A Relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente lançou na manhã desta quinta-feira (6), em Brasília, o relatório fruto de investigação sobre a exploração de urânio na cidade baiana de Caetité. O relatório reuniu várias denúncias apresentadas pelas comunidades, entre elas vazamentos de material radioativo, falta de informação sobre os riscos a comunidade, maior incorporação de urânio pela população e incidência anormal de neoplasias, diminuição nos recursos hídricos da região e falta de segurança aos trabalhadores da INB – Indústrias Nucleares do Brasil, responsável pela extração e mineração do urânio no município baiano.
A audiência pública foi acompanhada pelo presidente da INB, Alfredo Tranjan Filho, e também por representantes das comunidades afetadas, pesquisadores, professores e por dois funcionários da INB. A audiência iniciou às 10h30min e seguiu até às 14h30min, com muitas denúncias por parte da sociedade civil e por respostas vagas por parte da INB. Apesar de o presidente da empresa afirmar acesso livre à informação e garantir a boa qualidade da água e a ausência de risco aos que estão no entorno da mina de urânio, as falas dos representantes das comunidades foram suficientes para desconstruir o posicionamento assumido pela INB.
De acordo com Lucas Mendonça dos Santos, do Sindicato dos Mineradores de Brumado e Micro-Região, durante o processo de reentamboramento (mudança de tambor de concentrados de urânio), realizado em junho deste ano e combatido pela comunidade em manifestações públicas, “se viu urânio para tudo quando é lugar da área. Chegou-se a despejar urânio no chão, e recolher de pá. O supervisor de serviço abriu o portão da área para jogar a poeira de urânio para fora do local. Não havia equipamento de proteção respiratória”. Os macacões usados pelos trabalhadores, que deveriam ser descartados, eram lavados e entregues aos funcionários terceirizados. A empresa conta com aproximadamente 500 funcionários, sendo que cerca de 300 são terceirizados.
A Auditora do Ministério do Trabalho, Fernanda Giannasi, esteve nas dependências da INB onde verificou a existência de resíduos de urânio no chão, nas paredes, nas lâmpadas e até nos dutos de ventilação improvisados. Ela denunciou que a empresa não realiza os testes de saúde necessários aos funcionários, compromisso este que deveria ser acompanhado vitaliciamente pela empresa, de acordo com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil. Apesar de o presidente da INB dizer que os testes estão disponíveis aos trabalhadores, os próprios funcionários afirmaram em sentido contrário, um deles inclusive que “nenhum trabalhador, inclusive eu, recebe resultados de exames. O sentimento é de desamparo. (…) A gente não faz frente a empresa, mas fazemos frente a forma irresponsável como essa empresa atua”.
A falta de acompanhamento da saúde da população está entre uma das situações mais graves para a relatora, Marijane Lisboa. Sem esse acompanhamento, não se pode saber ao certo o real impacto da exploração de urânio na cidade. Durante sua visita a comunidade, a relatora esteve nos hospitais, nenhum com tratamento especializado em oncologia, onde soube que a falta de dados que estabeleçam um nexo causal entre a exploração de urânio e a incidência de cânceres deve-se ao fato de que quando uma pessoa é diagnosticada com câncer na região, ela é tratada em outras cidades, como Feira de Santana, Salvador ou São Paulo. Se esta pessoa chega a falecer, seu óbito não é registrado na região onde desenvolveu a doença. O devido acompanhamento dessa situação é uma das recomendações indicadas pela Relatoria ao final do Relatório, visando a superação das violações de direitos humanos encontradas no local.
Além disso, a falta de informações e de transparência na gestão da INB é outra denúncia constante. Em funcionamento há 10 anos, a empresa acumula uma lista de vazamentos e acidentes de material radioativo. Poços de água foram lacrados por conta do alto índice de radiação e posteriormente liberados, sem que a população tenha real informação da qualidade da água que consome. De acordo com Padre Osvaldino Alves, da Comissão Paroquial de Meio Ambiente de Caetité, a “população não foi devidamente preparada para os riscos e para os danos ambientais causados pela mina. A população foi enganada com a promessa de emprego, desenvolvimento e melhoria da qualidade da vida”. O pároco já foi processado pela INB e foi recentemente ameaçado de morte por sua atuação frente a defesa da comunidade. A população camponesa da região reclama que seus produtos não são mais comprados nas feiras, já que ninguém quer consumir um produto contaminado.
Durante seu trabalho de pesquisa, que durou de 2009 a 2011, a Relatoria procurou por diversas vezes a INB, mas encontrou um cenário de sigilo. “Escrevemos cartas pedindo visitas a INB, mas não tiveram retorno. Não há vontade de divulgar e de informar o que acontece”, afirma Marijane. O tema nuclear, além do sigilo, possui pouco respaldo técnico por parte do Estado, já que os órgãos públicos responsáveis em monitorar as denúncias, não possuem recursos e nem pessoal especializado no tema. Com isso, “a primeira recomendação é que se organize uma comissão mista para esclarecer qual é a qualidade da água de que a população está consumindo”, afirmou a relatora, que pediu também uma auditoria independente da INB. A relatora solicitou ainda a separação da INB e da CNEN – Comissão Nacional de Energia Nuclear – que seria a responsável pela fiscalização da Indústria, mas que é atualmente sua acionista majoritária.
“Em Caetité vemos todos os direitos sendo violados, por conta de uma atividade altamente nociva e perigosa, fora a má administração. Temos o direito à saúde, à água, moradia, atividade econômica, direito político a organização e manifestação, direito a informação”, resumiu a relatora.
O relatório está disponível via internet, bastando clicar AQUI.
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