Por Neomil Macedo
A existência de um “racismo à brasileira”, relativizado pela miscigenação do povo brasileiro foi tema da participação do professor de história da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Luz Carlos Ribeiro, nesta terça-feira (26/10), no seminário “Do futebol à universidade: a questão racial no Brasil”, no auditório do Observatório Astronômico da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). A promoção reuniu a Comissão de Acompanhamento e Avaliação da Implementação da Política de Cotas da UEPG; Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), Comissão Própria de Avaliação (CPA), Departamento e Colegiado do curso de Educação Física, com o objetivo de refletir sobre o comportamento da sociedade brasileira frente às questões raciais e também apresentar dados da política de cotas implantada pela UEPG em 2006.
O professor Luiz Carlos Ribeiro abriu as discussões fazendo um mapeamento histórico da temática do racismo no Brasil. Segundo ele, a questão racial no país tem início com a abolição da escravidão no final do século XIX. “Até então o racismo não era discutido como um problema social, porque os negros tinham o seu lugar na sociedade brasileira”, disse o professor, comentando que, com o fim da escravatura, tiveram início as discussões sobre o que fazer com o negro livre, surgindo aí a questão racial. Nesse contexto, ele cita a existência na época do que se chamou de “ciência racialista”, que colocava o negro como um sujeito geneticamente inferior ao homem branco.
Já no século XX, anos 30, o historiador cita o sociólogo, antropólogo, historiador, escritor e pintor brasileiro, Gilberto Freyre (autor de Casa Grande & Senzala, 1933), que coloca o racismo no Brasil como uma questão cultural e cita a existência de uma “democracia étnica”, proporcionada justamente pela miscigenação racial do país. Para Freyre, “o negro estava na sociedade e deveria ser tratado como indivíduo social”. Já o governo Vargas pregava uma “harmonia racial e social” no país, cultuando uma “ideologia nacionalista”. O pesquisador da UFPR explica que Vargas defendia a existência de um “homem brasileiro”, cujas características eram sintetizadas no mulato.
Nos anos 50, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) citava o Brasil como um “laboratório racial”, adequado a experiências de miscigenação racial. Em 1960, já surge a contestação a teoria de Freyre, agora analisando a questão racial no país pelo viés classista. No final dos anos 70, a partir do processo de redemocratização do país, reabre-se a discussão sobre o racismo. Aqui, Luiz Carlos Ribeiro, cita o antropólogo Roberto da Matta, que cunha a expressão “racismo à brasileira”, dizendo que “o Brasil não é igualitário, mas também não vive um apartheid”.
Na sequência, já nos anos 90, o professor Luiz Carlos Ribeiro comenta que crescem os movimentos antirracismo no país, contudo sem se perder as características do “racismo à brasileira”, do “racismo dissimulado”, no qual se tem vergonha de se declarar o preconceito de raça (ou de cor), abrindo assim espaço para o crescimento de uma chamada “etiqueta das relações sociais”. Para explicar essa situação, o historiador apresentou dados de uma pesquisa na qual a grande maioria dos brasileiros admite a existência do racismo no país. Contudo, nessa mesma amostragem, grande parte da população afirma não ter preconceito racial. “Trata-se de uma contradição, que confirma a dificuldade de se compreender a questão racial no país”.
Transportando essa questão para o futebol, Luiz Carlos Ribeiro, comentou sobre o movimento encabeçado pela Fifa, recentemente, com a finalidade abolir o racismo nos estádios de futebol. Na condição de integrante do Núcleo de Estudos “Futebol e Sociedade”, da UFPR, Luiz Carlos Ribeiro diz que existe muito pouco ou quase nada na literatura sobre o racismo no futebol brasileiro. Atualmente, ele diz que o grupo da UFPR desenvolve uma pesquisa sobre a temática “futebol e racismo”, cujos dados ainda estão em fase de tabulação. As primeiras impressões segundo ele apontam para a confirmação da existência desse racismo dissimulado, à brasileira, também no futebol.
Com mediação do professor Miguel Arcanjo de Freitas Júnior, o seminário teve sequência com a participação da advogada Karen Gomes Margraf, da Divisão de Expediente da Prograd, que falou sobre os aspectos legais das políticas afirmativas implantadas no Brasil, até chegar à política de cotas implantada pela UEPG, em 2006, criando as cotas para estudantes da escola pública e para negros também oriundos da escola pública.
A pró-reitora de Graduação, Graciete Tozetto Góes, falou sobre a implantação e mudanças na política de cotas da UEPG, concebida para oito anos. Após será feita uma avaliação dos resultados obtidos no período, definindo-se pela continuidade ou não dessa política. Em seguida a professora Mari Ângela Brandalise, da CPA, apresentou números das primeiras avaliações da política de cotas, que mostram, inclusive, um aproveitamento similar entre alunos cotistas negros, estudantes da escola pública e acadêmicos da cota universal (não optantes pelo regime de cotas). “As médias praticamente se equivalem”, diz a professora, comentado que o resultado se contrapõe ao discurso de baixa qualidade do ensino público.
Após as exposições, abriu-se espaço para perguntas aos palestrantes. Como mediador, o professor Miguel Arcanjo destacou a oportunidade da realização do seminário, para discutir um tema que “por muito tempo ficou de forma subliminar na nossa sociedade”. Através de iniciativas como essa, disse, “estamos democratizando a informação, oportunizando à comunidade universitária, aos estudantes, cotistas ou não, o acesso a dados sobre as políticas afirmativas implantadas pela UEPG e a avaliação e acompanhamento dos estudantes que ingressaram na instituição graças a essa política institucional.
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