gerado com a veiculação do vídeo é positivo para que se crie uma consciência sobre a ilegalidade da jornada móvel e os danos que ela causa ao trabalhador. A mesma opinião é compartilhada por Henrique Nelson Calandra, presidente da AMB. Para ele, “a grande importância do debate aberto é descobrir certos desconfortos que causam determinadas situações que vão entrando para a prática diária na vida empresarial, que às vezes desconsidera direitos fundamentais do próprio trabalhador”.

O presidente do Sinthoresp explica que o objetivo da denúncia através do vídeo é, justamente, dar visibilidade às irregularidades cometidas pelo McDonald´s com a utilização da jornada móvel e “sensibilizar as autoridades sobre o tema”.

Além disso, segundo Lacerda, com o vídeo busca-se também informar a população sobre a precarização das condições de trabalho impostas aos funcionários da rede de fast food. “As pessoas que são atendidas nas lojas do McDonald´s não sabem o que aquele trabalhador vivencia no seu dia-a-dia”, afirma.

Irregularidades

A média de idade dos funcionários da rede fica entre 16 a 24 anos. Ao não estabelecer uma jornada de trabalho fixa, o McDonald´s impossibilita que esses jovens planejem suas vidas a longo prazo, pois eles nunca sabem exatamente quando vão trabalhar.

O sindicato denuncia que, nos momentos em que o fluxo de clientes nas lojas do McDonald´s é baixo, os funcionários são orientados a esperar na chamada “sala de break” até que haja maior número de clientes para serem atendidos. Estes períodos de espera, segundo o Sinthoresp, não são remunerados. Assim, a jornada móvel e variável impõe a eles o ônus que deveria ser da empresa. “Existe essa realidade de não ser contado o tempo do intervalo, quando os jovens ficam na sala de break, e isso pode acontecer a qualquer instante e dia”, relata Lacerda.

De acordo com Calandra, a legalidade formal da jornada móvel existe, já que “que esse tipo de estabelecimento nunca foi multado pelo governo em razão dessa prática”. O presidente da AMB afirma que o que se discute é legalidade da não remuneração aos trabalhadores dos períodos em que eles permanecem à disposição da empresa. O presidente do Sinthoresp conta que a denúncia sobre a ilegalidade da jornada móvel feita durante a audiência pública sobre a implantação do Registrador de Ponto Eletrônico, no Senado, ressaltou essa irregularidade decorrente do regime de trabalho adotado pelo McDonald´s. “Ficou ali demonstrado que, além da forma constatada de fraude no controle de jornada de trabalho, há uma nova modalidade de adulteração da contagem de tempo de trabalho do empregado”, alega.

Na ocasião, o diretor de Relações Governamentais do McDonald’s, Pedro Parizi, se defendeu das acusações e disse que a rede tem cerca de 40 mil funcionários e “talvez tenha cometido um ou outro deslize, mas sem má-fé”. Segundo ele, “as exceções não podem ser transformadas em marcas negativas de uma empresa reconhecida mundialmente”.

Ausência de pagamento

Por causa do regime de trabalho pago mediante a hora trabalhada e sem uma jornada fixa, os trabalhadores recebem menos que o salário mínimo, que hoje é de R$ 545. “A média [de salário mensal] é de 250, no máximo 280 reais. Eu acho que isso, naturalmente, indigna qualquer pessoa”, afirma o presidente do Sinthoresp.

Eudes Xavier ressalta que a Constituição Federal, de 1988, deixa bem claro que nenhum trabalhador brasileiro poderá receber salário mínimo inferior ao vigente no país. “Se ficar comprovado que há trabalhadores e trabalhadoras recebendo menos do que está previsto na lei, sofrendo maus tratos e cumprindo jornada excessiva de trabalho, acredito que o caminho será acabar de vez com qualquer tentativa de manutenção dessa prática”, defende.

Com base no que determina a Carta Maior, o sindicato encaminhou ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) um requerimento de fiscalização do descumprimento da norma constitucional. O pedido foi protocolado no MTE e encontra-se em fase administrativa. “Está no setor de fiscalização, que vai conferir as nossas alegações e, depois, mandar para o Ministério Público para ajuizar uma ação baseada no nosso requerimento e naquilo que foi apurado pelo Ministério do Trabalho”, explica Lacerda.

O presidente do Sinthoresp ressalta que o jovem não pode se sentir alegre simplesmente porque está trabalhando, mas também porque está recebendo um salário digno, que lhe possibilite suprir as necessidades básicas, planejar a vida e adquirir bens. “O trabalho tem que ter sua contrapartida. O trabalhador entrega o seu bem, que é a sua força de trabalho, e no final do mês recebe um valor. [No McDonald´s] há uma absoluta desproporção entre o valor da efetiva prestação de serviço e o valor que se recebe na prática”, afirma Lacerda.

No entendimento do sindicato, o pagamento mensal abaixo do salário mínimo se configura em ausência de pagamento. E, de acordo com o Decreto 368 de 1968 e da Portaria 1061 de 1996, que regem sobre a ausência de pagamento de salários e de repasses ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), o Sinthoresp pediu a abertura de processo por parte do MTE a fi m de que o McDonald´s faça o ressarcimento aos trabalhadores da diferença entre o valor que efetivamente ganham e o valor do salário mínimo. Além disso, o sindicato pede que a rede de fast food seja intimada a legalizar o pagamento dos funcionários, de modo que não recebam mais remuneração abaixo do salário mínimo nacional.

Caso o processo seja encaminhado pelo MTE ao Ministério Público para ajuizamento de ação judicial, Lacerda explica que se o McDonald´s não cumprir a regularização do pagamento de seus funcionários, poderá ser impetrada uma ação de execução em que serão pedidos bens, imóveis e valores em conta bancária da rede para satisfação do crédito. “Ainda há uma outra possibilidade que é, inclusive, o bloqueio do pro labore e demais repasses aos sócios, dando privilégio total ao crédito dos trabalhadores”, completa o presidente do Sinthoresp.

Legalidade

Existem decisões judiciais divergentes em relação à adoção da jornada móvel e variável. Conforme descrito pelo Brasil de Fato em reportagem sobre a superexploração de trabalhadores praticada pelo McDonald´s (edição 417), não há um consenso dos magistrados a respeito da legalidade da prática.

O primeiro posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a jornada móvel e variável ocorreu em março deste ano. A Oitava Turma do TST entendeu que a submissão do trabalhador a esse tipo de jornada de trabalho é prejudicial e determinou que a cláusula contratual fosse invalidada. No entanto, a decisão foi proferida em julgamento de recurso de uma ação impetrada contra a atuação do McDonald´s no Paraná e, até hoje, não se tem uma decisão em nível nacional sobre o tema.

O presidente do Sinthoresp acredita que, com o debate criado com a veiculação do vídeo-denúncia, seja possível que a Justiça do Trabalho chegue a um consenso sobre a ilegalidade da jornada móvel e variável. “Acredito que esse diálogo social vai sensibilizar outros magistrados e desembargadores, que podem passar a prestar um pouco mais de atenção nesse tema a ponto de definir pela sua ilegalidade”, afirma Lacerda.

http://brasildefato.com.br/content/mcdonald%C2%B4s-questionado-na-sociedade

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