Integrante do GT Combate é alvo de racismo no Bairro Chame-Chame, Salvador

Nosso companheiro Diosmar Filho vem desempenhando um importante papel no combate ao racismo, nas suas diversas manifestações, em Salvador e outros municípios da Bahia. Desta vez, entretanto, sofreu na própria pele o preconceito contra o qual luta diariamente. Abaixo, seu desabafo emocionado, que não o impediu, entretanto, de buscar Justiça. A você, Diosmar, toda a nossa solidariedade e apoio. E muita força! TP.

“O último sábado, 5 de setembro, foi um dia diferente nessa minha vida de militância e busca da justiça para o povo negro na Bahia e no Brasil. Estava em Passagem dos Teixeiras, Candeias, a cerca de 30 km de Salvador. Saí às 7:00 da manhã de lá para Salvador, para a aula de campo de Pedologia do curso de Geografia da Universidade Católica de Salvador – UCSAL – onde sou graduando, no morro do Cristo no bairro da Barra, pois estava no Terreiro desde sexta-feira à noite para as celebrações dos 60 anos do nosso Rei da Terra e do Sol – Obaluayê.

Estive numa viagem de conhecimento das rochas e a formação do solo, algo que me deixou super animado, e querendo voltar ao Terreiro para poder cuidar e receber o Axé do meu Pai. Mas, por  estar acontecendo uma maratona na Av. Oceânica (Orla Atlântica de Salvador), deixei meu carro numa rua próxima no Center Victoria, na entrada do Chame-Chame, bairro mais próximo também da Barra.

Ao retornar para pegar o carro resolvi entrar no Posto de Combustível Chame–Chame, exatamente na loja de fast-food  Stop–Shop, na rua José Satiro de Oliveira, número 6. Peguei no balcão um pão delícia e um iogurte na geladeira. Quando voltei, vi que tinha três mesas no espaço para os clientes de lanche rápido. Numa estava apenas uma pessoa branca, homem com idade aparente entre 60 e 70 anos, e as outras estavam ocupadas. Me direcionei para ela e sentei. Mas, como vi que a pessoa estava lendo, fiz questão de sentar de forma que não o incomodasse. Mas eu estava enganado.

De repente, a pessoa voltou para mim e disse: “A MESA ESTÁ OCUPADA”. Eu respondi: “PELO SENHOR, MAS TEM ESTE LUGAR AQUI”. Ele disse: “EU ESTOU MANDANDO VOCÊ LEVANTAR. EU NÃO VOU FICAR AQUI COM VOCÊ”. Respondi: “EU NÃO VOU ME LEVANTAR” e completei “ESTA MESA NÃO ÉPRIVADA; É DE USO DE TODOS”.

Neste momento, o homem chamou o atendente/garçom e disse: “EU VOU EMBORA. EU NÃO FICO NA MESA COM ESTE RAPAZ”. O atendente disse: “O SENHOR QUER OUTRA MESA?”, e ele respondeu: “NÃO. EU QUERO QUE ELE SE LEVANTE. NÃO VOU DIVIDIR MESA COM ELE”. Daí começou a falar alto, se levantou e direcionou a mim “SEU MAL-EDUCADO”. Também me levantei e disse: “MAL-EDUCADO É O SENHOR; ME RESPEITE”. Ele continuou a falar, e eu disse: “O SENHOR TEM QUE IR PARA A CADEIA; CHAMEM A POLÍCIA”.

Neste momento me vi totalmente violentado, num filme da rotina que se passa em nossa vida, e liguei para o 190 da Policia Militar, que não atendeu. Olhei pelos vidros, mas não tinha nenhuma viatura em volta. O homem pagou correndo e saiu da loja. Então, voltei e sentei, alucinado de raiva, pensando rápido como agir, mas com o coração doendo.

Para completar, outro homem branco com um filho me olhou e disse: “AGORA PRIVATIZE A MESA”. Isso me deixou com mais ódio, um ar de impotência. Mas os ventos tomaram conta da minha mente e do meu coração, me mandando ao caixa fazer o pagamento da conta. Então, os atendentes e um rapaz que estava na gerência falaram que a pessoa racista era morador do bairro. Perguntei se tinham câmaras de filmagem ali, e responderam sim, na parte interna e externa. Então, pedi o endereço completo da loja e fiz o pagamento da conta.

Liguei para o Terreiro e falei com minha Yalorixá Raidalva Santos do ocorrido e que estava indo para a delegacia. Ela respondeu: “vá e volte com a denúncia feita”. Assim, fui direto para a 14ª DT, na Barra. Lá, falei com a senhora que me atendeu e me levou até a Delegada Cristiane Oliveira, que disse que não poderia afirmar que essa havia sido uma situação de racismo, mas que iria ver o processo legal para registro.

Disse para ela que eu não fui chamado de macaco, nem de pretinho, mas fui violentado como pessoa, quando aquele senhor fez questão de mostrar que não se sentava à mesa com uma pessoa da cozinha ou lavador de carro dele. Não precisava dizer que ele é racista, pois não fez questão de esconder. Ele fez isso, e os netos dele estão sendo preparados para fazer com meus filhos. Falei que queria que fosse feita a ocorrência, e ela deixasse que as demais provas eu iria buscar, como o nome dele. Expliquei que as câmeras tinham as imagens dele e a placa do carro também.

Depois de tudo que passei, tive que ser forte para ter uma posição diante da senhora representante da justiça. Mas ainda saí da delegacia sem a ocorrência, isso às 12:40. Não conformado, liguei para a amiga e companheira Vilma Reis para falar da minha dor, que me acolheu e também me tranqüilizou. Contudo, naquele momento, após falar com ela, recebi outra ligação da Delegada, chamando para fazer a ocorrência com a presença do escrivão às 14:30h.

Fui ao Terreiro e voltei com meu irmão de Axé Mauricio Reis. Às 15:20 fui atendido pela Delegada e o escrivão, para o registro. Foi produzido o Termo de Declaração da denúncia, e ficou como ação para a delegacia solicitar as filmagens das câmeras internas e externas do estabelecimento, para que possam identificar o senhor racista e a placa do carro, para dar encaminhamento ao processo.

Para que todos saibam, a ocorrência estar registrada na 14ª DT da BARRA, BO 10–01695, Delegada 203837482 – Cristiane Santos Oliveira. A mesma anotou como classificação: “Outros”, mas decreve o ato como discriminação racial.

A todas(os) neste momento eu peço ajuda para tocarmos este processo, pois, neste momento, o que mais quero é ver aquela pessoa branca e racista sentada de volta na mesa, mas como RÉU, para saber que as pretas e os pretos desta cidade e do Brasil não aceitam mais o lugar da cozinha ou de seguranças da Barra ou Chame–Chame, um dos redutos de classe média branca de Salvador, que se sente mal ao encontrar na manhã de domingo um negro numa loja de conveniência de seu bairro. O máximo que aceitam é ver os jovens negros correndo na praia da Barra e a policia atrás, pois todos em Salvador sabem que o ponto de turismo sexual infanto–juvenil, de mulheres e homens, é no lindo pôr-do-sol do Porto da Barra, no Farol, no Cristo, entre outros. Na mesma Barra dos brancos racistas de Salvador.

Neste momento em que busco ficar forte, só peço que Ogun cuide deste caminho, que Oxalá cuide do meu Orí, que a Paz e a Sabedoria reinem em nossas vidas, e a justiça de Xangó seja a verdade e a vitória para a minha comunidade negra.

Diosmar Marcelino de Santana Filho”.

Ativista e pesquisador negro / Graduando em Geografia / Membro do GT de Combate ao Racismo Ambiental – RBJA / Assessor para Povos e Comunidades Tradicionais da Diretoria Geral do Instituto de Gestão das Águas e Clima – Ingá, do Estado da Bahia.

Comments (1)

  1. é isso aí diosmar,
    conte com meu apoio e solidariedade. entendo profundamente a sua dor e sei o quanto é difícil e parece loucura quando tentamos revelar o racismo a partir de quem sente e vive. provavelmente a justiça não vai reconhecer, mas de nossa parte vale toda ação e reação para que essas práticas sejam problematizadas; postas como questões. só assim colaboramos efetivamente pra que a sociedade compreenda de uma vez por todas que nós não nos calaremos e nem cansaremos de denunciar o racismo e as perversidades de suas tramas.

    abraços solidário
    cris faustino

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