Entre os dias 1 e 7 de setembro, um grande número de organizações e movimentos sociais brasileiros estão nas ruas realizando um plebiscito popular a respeito da terra. A questão que se coloca para a sociedade é muito clara: as propriedades rurais de terra no Brasil devem ter um limite máximo de tamanho? A Fase apóia a Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra, e por isso convida todos e todas que lerem este editorial a procurar um posto de votação em sua localidade e cravar a resposta Sim.
A iniciativa desta campanha é a retomada de uma histórica luta social brasileira contra o latifúndio. Herança tenebrosa de nosso passado colonial, a estrutura fundiária extremamente injusta do país conseguiu atravessar os séculos sem mudanças fundamentais. Mesmo com alguma divisão da terra tendo ocorrido ao longo das últimas décadas, os fatos estão aí para serem vistos. Basta olharmos dados oficiais do governo federal: 1% dos estabelecimentos rurais com mais de mil hectares ocupa 44% de todas as terras. Enquanto isso, quase 50% dos estabelecimentos com menos de dez hectares ocupam 2,36% de toda a área disponível.
As conseqüências desta permanente injustiça fundiária são terríveis para a sociedade como um todo. Ela acarreta desde problemas históricos, como o êxodo do campo para cidade e a formação de grandes contingentes populacionais empobrecidos e sem atendimento de direitos básicos, até os riscos para a segurança alimentar da maioria das famílias, em especial as mais pobres. Isto porque, nos dias de hoje, a concentração fundiária histórica revelou que a terra, tratada como mercadoria, virou recurso do capitalismo agrário para produzir mais mercadorias. O latifúndio brasileiro não produz alimentos: produz as chamadas commodities de exportação, tais como soja, eucalipto, cana de açúcar e carne bovina.
Está clara, portanto, a oposição entre o modelo que conecta o latifúndio ao agronegócio exportador e o modelo que conecta a pequena propriedade rural familiar e social à produção de alimentos saudáveis. Porque a discussão não se resume a produzir ou não alimentos. Ela se refere também à venenosa opção química do agronegócio quando produz. O Brasil do latifúndio tornou-se nos últimos anos o maior consumidor de agrotóxicos do planeta. Inclusive, a despeito de todas as tentativas de regulação governamental, o latifúndio utiliza venenos que já foram proibidos em seus países de origem, como o endossulfan. Mais recentemente, o glifosato, agrotóxico próprio para cultivos transgênicos muito comuns no latifúndio, vem sendo usado mesmo sob riscos sérios de causar câncer, problemas neurológicos e má formação fetal em pessoas que o consomem sem saber.
E não é só isso. O debate sobre o latifúndio no Brasil tem obrigatoriamente que passar pela questão ambiental. Não é mais possível negar que as imensas extensões de terra que são propriedade de grandes fazendeiros ou mesmo de empresas transnacionais eram, tempos atrás, os biomas brasileiros que agora estão sob ataque. Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga, Pampa. A reserva natural de florestas, água, biodiversidade e condições de vida vem diminuindo a passos largos no país. Sua depredação – por queimadas, por derrubada etc. – dá lugar aos vastos campos cultivados com monocultivos insustentáveis e o pasto sem fim. Sem floresta, sem cursos d’água, sem a biodiversidade, ficará cada vez mais difícil para todos nós a manutenção de uma qualidade de vida digna. Já se notam mudanças climáticas grandes e pequenas que, ainda que não tenham comprovação científica cabal, a prudência recomenda ouvir o senso comum que identifica claramente a insensatez ambiental como a causa de secas prolongadas em alguns lugares e enxurradas em outros. Isto, para ficar em apenas um exemplo.
Votar a favor de um limite para as propriedades rurais privadas no Brasil significa exigir um outro modelo. Este novo modelo é baseado em pequena produção de alimentos saudáveis, em conservação dos recursos naturais, na democratização da renda da terra. Todos estamos cientes de que propomos um modelo que enfrenta resistências da parte das elites rurais, do agronegócio internacional e de seu fortíssimo lobby junto ao três poderes da República. Mas o que nos cabe fazer é continuar lutando para que a estrutura fundiária brasileira mude de injusta para justa, de insustentável para sustentável. Por isso a Fase recomenda que se vote Sim no plebiscito popular pelo limite da propriedade da terra no Brasil.
http://www.fase.org.br/v2/pagina.php?id=3383