Haitianos procuram visto e índios fraudam para conseguir nacionalidade brasileira

Daniel Camargos

Santa Rosa (Peru) e Tabatinga (AM) – Quem passa pelo vilarejo peruano de Santa Rosa observa uma cena diferente: os telefones públicos estão sempre ocupados, geralmente até filas são formadas, com vários haitianos ligando para casa avisando que cumpriram a maior parte da travessia de 10 dias e que estão prestes a chegar ao Brasil. Do outro lado do Rio Solimões é Tabatinga, primeira parada almejada pelos imigrantes da ilha da América Central, devastada por um terremoto no ano passado. De acordo com os números da Polícia Federal, 1,5 mil haitianos chegaram a Tabatinga neste ano e 700 estão na cidade, à espera de um visto concedido para refugiados, e se misturam ao caldeirão de etnias da fronteira.

O Estado de Minas revelou ontem um esquema feito por índios estrangeiros para conseguirem se nacionalizar e ganhar benefícios do governo brasileiro, principalmente o Bolsa-Família. Os haitianos, por sua vez, procuram o caminho legal. O status de refugiado é uma medida complementar adotada pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare) e pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), ligados aos ministérios da Justiça e do Trabalho, respectivamente. A decisão do governo federal foi um gesto humanitário, pois a legislação brasileira e as convenções internacionais não concedem o refúgio relacionado a desastres naturais ou fatores climáticos.

Quase 700 mil pessoas ainda estão desalojadas no Haiti, espalhadas em mais de mil acampamentos na capital, Porto Príncipe, e em outras áreas afetadas pelo terremoto. Em janeiro do ano passado o tremor de 7 graus na escala Richter deixou 2 milhões de pessoas desabrigadas, além de ter ferido 300 mil pessoas e provocado a morte de 230 mil. O Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos também fez um apelo aos governos para que suspendam a repatriação involuntária de haitianos.

Com o visto, os haitianos podem se estabelecer no Brasil, buscar emprego e ter todos direitos de um estrangeiro em situação regular. Tudo que Pierre Ivet, de 29 anos, quer é um emprego. “O que tiver para fazer eu faço. Não escolho o trabalho”, afirma. Ele deixou a esposa e um filho no Haiti e veio para o Brasil. Junto com outras dezenas de haitianos, ele aguardava para ser entrevistado pela Polícia Federal e fazer o pedido de um visto para refugiado. A PF pergunta aos haitianos se eles estavam no Haiti à época do terremoto, se tiveram a casa destruída e se perderam alguma pessoa da família. Em praticamente todos os casos a resposta é a mais triste.

A PF de Tabatinga tem estrutura para fazer 24 entrevistas por semana, porém chegam cerca de 40 haitianos nesse período. Após irem à PF os haitianos esperam 90 dias pela concessão do protocolo de refugiado. Durante esse período ficam em Tabatinga e conseguem apenas trabalhos esporádicos, como vender jornais e lavar carros. “Estamos passando fome”, diz Geniese Jeudi. No Haiti, onde Geniese trabalhava em uma creche, deixou o marido e dois filhos. Para conseguir o dinheiro para a viagem fez um empréstimo de US$ 4,5 mil.

Leilão e bingo

O padre Gonçalo Franco se tornou a referência dos haitianos. Todas as manhãs serve um lanche na igreja para quase 500 pessoas. Segundo Geniese, na maioria dos dias é o único alimento deles. Para arrecadar as provisões o padre, que é colombiano, promove festas, bingos e conta com o auxílio da comunidade. “Pedi aos times de futebol que enviassem camisas autografadas para leiloar e arrecadar dinheiro”, conta o padre. Apenas o Vasco da Gama e Ronaldinho Gaúcho, do Flamengo, enviaram as camisas. “Com o dinheiro deu para fazer o lanche para os haitianos durante um mês”, conta o padre.

Para que os haitianos durmam, o religioso também conta com a boa vontade da população. Ele consegue casas que estão vazias e também tenta negociar o aluguel mais barato. Geniese reclama da dor no corpo, pois dorme no chão, sem colchão, e divide um cômodo com mais 15 haitianos.

Sonhos de cidade grande

Tabatinga – Enquanto esperam o protocolo de refugiado, os haitianos tentam pensar em dias melhores. “Quero ir para São Paulo”, deseja Alexis Edmond. Com experiência de trabalho como camareiro em hotel, ele espera conseguir uma vaga no Brasil. Diferentementes dos outros imigrantes, Alexis não quer ir para Manaus. Na capital do Amazonas já estão mais de dois mil haitianos, que também chegam por outros pontos da fronteira, como Basiléia, no Acre. “Lá não tem o que fazer. Acabaram os empregos para gente como nós”, afirma.

O volume de imigrantes no país fez com o Brasil entrasse no roteiro da diáspora haitiana. Estima-se que 2,5 milhões dos 9 milhões de haitianos vivem fora do país. Somente nos EUA são 1 milhão, e no Canadá outros 100 mil. O envio de dinheiro dos que moram fora é responsável por um terço do orçamento nacional: US$ 1,9 bilhão por ano.

Os haitianos falam creole e francês. Muitos arranham um pouco de espanhol, pois passaram pela República Dominicana e outros países da América do Sul antes de chegar ao Brasil e aprenderam as primeiras palavras, o que facilita o entendimento do português.

Para chegar ao Brasil, fazem um trajeto extenso. Começa com uma viagem de ônibus até Santo Domingo, capital da República Dominicana. De lá, eles partem de avião até o Panamá e depois seguem pela América do Sul até chegar a Iquitos, no Peru. Seguem de barco pelo Rio Solimões e aportam em Santa Rosa. De barco, novamente, atravessam o rio e chegam a Tabatinga.

Coiote

O fluxo migratório atiça a cobiça de aproveitadores. A Polícia Federal prendeu um haitiano de 28 anos acusado de trazer estrangeiros para o Brasil clandestinamente e de maneira irregular. A denúncia foi feita pelos próprios haitianos. O “coiote” cobrava US$ 2 mil para trazer do Peru até o Brasil e prometia trabalho aos estrangeiros, facilidade para moradia em Tabatinga e transporte para Manaus.

http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2011/11/07/interna_politica,260426/haitianos-procuram-visto-e-indios-fraudam-para-conseguir-nacionalidade-brasileira.shtml

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.