Nova área do Santuário dos Pajés é devastada por construtora

Renato Santana, de Brasília

Contrariando o artigo 231 da Constituição Federal, onde se determina que são nulos quaisquer títulos que incidam sobre terras indígenas, a construtora Brasal segue nesta sexta-feira (14) invadindo e destruindo áreas do Santuário dos Pajés, Território Indígena (TI) localizado no Setor Noroeste de Brasília (DF). A empresa faz parte de um grupo de construtoras que pretende erguer um residencial de alto padrão sobre a área indígena.

Além de mais uma porção de cerrado devastado a cerca de 100 metros das aldeias, o dia tem sido de mais violência praticada pelos seguranças da construtora contra indígenas e apoiadores do movimento. O clima é de tensão e a qualquer momento novos conflitos podem ocorrer.

Os indígenas e seus apoiadores esperam que nas próximas horas a juíza Clara da Mota Santos emita liminar suspendendo as obras, pois nos autos do processo não consta estudo preliminar, encomendado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e apresentado no último mês de agosto, onde fica comprovada a ocupação tradicional indígena dentro dos 50 hectares reivindicado pela comunidade do Santuário.

Terracap e construtoras afirmam, inclusive judicialmente, que a terra indígena é de quatro hectares. Por essa razão, e sem nenhuma base legal, passaram a invadir e depredar o território do santuário – ao redor dos quatro hectares – reivindicado pelos indígenas e com a comprovação de tradicionalidade atestada pelo estudo preliminar da Funai.

“A informação da Terracap (Companhia Imobiliária de Brasília) não está correta porque ainda não há conclusão do Grupo de Trabalho (GT) da Funai para a identificação da terra. Então como se pode dizer que são quatro hectares? O que queremos é que a Funai agilize a construção do GT e é com base no relatório do grupo que vamos saber qual o tamanho da terra”, diz o secretário-adjunto do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Saulo Feitosa.

Em face dessa perspectiva, para o indigenista a invasão e destruição do território, por parte das construtoras, acabam com indicadores importantes para a constituição e caracterização da ocupação tradicional. Para advogados especializados em direito indígena, a ação das empresas pode configurar crime federal.

Omissão da Funai

O estudo preliminar, fato novo no processo que trata da posse do território, passado dois meses de sua apresentação, não serviu de razão para a Funai montar o GT de identificação da terra. A morosidade do órgão, como é visto em várias regiões do país, tem sido, conforme os indígenas, a principal razão para a escalada da violência.

Existe ainda o risco da Funai considerar ou não o estudo. “Independente da Funai assinar ou não, o estudo existe, foi assinado pelos profissionais que o fizeram e é bem embasado e sério. Se a Funai aceita pressões de empreiteiras é um problema dela”, afirma Saulo.

O indigenista é taxativo ao dizer que se a Funai é omissa e conivente, deve ser denunciada por estar defendendo interesses particulares e não indígenas. Além disso, as construtoras não podem avançar sobre a área antes da juíza Clara da Mota Santos se pronunciar quanto ao fato novo do estudo preliminar.

“Mas o importante é entender que acima da decisão da juíza está a Constituição Federal e lá no artigo 231 está claro: se trata de terra indígena e os títulos são nulos. Se a Terracap vendeu e as construtoras compraram o problema não é dos indígenas”, frisa o indigenista.

Desmatamento e agressões

Enquanto tentavam barrar a entrada de mais máquinas para a continuidade da depredação do TI, integrantes da comunidade e militantes sociais foram espancados.

“Alguns colegas se acorrentaram nos tratores e outros foram para o diálogo. Num determinado momento, enquanto eu tirava fotos, um companheiro se colocou na frente de um trator e o operador baixou a pá sobre ele, que escapou por pouco”, conta Augusto Bastos.

Na sequência, Augusto foi atacado por quatro seguranças que queriam seu material fotográfico. O atiraram ao chão com socos e empurrões. Passaram a desferir e xingamentos. Um Policial Militar (PM) o deteve e logo depois o liberou.

Augusto ainda relata ter tomado tapas do coronel da PM Charles Magalhães, enquanto o filmava chegando à paisana e passando orientações aos seguranças. “Filmei o momento em que ele vem para tirar a câmera de mim e me agride”, diz.

Mais uma vez também as mulheres foram alvo da covardia dos capangas pagos pela Brasal. Beatriz Moreira Miranda estava fora da área em que a construtora alega ser propriedade particular, mas ainda assim foi atacada por um segurança que com um porrete a atingiu em várias partes do corpo.

“Eu estava fora da área que a Brasal diz que é dela e fui interceptar um trator quando ele veio e passou a me agredir. Teve uma hora que não consegui ver mais nada”, revela. Mais apoiadores dos indígenas do Santuário foram agredidos e todos foram para o 2º Distrito Policial registrar queixa e fazer exame de corpo de delito.

O conflito, no entanto, tem sido momento para a construção da unidade dos indígenas quanto à manutenção do território tradicional.

Tenoné Kariri Xocó acordou no início da madrugada desta sexta-feira (14) perturbada por um sonho onde seu pai aparecia e dizia para ela ir abraçar seus irmãos em luta no Santuário dos Pajés, sob invasão de construtoras. Não conseguiu mais dormir. A aldeia da indígena fica ao lado do território e sua comunidade pensava em negociar a saída com compensações financeiras.

“Somos uma cultura viva e temos direito a essa terra. Nós somos ‘nascentes’ dessa terra e não temos direitos, agora quem invade tem? Vamos lutar pela permanência em nosso chão sagrado”, diz Tenoné.

Durante a tarde desta sexta-feira (14), representantes da Funai foram ao Santuário para conversar com a comunidade indígena. Chove em Brasília e a resistência segue.

http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=5850&action=read

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