Em Açailândia, moradores padecem com mineradoras

Comunidades vivem situação de saúde calamitosa provocada pela indústria da mineração e siderurgia

Marcio Zonta, de AÇailândia (MA)

Dor de cabeça, irritação nos olhos, crise de espirros, dor de garganta edificuldade para respirar são alguns dos sintomas que já podem ser sentidos por alguém que permaneça aproximadamente 40 minutos no bairro do Piquiá de Baixo ou no assentamento Califórnia, ambos localizados na cidade de Açailândia, no Maranhão. Açailândia é um município de 104 mil habitantes onde estão instaladas siderúrgicas e carvoarias que transformam o minério extraído pela Vale.

Não é para menos. Um relatório da Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH), realizado em parceria com a Justiça Global e Justiça nos Trilhos, divulgado na segunda quinzena de maio, apresentou dados alarmantes em relação à saúde das famílias moradoras desses locais. Eles sofrem com a cadeia de mineração da Vale, do Projeto Carajás (oficialmente conhecido como Programa Grande Carajás), envolto a siderúrgicas e carvoarias para produção de ferro-gusa.

Em Piquiá de Baixo, localidade de Açailândia onde moram 300 famílias, nada menos do que 65,2% das pessoas sofrem com problemas respiratórios. No Assentamento Califórnia, comunidade de 268 famílias da região, mais da metade dos habitantes (52,1%) possui estado de saúde ruim, ou muito ruim. Ao mesmo tempo, apenas no primeiro trimestre de 2011, a Vale registrou lucro de R$ 11,291 bilhões.

Segundo o relatório, em Piquiá de Baixo, que concentra ao seu redor cinco siderúrgicas, em 76% dos domicílios visitados algum membro da família já havia sofrido alguma enfermidade aguda. Os principais sintomas são problemas na garganta, tosse, fluxo nasal ou dor de ouvido, dificuldades para respirar e lacrimejamento dos olhos.

Entre as enfermidades crônicas constatadas em 38% dos domicílios, 7,6% sofrem de asma e 5,4%, de sinusite. Para os pesquisadores, se comparado com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2008 (PNAD), onde as doenças crônicas mais declaradas no Brasil foram hipertensão, doença de coluna ou dores nas costas, seguidas de artrite e reumatismo, bronquite ou asma, depressão, doença do coração e diabetes, percebe-se um quadro um tanto distinto do encontrado no Piquiá de Baixo, onde problemas respiratórias foram o terceiro grupo de doenças crônicas mais frequentes, reforçando os efeitos nefastos da poluição do ar que acomete o bairro.

Como se isso não bastasse, o estudo revela também que em 20,7% dos 184 domicílios visitados algum dos moradores já havia sofrido algum tipo de acidente, sendo constantes os danos à vista devido ao cisco de ferro no olho, situação ligada diretamente às atividades das siderúrgicas.

Califórnia

No assentamento Califórnia, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a situação não é diferente. As famílias assentadas desde 1997 sofrem com a carvoaria da Vale, instaurada em 2005, que está prestes a passar seu passivo para a empresa Suzano Papel e Celulose. Alguns anos depois de sua implantação, um laudo médico já apontava os agravos à saúde dos moradores. No relatório da FIDH, há uma declaração do médico Walderci Ferreira Filho, que trabalhava no posto de saúde do assentamento, em meados de 2008, atestando que “em decorrência das instalações das carvoarias próximo ao referido assentamento, houve acentuado número de atendimento de doenças respiratórias em determinadas estações climáticas”. Problemas de saúde esses que o médico menciona em documento anexo à declaração: “Problemas respiratórios, dor e inflamação de garganta, problemas de pele, cansaço, tosse intensa, entre outros”.

Em 2010, ano de pesquisa da FIDH na comunidade, foi averiguado que num total de 635 pessoas que vivem no conjunto de domicílios visitados, 83,9% sofrem com dor de cabeça, seguida de 58,1% com dores nas juntas e 57%, com dor no corpo. A sinusite aparece como a terceira doença crônica no assentamento, 16,8%. Em mais uma comparação com o PNAD 2008, proposto pela FIDH, evidencia-se que enquanto o estado de saúde da população brasileira é relatado como “bom ou muito bom”, por 77, 3%, a condição de saúde da população do assentamento Califórnia é inferior ao padrão nacional, pois a proporção nesse quesito fica em 52,1%. E mais: enquanto a média nacional do estado de saúde do brasileiro “ruim ou muito ruim”, está no máximo em 4,6%, no Califórnia é superior, chega a 11,1%.

Prefeito fujão

O prefeito da cidade de Açailândia, Ildemar Gonçalves dos Santos (PSDBMA) não esteve presente na prefeitura para receber uma comissão formada por membros da FIDH, Justiça Global, Justiça nos Trilhos, moradores do Piquiá de Baixo e do assentamento Califórnia para apresentação do relatório, no dia 17 de maio.

“Tínhamos uma reunião marcada com o prefeito, mas estranhamente recebemos uma ligação de sua secretária na última hora dizendo que o prefeito teve que viajar urgentemente”, reclama Soffientini, integrante da Justiça nos Trilhos.

Para resolver o problema do Piquiá de Baixo é necessário a remoção das famílias para outra localidade, o que não é difícil, na visão do advogado Antonio Filho, do Centro de Defesa da Vida dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH). “Nesse caso, a área já foi escolhida, e quem indenizará o proprietário é o Sindicado das Empresas de Ferro Gusa do Estado do Maranhão (Sifema). Basta que o prefeito crie um projeto de desapropriação da área e envie à Câmara. Tudo isso é legal, já que o interesse social se sobrepõe ao interesse privado nessa questão”.

Mas, para o advogado, há algo nos bastidores ocorrendo para que isso não aconteça e continue o martírio das famílias do Piquiá de Baixo. “Parece que o fazendeiro da região, dono do sitio São João, escolhido para ser desapropriado, tem relações de influência com a família do prefeito Ildemar, isso está atrapalhando o processo de desapropriação, pois esse fazendeiro já disse que não gostaria de se desfazer da área”.

Já no caso do assentamento Califórnia, a reivindicação é pela a instalação de filtros nos 70 fornos ou mesmo a retirada da carvoaria, tão próxima do assentamento. A carvoaria fica a cerca de dois quilômetros da vila agrícola. Mas, segundo o Secretário de Meio Ambiente de Açailândia, Benedito Galvão, não compete a ele, “pois toda a licença para funcionamento da carvoaria foi conseguida em âmbito federal e estadual”.

O Programa Grande Carajás

Passados trinta anos da implantação do Programa Grande Carajás, o Maranhão, um dos Estados atingidos pela sua atividade, não vive o mesmo progresso da Vale. O Maranhão é o Estado que tem proporcionalmente a maior concentração de pessoas em condições extremas de pobreza. Da população de 6,5 milhões de habitantes, 1,7 milhão está abaixo da linha de miséria (ganham até R$ 70 por mês). Isso representa 25,7% dos habitantes, mais que o triplo da média do país, que é de 8,5%, segundo dados do último censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE).

Porém, tampouco Açailândia vive o tal progresso mencionado pela revista Veja, (edição especial de agosto de 2010), que a colocou como “metrópole do futuro”; 53, 3% da população da cidade era considerada pobre pelo Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil em 2000 (PNUD), mesmo com o pleno funcionamento das siderúrgicas, desde 1991. Além disso, os proprietários das siderúrgicas não têm qualquer vínculo com a cidade. São riquezas enormes, como por exemplo, a Vale do Pindaré pertencente à Queiroz Galvão, que em 2008 exportou cerca de 130 milhões de dólares em ferro gusa. Ou o trem da Vale, considerado o maior do mundo, com 330 vagões, cerca de 3.500 metros de extensão, com capacidade para carregar 40 mil toneladas, transportando o correspondente bruto, em minério de ferro, de cerca de 50 milhões de reais diários nas portas dos moradores de Açailândia. No entanto, essa riqueza “não reflete na condição de vida do povo maranhense”, desabafa o padre Dário Bosi, um dos coordenadores da Justiça nos Trilhos.

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