Justiça analisa nova ação contra a construção de Belo Monte

Tribunal Regional Federal julga uma ação do MPF contra a liberação da usina. Mas julgamento é apenas a ponta de um iceberg jurídico: a obra enfrenta 17 ações na Justiça

Rio Xingu (Foto: Divulgação)
Rio Xingu (Foto: Divulgação)

Bruno Calixto

Quando, em 1989, os índios Kayapó tentaram barrar a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, eles usaram pinturas e danças de guerra. A estratégia funcionou, e a usina ficou paralisada por dez anos, até o projeto ser refeito e a Eletronorte decidir retomar a obra. Nesta quarta-feira (9), uma nova guerra começa a ser travada, mas não nos rios e florestas do Xingu, e sim nas cortes e tribunais brasileiros.

Até aqui, a obra já foi acionada 17 vezes na Justiça. São ações que questionam o processo de licenciamento da obra, a forma como foi leiloada a usina, os impactos que pode causar na população afetada, entre outras supostas irregularidades. A usina, que terá capacidade máxima de 11 mil MW, vai alagar 500 km² de florestas e alterar o fluxo o rio Xingu, que passa por terras indígenas. Por esses motivos, gera ferrenha oposição de ambientalistas e povos indígenas.

O governo refuta essa tese, e argumenta que a obra respeita as populações indígenas e é ambientalmente sustentável. Mas o Ministério Público Federal (MPF) não aceita esses argumentos. Os procuradores acusam o governo e a empresa construtora da usina, a Norte Energia SA, de inúmeras irregularidades desde a primeira etapa do projeto, nos estudos de impactos ambientais.

O MPF sustenta esse argumento com 13 ações na Justiça contra a obra. A primeira data de maio de 2001, quando os procuradores questionaram a forma como estavam sendo feitos os estudos de impacto ambiental. De lá pra cá, muita coisa aconteceu: os estudos foram realizados, Belo Monte foi a leilão, conseguiu duas licenças do Ibama e iniciou as obras. Em todas as etapas teriam irregularidades. “Belo Monte teve irregularidades desde o início. Em todas as fases do projeto houve pelo menos uma irregularidade grave, geralmente no sentido de esconder a realidade da usina”, argumenta o procurador da República no Pará, Felício Pontes.

Nesta semana, a Justiça deve retomar a segunda das treze ações do MPF. Nesta ação, o MPF argumenta que a legislação brasileira obriga o governo e os empreendedores a consultar a opinião dos povos indígenas que podem ser afetados pela obra. A empresa Norte Energia diz que em cada reunião que fez com os índios, houve também uma consulta. Mas pela lei, essa consulta não pode ser feita pela empresa, e sim pelo Congresso. “O Congresso, no entanto, sequer ouviu os índios. A proposta foi aprovada nas duas casas, em apenas 15 dias, e nenhuma liderança foi consultada”, diz Pontes.

Grupo indígena em frente à estrada que dá acesso ao canteiro de obras de Belo Monte (Foto: Ivan Canabrava/Illuminati Filmes/ONG Xingu Vivo)
Grupo indígena em frente à estrada que dá acesso ao canteiro de obras de Belo Monte (Foto: Ivan Canabrava/Illuminati Filmes/ONG Xingu Vivo)

A demora no julgamento da ação – que já foi paralisada duas vezes por pedidos de vistas dos juízes – levou cerca de 300 manifestantes, entre índios, ribeirinhos e ambientalistas, a ocupar os canteiros de obras de Belo Monte. A Justiça rapidamente ordenou que os índios deixassem o canteiro: uma liminar obrigou a desocupação menos de 24 horas após a invasão.

Nas demais ações, mais acusações de irregularidades no processo. Os procuradores pedem para anular os estudos de impacto ambiental da obra; propõem ações de improbidade contra a empresa e o Ibama, por aceitar os estudos questionados; pedem a suspensão da licença que permitiu a instalação dos canteiros de obras e, na ação mais recente, querem evitar a remoção das etnias Arara e Juruna.

Mas não é apenas o MPF que se entricheirou na Justiça. Organizações ambientalistas, como a Amigos da Terra e o Instituto de Defesa Etnoambiental Kanindé entraram na Justiça na época do leilão de Belo Monte; o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), da Igreja Católica, também, além de organizações sociais locais e até a prefeitura de Altamira, município onde fica a usina.

No começo de outubro deste ano, pouco antes da prefeitura entrar na Justiça, foi a vez da ação da Associação dos Criadores e Exportadores de Peixes Ornamentais de Altamira (Acepoat) ser julgada. A entidade entrou na Justiça argumentando que Belo Monte afeta a pesca de peixes ornamentais no rio Xingu, e o juiz proibiu escavações ou qualquer obra que altere o curso natural do rio. A paralisação, por enquanto, não deve atrasar a obra. No cronograma da Norte Energia, as obras no rio só devem acontecer no ano que vem, e até lá a empresa tem tempo para tentar reverter a decisão. Mas a ação dos produtores de peixe mostra como é frágil a situação da Belo Monte, prevista para ser uma das maiores hidrelétricas do mundo, e que pode ser parada sucessivamente por liminares e decisões judiciais.

A redação de ÉPOCA procurou a empresa Norte Energia para saber como ela pretende lidar com essa insegurança. Em nota, a Norte Energia disse que já protocolou uma carta com respostas às demandas levantadas pelo MPF e também pela prefeitura de Altamira. A empresa diz responder ponto a ponto os “alegados atrasos e descumprimentos levantados” pela prefeita, e também afirma que encaminhou as respostas para todas as partes envolvidas. A empresa não quis divulgar a carta nem um resumo das informações prestadas pela empresa, e disse que “toda e qualquer ação será definida no âmbito judicial”.

http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2011/11/batalha-por-belo-monte-sera-travada-na-justica.html

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