Hoje conseguimos juntar diversas piadas numa postagem só. Começando pela falácia de considerar a monocultura de eucalipto como um exemplo de floresta, temos ainda a defesa dos agrotóxicos, da “economia verde”, dos “créditos de carbono”, da abundância de água de chuva como garantia de que o Deserto Verde não se forme etc. Seriam muitas piadas das quais rir, se não soubéssemos que o resultado de tudo isso só pode ser motivo de alegria para o entrevistado e para os demais acionistas da Veracel. TP.
Antonio Sergio Alipio, um dos principais palestrantes de hoje no Agenda Bahia, é diretor-presidente da Veracel e presidente da Abraf
Um dos principais palestrantes de hoje no Agenda Bahia, Antonio Sergio Alipio é diretor-presidente da Veracel e presidente da Abraf. Natural de Santos, engenheiro florestal formado pela Universidade Rural do Rio de Janeiro, acredita que o país está na trilha certa do desenvolvimento sustentável e aposta no diferencial competitivo brasileiro na indústria florestal para superar a crise econômica mundial e contribuir para o fortalecimento de uma economia verde e que reduza os efeitos do aquecimento global. Alipio conversou com o diretor de Redação do CORREIO Sergio Costa e a editora-executiva de conteúdo do Agenda Bahia, Rachel Vita.
Com o crescente envolvimento das empresas na necessidade de construir uma economia sustentável, o senhor acredita que é possível realmente contribuir para a redução do efeito estufa na terra?
Sem dúvida nenhuma. Vamos atingir agora em outubro a marca de sete bilhões de pessoas no planeta. Segundo a (revista) National Geographic, essa criança, o sétimo bilionésimo habitante do planeta, tem grandes possibilidades de nascer na Índia. Seremos sete bilhões que precisam de alimentação, de água, de moradia, educação, emprego e renda. Tudo isso impacta diretamente no ambiente, gerando lixo, poluição, efeito estufa, aquecimento global, degradação. As empresas podem contribuir, sim, nos seus processos, mas existe uma outra questão maior do que esta, que é de como essas sete bilhões de pessoas vão encarar o seu consumo. O que a Índia, a China, o Brasil, a América Latina querem? Ter um padrão de qualidade de vida de país desenvolvido, ou seja, um padrão de consumo norte-americano, europeu, japonês.
Isso significa que, se o modelo for o mesmo, teremos sete bilhões objetivando os mesmos padrões de consumo que trouxeram os resultados que todos sabem. A industrialização foi importante, mas trouxe também o efeito estufa. Ou seja, além das empresas, nós temos um grande desafio que é o crescimento populacional e o estabelecimento de um novo padrão de consumo.
O senhor fala na criação de uma nova cultura?
A relação é mais ou menos assim: a Europa, os EUA, o Japão representam 20% da população mundial e consomem 80% da produção. Imagine se os outros 80% de habitantes mantiverem o mesmo nível de consumo dos 20%. Não há água que dê conta, nem alimento, papel, nada. Isso tudo cria impactos que serão dirigidos para o meio ambiente. Vamos ter que trabalhar dentro das empresas, mas também num modelo de educação sobre a necessidade de criar novos padrões de consumo.
Qual a contribuição da indústria florestal neste cenário?
A primeira coisa é que 100% do papel e da celulose produzidos no Brasil vêm de florestas plantadas para essa finalidade e estão sendo colhidas para essa finalidade. Diferentemente de outros produtores no mundo, que ainda têm nas suas florestas nativas fontes de suprimento para essa produção. Empresas como a Veracel são autossuficientes na geração de energia elétrica. Geramos 100% de toda a nossa demanda de energia elétrica, usando resíduos de nossa produção que são orgânicos e, por consequência, renováveis. O excedente de energia gerada, que nós vendemos para o grid nacional, é capaz de abastecer uma cidade de 400 mil habitantes. Na Veracel, 85% de nossos resíduos são transformados em fertilizantes orgânicos, 50% usados no plantio de nossas florestas e a outra metade supre o mercado regional para a produção agrícola. Outra característica importante, do ponto de vista ambiental, é que temos toda a nossa produção de celulose transportada por via marítima. Isso significa redução do volume de carretas transportando a produção por nossas estradas e da emissão de CO2. E, por fim, o plantio de florestas é a melhor forma de fazer o sequestro de CO2. Para cada um hectare plantado de eucalipto existe o equivalente em área protegida, que também são florestas e sequestram o CO2. Você produz a muda, planta a árvore – que ao crescer sequestra CO2 -, esse CO2 é transferido para a produção de papel e continua estocado no papel que é reciclado. Ou seja, não é devolvido ao meio ambiente em forma de queima. É um ciclo muito sustentável de produção e um exemplo de economia verde.
Existe a possibilidade do sequestro de carbono se transformar na atividade principal da indústria florestal?
Se você considerar esta questão do ponto de vista da humanidade, eu diria que é já.
Mas e como negócio?
Como negócio, ele vai ser acessório. O Protocolo de Kioto definiu normas internacionais para sua remuneração como atividade econômica, inclusive com regulamentação em bolsas. No caso das florestas plantadas, nós temos alguma etapas a vencer em relação a adequação ao Protocolo de Kioto. Já temos empresas trabalhando assim no país. Uma parte da produção vem de madeira oriunda de produtores florestais, o que é uma maneira de incentivar o plantio. O crédito de carbono é um mecanismo fundamental para financiar o equilíbrio entre florestas plantadas e preservadas. Para as empresas, o retorno pode não ser tão grande do ponto de vista econômico, mas é um grande incentivo ao produtor florestal para preservar suas áreas e receber por elas um serviço ambiental.
O que falta ser feito para reverter esse quadro complicado da mudança climática, principalmente no Brasil?
Tudo começa com o estabelecimento de acordos internacionais que se traduzem em políticas públicas. Por exemplo, cada país já assumiu suas metas de redução de emissão de CO2 na linha do tempo. Estamos discutindo, neste momento, o novo código florestal.
Cheio de polêmicas, não?
Como tudo que é complexo e visa beneficiar a sociedade como um todo. A discussão por si só já é positiva, diante do quadro atual para um código produzido na década de 60, quando o planeta vivia uma outra realidade. Sua nova versão traz uma discussão sobre os serviços ambientais. É preciso que as sociedades se conscientizem que de alguma forma elas precisam remunerar os serviços ambientais, criar incentivos à preservação do meio ambiente e esta é uma questão que já está clara para a maioria. Quando o cidadão faz um despejo seletivo do seu lixo está dando uma contribuição importante para a preservação do meio ambiente.
O senhor acha que o Brasil está no caminho certo?
Sem dúvida. O país tem know how, tem expertise, tem gestão na área florestal. Mas, ao mesmo tempo, a gente sabe que a maior parte das contribuições para o aumento do efeito estufa vem do desmatamento de florestas nativas. Como é o caso no Norte, especificamente na Amazônia. O Brasil tem compromissos internacionais de redução desse desmatamento. Para nós, parece uma questão óbvia, mas temos que lembrar que há uma população muito grande vivendo no entorno dessas florestas e que o desenvolvimento ambiental não pode estar dissociado de desenvolvimento social. Muita gente vive da – ou próximo à – floresta.
No Agenda Bahia do ano passado, a Veracel assumiu a vanguarda da necessidade de adoção do ICMS verde na região do Sul baiano, como forma de incentivar o desenvolvimento e a preservação. Em que pé está esse projeto?
O debate avançou, mas ainda não temos estabelecida no estado da Bahia a criação do ICMS ecológico, que estimula, através de uma melhor distribuição do imposto, ações de conservação e preservação ambiental dos municípios e para o desenvolvimento urbano, como coleta seletiva, aterros sanitários, educação ambiental nas escolas. Diversas ações são contempladas além da preservação de área nativa. O projeto está em vias de ser aprovado pela Assembleia.
Hoje, apenas meio por cento do território baiano tem florestas plantadas. A Veracel pretende aumentar sua participação em florestas no estado?
Estamos em processo de licenciamento ambiental para duplicar nossa fábrica no Sul da Bahia, o que significará também um aumento da base florestal plantada e o consequente aumento da área preservada no Sul da Bahia, pela relação de um hectare plantado para um preservado que eu falei no início.
A duplicação da fábrica será acompanhada da duplicação da área plantada?
Não. Nossos ganhos de produtividade florestal obtidos nos últimos sete anos não exigem isso. Podemos produzir de forma mais sustentável, exigindo menos da terra. Vamos dobrar a produção industrial, mas não vamos dobrar a produção florestal por conta disso.
Quanto vocês têm hoje em área plantada?
A Veracel tem em torno de 92 mil hectares de área plantada com eucalipto, 105 mil hectares de área protegida e, para a próxima fábrica, plantaremos mais 80 mil hectares.
A crise europeia e americana, com a consequente redução da demanda por papel e celulose, mexe com os planos de investimentos e ampliação da empresa e do setor?
A crise mundial mexe com esse processo como um todo. Já aconteceu em 2008, na crise anterior, puxada pelos EUA, que fez com que reduzíssemos investimentos. Neste momento, todas as empresas estão revisitando seus planos, até por que, associada à questão da crise, para os países produtores de commodities, tem a questão do real muito fortalecido, o que cria um dificultador para os investimentos. As duas coisas fazem as empresas repensarem os seus timings de realização.
Já existe algum estudo do impacto desta crise no setor. No ano passado, pela primeira vez, papel e celulose passaram o setor petroquímico como maior exportador do estado. Há a possibilidade de uma retração?
Mesmo com esse quadro internacional e com o câmbio valorizado, a produção brasileira se mantém e se manterá. Não estamos falando de redução de produção, mas de investimentos por conta das pressões desses dois fatores. A gente produz em real e exporta em dólares. Temos aumentos de custos e redução de receitas.
A tendência de outros setores, diante da crise, de se voltar para o mercado interno também é uma alternativa para a celulose? O mercado interno é suficiente para equilibrar o jogo no caso de uma retração europeia, por exemplo?
Nem uma coisa, nem outra. O consumo per capita brasileiro de papel é de 40 quilos. Na Europa é de 250, no Japão é de 300 e pouco. A produção brasileira de papel tem uma geração de celulose que é suficiente, mas a de papel, não. A celulose é voltada para exportação. Apesar desta crise mundial, a demanda continua. O papel faz parte da vida e da sociedade moderna. Quando você pega o caso específico da Veracel, não quer dizer que estejamos livres de pressão de qualquer natureza. Sua eficiência de produção, a certificação internacional dessa produção, tudo isso dá à empresa um diferencial competitivo importante, porque o consumidor europeu exige esse certificado de produção com a melhor gestão ambiental possível e desenvolvimento social. A posição da empresa é confortável num cenário crítico e bastante competitivo.
Vamos falar então de oportunidades. O que a Bahia pode fazer em meio à crise para se diferenciar e crescer?
Quando a gente fala em florestas plantadas, o Brasil tem uma vantagem grande em relação aos nossos concorrentes internacionais. A Bahia, em particular, tem um posicionamento no país bastante importante e interessante. Nossa produção de madeira em média é em torno de 40 metros cúbicos por hectare por ano. É o indicador. O ciclo de colheita é em torno de sete anos. Na Escandinávia, tradicionais produtores de celulose e papel, a produtividade é de cinco metros cúbicos por hectare num ciclo de 35 anos. Nós já saímos com uma vantagem comparativa muito grande. Evidentemente, que temos outras desvantagens: o chamado custo Brasil e o consumo reduzido aqui e o custo de logística para transportar o produto até a Europa. Temos tecnologia, capacidade empreendedora, gestão, equilíbrio e a Bahia, pela produtividade que é 20% ainda maior que a do Brasil: são 50 metros cúbicos por hectare.
Quando o senhor fala que o consumo da Europa de papel é seis vezes maior que o do Brasil, o que faz diferença nesta conta?
Quando falamos de consumo de papel, nos referimos a três tipos: os papéis sanitários (papel higiênico, lenços, fraldas, guardanapos, etc), o papel de imprimir e escrever, e os especiais, que são os de revistas, livros, jornais. Em qualquer um desses segmentos, o fator preponderante é poder aquisitivo e cultura. No Brasil se lê menos que na Europa e nos EUA. Ainda temos outras prioridades. A mesma coisa acontece na Índia e na China. O consumo de papel é um forte indicador do grau de desenvolvimento do país. Nosso consumo relativamente baixo indica um gap de desenvolvimento.
Fonte: Correio da Bahia
http://www.osollo.com.br/online/index.php/economia-/5648-veracel-aposta-na-industria-florestal-contra-aquecimento