Ricardo Verdum*
O Plano Plurianual 2012-2015 enviado ao Congresso Nacional no final de agosto está dividido em 65 programas temáticos, com 491 objetivos e 2.503 iniciativas. Para sua execução, o Governo federal prevê um investimento global de aproximadamente R$ 5,4 trilhões. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Plano Brasil Sem Miséria (PBSM) são anunciados como as duas principais prioridades do PPA, que serão objeto de tratamento diferenciado ao longo dos quatro anos. Visto no conjunto, o novo PPA revela uma vontade de trabalho ambiciosa, com factibilidade ainda por ser verificada.
Com uma população estimada de 817.963 pessoas (IBGE, 2010), das quais 502.783 vivendo na zona rural, os povos indígenas são contemplados no novo PPA com um programa temático específico, contendo nove objetivos. Intitulado de Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas no Brasil, nele o Governo prevê realizar um gasto global de R$ 3,676 bilhões. Em 2012, o orçamento proposto é de R$ 793,107 milhões, dos quais R$ 690,650 milhões para ações da Política de Saúde Indígena.
Se autorizado esse valor pelo Congresso Nacional, o orçamento desse programa em 2012 será comparativamente superior ao seu orçamento nos últimos quatro anos. Mas ocorrerá não por um aumento real de investimento, mas pela incorporação da ação de saneamento. Agora, se somarmos o que está previsto ser gasto em 2011 no programa de Proteção e Promoção dos Povos Indígenas, mais o orçado na ação de Saneamento Básico em Aldeias Indígenas, veremos que o orçamento proposto pelo Poder Executivo para 2012 é cerca de R$ 27,4 milhões menor que o de 2011.
Além do programa Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas no Brasil, os povos indígenas aparecem como público alvo em 20 outros programas. Entre as mudanças promovidas nesse programa, uma é a inclusão da palavra “Direitos” no título; outra, é a inversão na ordem nas palavras “Promoção” e “Proteção”. Além disso, tivemos a incorporação da ação Saneamento Básico em Aldeias Indígenas para Prevenção e Controle de Agravos. Também a criação de uma ação destinada aos indígenas “de recente contato”, com dotação orçamentária específica.
Para quem acompanha a elaboração e a execução dos planos Plurianuais ao longo da última década fica evidente que várias iniciativas contidas no PPA 2012-2015 não são de fato novas. Algumas são extensões de ações iniciadas em anos passados, outras estão ligadas a políticas de execução continuada, como é o caso da saúde indígena. Há temas novos, que emergiram com força nos últimos anos, com o REDD+ e o PSA, e que dão um novo colorido às iniciativas de gestão ambiental e territorial nas Terras Indígenas. Mas o que segue firme o seu rumo é a pressão sobre os chamados recursos naturais, presentes nos territórios indígenas.
Motivo de preocupação de uns e apreensão de outros, a mineração em terras indígenas e o licenciamento ambiental de empreendimentos aparecem no novo PPA como metas específicas do Governo Federal. A aprovação do Projeto de Lei que trata da regulamentação da mineração em Terras Indígenas é uma meta do programa Gestão Estratégica da Geologia, da Mineração e da Transformação Mineral, sob a guarda do Ministério das Minas e Energia (MME). Além disso, no programa Licenciamento e Qualidade Ambiental, sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o governo quer promover o que chama de “aprimoramento dos mecanismos de licenciamento de empreendimentos com impactos em terras indígenas e comunidades tradicionais”. A Fundação Nacional do Índio (FUNAI) também tem metas específicas para o licenciamento: além de “viabilizar a participação indígena”, diz que pretende regulamentar a sua atuação como agente interveniente nas definições do componente indígena no âmbito do Licenciamento Ambiental. Em nenhum momento é mencionada a aplicação do Direito de Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) dos Povos Indígenas, de conformidade com o estabelecido na Convenção 169 da OIT, com poder de Lei no país desde 2003.
No tocante ao direito territorial dos povos indígenas, o Governo Federal estabeleceu como meta delimitar 56 terras no quadriênio, 21 na Amazônia Legal e 25 nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste. Prevê também emitir 45 portarias declaratórias da posse indígena de terras tradicionalmente ocupadas, o equivalente a 51% do número de portarias emitidas nos oito anos do Governo Lula da Silva, e a constituição de 8 reservas indígenas (“para atender os casos de maior gravidade de povos indígenas confinados territorialmente ou desprovidos de terras”). Estabelece, ainda, a meta de homologar 40 terras demarcadas, 24 localizadas na Amazônia Legal – isso equivale a 52% das homologações assinadas pelo presidente Lula. O PLOA 2012 propõe um orçamento de R$ 20,270 milhões para a ação de Delimitação, demarcação e regularização de Terras Indígenas.
O novo PPA prevê a realização de estudos e a localização de povos indígenas isolados, complementada com a estruturação de unidades descentralizadas da FUNAI e de frentes de proteção etnoambiental. Também a formulação de uma política específica de proteção e promoção aos povos indígenas recém contatados; a implantação dessa política em 11 terras indígenas jurisdicionadas às Frentes de Proteção Etnoambiental da FUNAI; e o monitoramento e avaliação dos impactos das demais políticas governamentais e não governamentais nessas 11 terras indígenas. Ela está direcionada aos grupos potencialmente afetados por obras de infraestrutura e aos grupos cujos territórios estão sendo objeto da cobiça de madeireiros, garimpeiros e do narcotráfico. Aos povos isolados, o PLOA 2012 propõe um orçamento de R$ 3,200 milhões; aos de recente contato, R$ 900 mil.
Promover a chamada gestão ambiental e territorial nas terras indígenas é outro objetivo previsto no novo PPA. Isso inclui a realização de uma Conferência Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras indígenas; a realização de diagnósticos da agrobiodiversidade local entre os povos Guarani, Khraô, Paresi e Xavante; e a estruturação de oito arranjos produtivos locais o acesso aos mercados e geração de renda (cinco na Região Norte e três no Nordeste). Fala-se ainda na implantação de 80 projetos de gestão ambiental; a implementação de 51 planos de gestão ambiental e territorial; e a implantação de processos e projetos de etnodesenvolvimento em 678 terras indígenas (46% na Região Norte). Associado a isso está a formação continuada de 300 gestores não indígenas e 300 indígenas. Em outro programa, intitulado Agricultura Familiar, encontramos a meta de contratar serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) para 15 mil famílias indígenas, sendo 6 mil na Região Nordeste e 4 mil na Região Norte. Ainda, a qualificação de 300 agentes de ATER para atuar junto às comunidades indígenas. O programa Biodiversidade também prevê uma série de metas e iniciativas relacionadas com os conhecimentos indígenas e o uso da biodiversidade nos territórios indígenas, com fins comerciais, e nos diferentes biomas.
O desmatamento é outro tema enfatizado no novo PPA. No quadriênio 2012-2015, o Governo Federal está se comprometendo com a meta de monitorar 20 terras indígenas com altos índices de desmatamento. Com esse fim, pretende estabelecer acordos de cooperação técnica com o objetivo de combater o desmatamento, os incêndios florestais e outros ilícitos socioambientais nos territórios indígenas. Diz também que quer criar o que chamou de “componente indígena” no âmbito da Política Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC), assim como promover uma maior participação indígena nas discussões e decisões relacionadas com a regulamentação do REDD+ e do pagamento por serviços ambientais. A elaboração de metodologias e parâmetros técnicos para um sistema de pagamento de serviços ambientais, para comunidades indígenas e outras populações rurais, é previsto no programa Agricultura Familiar. A execução desse programa é de responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).
O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) de 2012 prevê para a FUNAI, no âmbito do Programa Temático Proteção e Promoção dos Direitos dos Povos Indígenas, um orçamento global de R$ 98,492 milhões. Na tabela a seguir apresentamos os valores propostos pelo Poder Executivo para serem aplicados na regularização fundiária e na gestão ambiental e territorial das Terras Indígenas:
TABELA 1: TERRA E GESTÃO TERRITORIA INDÍGENA NA PLOA – 2012
NOME DA AÇÃO ÓRGÃO ORÇA/PROPOSTO
Fiscalização e monitoramento territorial das Terras Indígenas MJ/FUNAI 8.743.399
Promoção do etnodesenvolvimento em Terras Indígenas MJ/FUNAI 13.076.000
Delimitação, demarcação e regularização de Terras Indígenas MJ/FUNAI 20.270.966
Localização e promoção de povos indígenas isolados MJ/FUNAI 3.200.000
Promoção dos direitos dos P.I. de recente contato MJ/FUNAI 900.000
Gestão ambiental e territorial das Terras Indígenas MJ/FUNAI 5.985.839
Fomento a gestão ambiental em Terras Indígenas MJ/FUNAI 226.250
Fomento a projetos de gestão ambiental dos P.I. da Amazônia MMA 3.638.600
Apoio ao desenvolvi/ sustentável das comunidades indígenas MDA 1.500.000
TOTAL 54.341.054
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*Assessor de Políticas do INESC.